José Vítor Malheiros |
[...] A tese do
Governo é que os maus resultados das empresas de transportes públicos se devem,
antes de mais, ao facto de serem públicas (daí que seja imperativo passar a sua
gestão para mãos privadas) e, depois, à fraude. A prova que a fraude aumentou?
O facto de o número de viagens pagas ter diminuído. Não será porque as pessoas
têm menos dinheiro e porque todos os que podem cortam nos passes e nos
bilhetes? Não será porque o desemprego aumentou e as pessoas que não precisam
imperativamente de se deslocar ficam em casa ou andam a pé? Não. O Governo diz
que é a fraude e tem um estudo onde a Carris aparece com números
substancialmente mais elevados que os que a própria empresa estima.
A ideia
percebe-se bem. A tese da fraude em massa que arrasta as empresas de
transportes públicos para o fundo serve a agenda política do governo, que
consiste em colocar os cidadãos uns contra os outros, desviar as atenções das
malfeitorias do governo e preparar a opinião pública para a concessão dos
transportes a privados. Neste quadro, não são apenas as empresas públicas que
não funcionam e que têm uma gestão deficiente. São também os utentes das
empresas públicas que agem de forma irresponsável - ao contrário dos clientes
das empresas privadas, que são cidadãos responsáveis. Para o Governo, há algo
de intrinsecamente pecaminoso nas empresas públicas. E esta campanha é para nos
convencer a todos disso. É, mais uma vez, dinheiro público gasto a fazer a
propaganda ideológica extremista do Governo PSD-CDS.
Uma vez
estabelecida que a culpa é dos utentes que cometem fraudes podemos passar ao
passo seguinte que é a mensagem explícita da campanha: abra os olhos. Denuncie
quem tenta viajar sem bilhete. Não os deixe passar. São eles, os pobres, que
nos estão a lixar a vida. Não é o Governo, nem a troika. Aqueles lindos olhos
azuis são os olhos do Big Brother, a ver se você denuncia os pobres ou se os
deixa passar. [...]
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