quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Recordando outros tempos

Nota: A autora deste texto é minha companheira de viagem desde há quase 50 anos. É natural, pois, que partilhemos este espaço de recordações, no que será um blogue a várias mãos...

No ano de 1961, aquando do início da guerra colonial, era o meu irmão ainda um adolescente. Com a guerra cresceram, nos anos que se seguiram, os jovens portugueses, aguardando como condenados, a hora da partida. O pesadelo chegara traiçoeiro, ensombrando milhares de famílias e trazendo a muitas delas o luto, que hoje ainda se mantém vivo.

Em nossa casa, os filhos viveram a guerra através do tio, que um dia também partiu, rumo à Guiné. Ele que fora menino pacato, que se fizera homem recusando toda a violência, lá foi de abalada, entregue à sorte, que outra coisa o não poderia proteger. Aqui ficámos nós, com o medo dos que ficavam e viam partir os familiares. Chegavam com frequência os aerogramas endereçados aos sobrinhos, recheados de engraçados desenhos que ele coloria, de muitas histórias ou divertidas charadas. Acolhíamos as notícias sem entusiasmo, porque cada minuto em África escondia mil perigos, e as cartas chegavam sempre com grande atraso. Só os pequeninos faziam da chegada do carteiro um motivo de alegria. Era natural. Por vezes eles procuravam saber mais coisas sobre a guerra. As irmãs perguntavam: O Paulo Miguel também vai? Nós acreditávamos que tudo terminaria entretanto, ou que, de alguma forma, o não «deixaríamos» ir.

O tio regressou da Guiné «salvo», que lá por dentro as recordações amargas não se apagariam nunca. Regressavam os mortos, os estropiados e os «outros», tristes e envelhecidos, doentes na alma, com um ror de lembranças que raramente partilhavam. Numa noite, o meu irmão ficou connosco até tarde. Do relato inesperado e espontâneo que então surgiu, colhidos pela surpresa e emocionados, escutámos o desabafo. Estivemos com ele no mato guineense, atravessámos clareiras de morte, silêncio e medo. Sentimos o suor no corpo cansado e vimos cair companheiros.

O dia 25 de Abril de 1974 foi para nós, em família, um dia diferente.

As perguntas sucediam-se (os quatro filhos tinham então entre 7 e 13 anos): A guerra ia acabar? O que era a PIDE? Porque havia presos políticos? Porque é que nunca lhes tínhamos falado nestas coisas? Explicámos o que era a polícia política e falámos do medo que se instalara em muitas famílias, receosas de que uma simples conversa em casa pudesse trazer algo de muito desagradável.

No dia seguinte as aulas reabriram e os filhos retomaram a sua actividade. Vi-os partir nessa manhã, muito assustada. Estava ainda escuro e Lisboa tinha sido palco, na véspera, de incidentes próprios de um tempo de revolução. Mas eles tranquilizaram-me. Tudo ia correr bem, disseram. E assim foi...

Recordo um diálogo acontecido em Setembro de 1977 num programa da TV intitulado Gente Crescida, em que a mais nova (então com 12 anos), tendo como parceiro de conversa o Padre Alberto (professor, grande amigo dos jovens e conhecedor profundo dos seus problemas, que foi assassinado barbaramente dez anos depois), dizia após longo e interessante diálogo: Se não fosse o 25 de Abril, o meu irmão, que tem agora 18 anos, iria para a guerra!.

A cerca de três décadas de distância, há que reconhecer: 25 de Abril de 1974 foi o início de um tempo diferente, para melhor, apesar de tudo.


Artigo de Maria da Piedade Pinheiro Martinho publicado no jornal O Mirante (Abril.1989) e lido no programa radiofónico A História Devida, RDP-Antena1 (06.Setembro.2006).


Inês Fonseca Santos, Nuno Artur Silva e Miguel Guilherme, nos estúdios da Antena 1, durante as gravações de um dos programas d'A História Devida.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

As lições do Joaquim

O Joaquim era o meu companheiro preferido de brincadeira, em tempo de férias da escola primária. Com ele calcorreava a quinta onde moravam os meus avós paternos, no Pinheiro Grande, que foi palco das mais excitantes descobertas e aventuras da minha meninice. A propriedade era pertença do senhor David Salgado, conhecido farmacêutico na Golegã, que ali vinha passar fins-de-semana e períodos de férias com a família.

Com o Joaquim aprendi a armar ratoeiras, a fazer fisgas com elásticos e couro flexível montados num pedaço de ramo em Y, e a construir armadilhas, com bocados de cana presos com guita, para caçar melros e tordos vivos, sendo o engodo as lagartas que ele desencantava com perícia nos caules do milho.

No tanque que ficava no cimo da encosta, já a caminho da charneca, observávamos deliciados o verde mesclado e brilhante das rãs e, coisa espantosa, impressionavam-nos os insectos que deslizavam à superfície da água, por impulsos descontínuos, apoiados nas patas, cujas extremidades pareciam ter almofadas flutuadoras. Era aí também que púnhamos a navegar os pequenos barcos construídos com casca de pinheiro, que se deixava facilmente moldar com o canivete. Recordo-me que, na fase dos acabamentos, esfregávamos as partes a bolear nas paredes de cimento do tanque, que era a lixa que tínhamos à mão.

À hora da merenda, subíamos a uma nespereira enorme, inclinada sobre uma courela, que ficava próximo do canavial onde pernoitavam bandos infindos de pardais barulhentos. Ou, então, descíamos à várzea, para saborear as ameixas mais perfumadas que já conheci. Outras vezes, respondia ao chamamento vindo de baixo, gritado da eira onde guinchava a máquina de descarolar o milho e se ouvia o bater compassado dos manguais, entremeado com a vozearia dos homens atarefados na debulha do feijão. Pão com queijo e uma pinga de café adoçado com mel de cortiços caseiros, era o tipo de mimos com que a avó Engrácia me apaparicava.

Guerras também as fazíamos, naquele tempo. O Joaquim era um especialista no fabrico de armas de arremesso. Uma delas era feita com um tronco direito de sabugueiro, a que se retirava o miolo, onde trabalhava um êmbolo feito à medida, em pau de marmeleiro: os projécteis eram pequenas rolhas de cortiça colocadas nas extremidades do tronco, que saíam com estrondo sob a pressão do ar. Numa outra arma, mais sofisticada, que até tinha gatilho, o Joaquim utilizava como espingarda um bocado de cana grossa com cavidades judiciosamente abertas, onde encaixava um ramo de marmeleiro dobrado: aqui, as balas eram pequenos canudos de cana fina colocados no interior do cano, encostados ao gatilho; desprendido este, lá voava o projéctil em direcção aos soldados alinhados nas trincheiras, feitos igualmente com canas.

Foi em casa do Joaquim que vi, pela primeira vez, fascinado, uma cultura de bichos-da-seda. E aí fui iniciado na lógica do raciocínio dedutivo. Face à conversa dele, peguei num casulo e afirmei, convencido: Mas isto não pesa nada!. O Joaquim olhou-me calmamente e corrigiu: Repara que nada mais nada é igual a nada, e eu tenciono vender os casulos ao quilo... Inesperadamente, eu acabara de tomar consciência da importância dos pequenos nadas. E mais: que era preciso atender às leis de conservação universais que regem as ciências experimentais, como a Física. Mas isso só o compreendi, verdadeiramente, muitos anos depois.

Interrogo-me hoje até que ponto me terão influenciado as brincadeiras com o notável Joaquim, que comigo partilhou fraternalmente a sabedoria adquirida com inteligência no contacto com a Natureza. Quem pode prever o destino das sementes caídas no terreno da infância?

Artigo publicado no jornal O Mirante (14-03-1995)
e no livro Histórias Devidas, Edições ASA, 2006.


Fotografia encontrada em http://casatuga.wordpress.com/2008/06/02/antigamente-que-era-bom/

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Poente(s)





Terminada hoje a curta estadia em Santa Cruz, esta é a última entrada (por agora) de uma pequena série em que a fotografia teve a palavra...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Um amor à primeira vista

Conheci Santa Cruz em 1965, depois de ter estado dois anos e meio em Paris (pós-graduação). Quando regressei, vinha sedento de mar e de sol. Uns amigos nossos, o José e a Clarisse Silva Pinto, deram-nos a conhecer a praia de Santa Cruz e… foi amor à primeira vista!

Nunca mais a nossa família deixou de passar em Santa Cruz os periodos de férias. E mais: tenho uma filha que reside aqui (a Maria Helena, Educadora de Infância no Vimeiro e mãe do João Guilherme) e uma outra que vem de Bruxelas propositadamente passar parte das férias a Santa Cruz (a Maria Isabel, funcionária da Comissão Europeia e mãe do Hugo e da Inês). Vontade expressa reiteradamente pelo Hugo (a caminho dos 9 anos): “Quero ir para a praia das barraquinhas”… Teremos aqui um embrião de continuidade?

Desde a minha aposentação (2002), aluguei uma casa a norte de Santa Cruz (Urbanização do Pisão), por ser uma zona mais tranquila. Para aqui vimos, eu e a Piedade, passar alguns dias por mês, como acontece agora mesmo.

Eis porque a última entrada dizia respeito à Santa Cruz dos primeiros tempos, e a entrada de hoje é a primeira de outras em que a fotografia tem a palavra.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Postal de Santa Cruz

Meu caro amigo

Como sabes, estou a passar férias em Santa Cruz, este ano “praia da CEE”! Para aqui vim há 23 anos com a família, ainda não era nascida a Isabel, e por cá fiquei. Hoje, que decidi escrever-te, dei comigo a pensar: Como isto mudou! Não me perguntes se é melhor ou pior. É diferente. A seta do tempo é irreversível e contra ela não se pode lutar, não é?



A pequena história do que por aqui se passou entretanto poderia começar assim:

Era uma vez uma povoação, a 15 quilómetros de Torres Vedras, em direcção ao mar: terra calma, de casario baixo e gente simpática...

Aí se vinha passar o tempo de Verão, recuperar forças. Cheirava a mar pela manhã na Meia-Laranja, a vista varrendo o extenso areal desde a Riba Amarela até para lá da Praia do Navio. Por detrás do Penedo do Guincho, adivinhava-se a Praia Formosa, que foi onde tudo começou, segundo dizem os mais velhos. As barracas, poucas, vinham até ao enfiamento das “rochas”, ou pouco mais. Na maré-baixa, os apanhadores de polvos faziam o sobe-e-desce nas grandes pedras semeadas na areia, avançando com decisão de toca em toca, de becheiro em punho. Para a Praia do Norte descia-se por uma escada de madeira, corrimão improvisado, toda ela tremendo à nossa passagem. Desembocava na tasca do Bigodes, cabana feita de tábuas e caniços, onde se comiam tremoços a acompanhar o tinto da região. Para os miúdos, havia pirolitos.


Era uma vez uma povoação calma...
A quietude e o silêncio dominavam. Podíamos encontrar-nos connosco próprios em qualquer momento, era só querermos. Não havia “boites”, nem jovens a gritar pelas ruas às três horas da madrugada à saída das discotecas. Não havia motoretas infernais, nem outros desassossegos. Nas noites mais amenas, dava-se uma volta, tomava-se um carioca de limão na Havaneza e conversava-se com os conhecidos, que eram todos. Regressava-se cedo a casa, com os grilos já em grandes cantorias, alguns atravessando pacatamente as ruas. Nos fins-de-semana, e pelo 15 de Agosto, tocava a Banda dos Bombeiros num coreto improvisado na praia, ou na rua da Estalagem, e havia bailaricos populares.


Era uma vez uma povoação de casario baixo...

Nesse tempo, não havia mamarrachos de vários andares, em pleno centro de Santa Cruz, estrangulando ruas e aniquilando casas típicas e vivendas (negócio que continua a florescer!). De todo o lado se via o mar. Hoje, só o entrevemos a espaços. O pôr-do-sol e a estrada de luz que deixava na água, vistos da Pensão Miramar, eram um deslumbramento sempre renovado. Agora, é um desalento, só comparável ao do terraço de onde não se “mira” mais do que a empena de um prédio a ele encostado! Quanto à Pensão Oceano, que se alongava pelas escadas que iam dar ao Casino, deixaram-na apodrecer e acabaram por desmoroná-la. Em seu lugar vão crescendo ervas no interior do espaço protegido por tapumes. Até quando? E que irão lá construir?


Era uma vez uma povoação de gente simpática...

Recordo a tia Angelina das pevides, a bonomia no rosto engelhado, palmilhando a areia a custo. Cedo deixou de aparecer, coitada, que os anos já pesavam.

Lembro-me da mulher das farturas, baixa e forte, que nos procurava a horas certas. Assente o cesto no chão, logo a miudagem se juntava à volta do seu sorriso familiar. Para os que não podiam comprar, havia sempre um bocado de frito. É pr’ó miúdo não augar, dizia ela.

Há banana a seis a dúzia!, ouvia-se, vinha ela ainda longe. Voz estridente e passo cadenciado, passava ao fundo das filas, do lado do mar, olhando na direcção certa à procura do sinal dos clientes. Nessa altura, não tinha ainda a venda no mercado novo, nem as bananas eram a 200 escudos o quilo. Como os anos passam depressa!

Quem não conhecia a Romana? Na pequena papelaria, onde hoje é o ArDeBar, havia de tudo, ou quase... e, sobretudo, uma simpatia humana enorme (como ainda hoje, felizmente, agora em frente da Boutique 81). No meio da venda dos jornais, o Zé Alfredo conta(va) histórias de pesca... Oh amigo, olhe que você aqui não consegue apanhar peixe. Com um anzol desse tamanho, só se for para os Açores, para a pesca da baleia!

Gente simpática a do Oeste, e confiante. Os pequenos comerciantes, mesmo sem nos conhecer, não hesitavam: Não tenho troco de cem. Paga depois.

Ainda hoje me impressiona a filosofia do vendedor de fim-de-semana a quem eu queria comprar um chapéu de Sol. Guarde-mo, que eu vou buscar dinheiro, pedi-lhe. Leve o chapéu, senhor. Paga quando por cá passar, disse-me o homem. Perante a minha surpresa, insistiu: Leve o chapéu! Se não aparecer para pagar? Olhe, o senhor não fica mais rico... e eu não fico mais pobre...


O postal vai chegando ao fim, meu caro. Assinalo apenas que Santa Cruz tem sido, ao longo do tempo, terra querida de gente ilustre, como foi o caso de João de Barros (1881-1960). No monumento que erigiram em sua memória, pode ler-se esta bela homenagem de Ferreira de Castro: «No Verão um grande poeta vinha contemplar o Atlântico de sobre estas arribas. Dedicara a vida a unir ainda mais a alma de Portugal à do Brasil, através do mar que ele amava desde menino. Na sua obra de esplendecente beleza cantava a liberdade e a fraternidade, as virtualidades do Homem e o futuro redimido de velhas servidões. Chamava-se João de Barros e foi também um preclaro cidadão, desses que honram eminentemente a espécie humana
Pena é que rareiem homens desta estirpe!

Até sempre.
Um abraço.

Artigo publicado em Agosto de 1988 no jornal O Mirante

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A última carta

Meu querido Amigo

Ontem à noite, quando o meu filho me telefonou de Portugal a anunciar-me o acontecimento, não chorei. Por momentos, fiquei surpreendido. Compreendi depois que nos havíamos despedido já, cinco dias antes. Recorda-se? A febre não o largava e eu estivera algum tempo a refrescar-lhe o rosto com uma toalha embebida em água fresca, renovada. E quando, finalmente, tive de partir, a lágrima que não pude reter e que lhe caiu na fronte ao beijá-lo, foi verdadeiramente o nosso último abraço. Ao chegar a casa, havia dito ao Paulo Miguel: Se na minha ausência acontecer o que receio, gostaria que me representasses na homenagem ao Padrinho... Concluo agora que se tratava de um entendimento premonitório do que iria passar-se. De resto, de há dois anos para cá, todos os dias nos íamos despedindo um pouco mais... Foi por tudo isto que não chorei ontem, compreende?

Queria dizer-lhe que não me esqueci do seu pedido: revi Paris pelo meu Amigo. Na Tour Eiffel, no Sacré-Coeur e, sobretudo, na nova Tour de Montparnasse (que não chegou a conhecer), tenho enchido os olhos da cidade que lhe era tão querida, em sua memória. Como poderia ser doutro modo? Se não fosse o meu Amigo, eu não estaria hoje aqui. Quanta água correu no Tejo desde que nos conhecemos na Chamusca há mais de trinta anos!... Foi bom termo-nos encontrado na Vida. Pena foi que agora, no Fim, estivéssemos tão distantes. Caprichos do destino.

Sinto que um ciclo da minha vida se encerrou ontem. Outro começa hoje: o de o guardar no coração, até ao dia em que for fazer-lhe companhia de novo.

Tomei boa nota da informação que o seu sobrinho José me deu: Secção 34, Número 2818, Cemitério do Lumiar. No próximo mês, levar-lhe-ei flores.

Até sempre, querido Amigo Carmo!
Eduardo

Paris, 20 de Setembro de 1982.


Artigo publicado em Novembro de 1982 na revista Chamusca Ilustrada.

António Dores do Carmo: Alto exemplo de dedicação à Chamusca

A 6 de Janeiro de 1952, Carlos Pereira Amaral Neto escrevia de Lisboa a alguém que se encontrava na Chamusca, nos seguintes termos:
É a si e não a mim que os velhos do Asilo têm que render agradecimentos. Ignorava de que indumentária dispunham, e se o meu Amigo se não tem referido à exclusiva andaina de algodão dentro da qual teriam de aguardar o Inverno, eu talvez me não tivesse lembrado de protegê-los contra o frio que agora aí fui conhecer e de que já me não lembrava. ( ...) Sei que continua, como sempre, a ocupar-se de causas de interesse para aumento dos rendimentos da Santa Casa, e admiro o seu espírito de sacrifício e de trabalho hoje tão raros. Que todos lhe façam a justiça que merece são os meus votos.


A carta era dirigida a António Dores do Carmo, a exercer então o cargo de chefe da secção de finanças do nosso concelho, um homem que, não tendo nascido na Chamusca, a esta terra dedicou o melhor de si mesmo numa acção esforçada e multifacetada de bem-fazer. Embora a memória dos homens seja demasiadas vezes curta e nem sempre grata, inúmeros são os chamusquenses vivos que reconhecerão a justeza da apreciação de Carlos Pereira Amaral Neto, a qual poderia ser testemunhada por pessoas das mais diversas condições sociais.

Por mais nove meses haveria de continuar António Dores do Carmo na Chamusca, donde saiu em Setembro de 1952 para ser colocado em Coruche, findo o sexénio fixado por lei para o exercício das suas funções como secretário de finanças. Durante este período, talvez mais do que em qualquer outro dos três que passou na Chamusca, desdobrou-se numa actividade particularmente intensa como membro da Comissão Administrativa que ao tempo geria a Santa Casa da Misericórdia. Sentia porventura, como aliás veio a acontecer, que essa seria a sua última oportunidade de se dedicar, de forma interveniente e consequente, à causa que sempre o animou na sua acção: a causa dos chamusquenses desvalidos, especialmente os idosos, os doentes e a chamada “pobreza envergonhada”.

O seu empenhamento generoso levava-o a bater-se em várias frentes: era a preocupação em robustecer os meios materiais da Santa Casa da Misericórdia, com vista a conseguir-lhe uma capacidade de actuação acrescida, para o que não se cansava de solicitar a participação dos mais abastados; era o cuidado que devotava ao melhoramento das instalações do Hospital e ao seu mais eficaz funcionamento; era o extremo carinho que dedicava ao Asilo, onde chegava a deslocar-se diariamente; era a organização de festas taurinas, com toda a carga de responsabilidade decorrente das incertezas próprias deste género de empreendimentos; era a coordenação dos esforços que levaram a bom termo os festejos da Comissão de Auxílio aos Tuberculosos; finalmente, era o apoio moral e material dispensado a tantos chamusquenses, por vezes incentivando a criação de grupos de pessoas amigas para intervenções pontuais, muitas vezes agindo individualmente de forma anónima.

Compreende-se assim o teor de uma outra missiva remetida ainda por Carlos Pereira Amaral Neto, a 26 de Janeiro de 1952. Depois de lamentar não poder deslocar-se à Chamusca, por razões de saúde, acrescentava: Queria abraçá-lo e agradecer-lhe, como chamusquense, o notável esforço por si orientado no sentido do sucesso que temos o gosto de presenciar. De todos os agradecimentos é merecedor e isso me apresso a manifestar-lhe. Perante êxitos tão próximos e repetidos, perante a eloquente demonstração de acordar do sentimento das generosidades que mês a mês o Mensário da Santa Casa vem revelando, nenhuma dúvida pode restar de que conseguirá tudo quanto se pretende. É a si, na sua maior parte, que tudo se ficará devendo. Muito e muito obrigado.

Consciente da falta que homens da estirpe de António Dores do Carmo fazem a qualquer comunidade, tanto mais que, sem renunciar aos seus princípios, cultivava a conciliação e conseguia ser um ponto de convergência de boas vontades, alguém pretendeu que ele ficasse na Chamusca, oferecendo-lhe um lugar com remuneração superior à que usufruía como secretário de finanças. Tal oferta foi recusada de modo clarividente, por razões que radicavam no espírito de independência e na irrecusável verticalidade que sempre o caracterizaram. Profissional de inexcedível honestidade e de elevada competência, que muito prestigiou a função pública como funcionário da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, António Dores do Carmo entendeu que o seu destino deveria cumprir-se na carreira que escolhera. Ao partir da Chamusca, com menos saúde e algumas dívidas, deixou atrás de si um lugar aberto, quiçá não preenchido até aos nossos dias.

Inteiramente justo, pois, que lhe rendamos a nossa homenagem, recortando-lhe o perfil e apontando-o aos vindouros como um exemplo de amor à terra com que identificou o seu coração.

António Dores do Carmo nasceu em Elvas, na freguesia de Salvador, a 5 de Setembro de 1897. Filho de Luciana Maria e de José do Carmo, ao tempo comandante do posto da Guarda Fiscal da delegação aduaneira de Elvas, foi o mais novo de três irmãos.

Pertencendo a uma família sem haveres, os seus estudos estariam condenados a limitar-se à instrução primária, se o professor José Mendes Raimundo Jr. não tivesse reparado nele e decidido explorar as qualidades de inteligência e de trabalho que desde cedo começou a revelar. E foi assim que, entre o desempenho de tarefas avulsas como a venda de jornais e o aluguer de almofadas na estação dos caminhos de ferro de Elvas e a ajuda que dava a seus pais no amanho de uma pequena terra de renda, António Dores do Carmo completou o curso geral dos liceus no Colégio Elvense como beneficiário de uma caixa filantrópica de auxílio a estudantes pobres. Enquanto isso, o seu carácter ia-se moldando na convivência de uma família modesta, mas forte de ânimo e honrada nos princípios.

Não tendo podido cursar direito aduaneiro, como pretendeu a dado passo, António Dores do Carmo iniciou em 1919 a sua carreira nas «finanças». Após uma brevíssima passagem por Portalegre como praticante, a 19 de Maio desse ano tomou posse do lugar de aspirante de finanças da Chamusca, onde iria permanecer oito anos.

Com 22 anos apenas, desconhecido de todos e com a agravante de o lugar que ocupava não ter sido prestigiado pelos seus dois antecessores, foi pela seriedade da conduta, lhaneza do trato e espírito de iniciativa que António Dores do Carmo começou a ser apreciado na Chamusca, embora na fase inicial do relacionamento com o meio social chamusquense tivesse sido apoiado por Diamantino Montarroio Neto Ferreira, que desempenhara as funções de chefe da secção de finanças local. Data dessa época a polémica questão da passagem de novo da freguesia de Vale de Cavalos para o concelho da Chamusca, em que António Dores do Carmo teve uma participação activa. Também nesse período, em 1922 exactamente, conheceu aquela que viria a ser a sua companheira de sempre, Albertina de Jesus Neto, cujos relevantes serviços prestados à Chamusca, como chefe da estação dos correios durante cerca de um quarto de século, é da mais elementar justiça lembrar aqui.

Promovido a secretário de finanças em 1927, começou por ser colocado na Direcção de Finanças de Santarém, mas a 3 de Março de 1928 estava de regresso à Chamusca. Para seu desgosto e tristeza dos chamusquenses, aí ficaria apenas por dois anos e meio, dado que entretanto a repartição de finanças do nosso concelho subira à categoria de 2ª classe. Apesar de curto, este período foi bastante significativo. Na plena posse das suas faculdades, figura respeitada que havia sabido merecer o prestígio de que gozava entre os chamusquenses, António Dores do Carmo teve então uma actuação marcante, nomeadamente como vogal da Mesa da Santa Casa da Misericórdia. Nessa qualidade, entre outras incum­bências, teve a seu cargo o pelouro da Praça de Touros; foi um dos promotores da construção de um pavilhão para tuberculosos no Hospital; participou na organização e colaborou activamente nas animadíssimas Festas da Misericórdia que tiveram lugar de 5 a 13 de Julho de 1930 e cujo lucro atingiu a cifra de 29 contos. Não foi sem mágoa que os chamusquenses o viram partir em Agosto de 1930. Em artigo publicado na Chamusca Nova, em Abril desse ano, Álvaro Amaral Neto interpretou sentidamente esse pesar.

Depois de ter passado sucessivamente por Santarém (desta vez como subchefe da repartição de finanças concelhia), Ferreira do Zêzere e Alpiarça, em 1941 completou com sucesso as provas de concurso para secretário de finanças de 2ª classe. Já podia de novo ser colocado na Chamusca! Até o conseguir, porém, haviam de decorrer ainda cinco anos, durante os quais exerceu funções em Silves e Coruche.

Foi a 12 de Agosto de 1946 que António Dores do Carmo regressou à Chamusca pela terceira vez, aí permanecendo o intervalo de tempo máximo permitido por lei. Como referimos antes, este foi talvez o período em que mais vigorosamente se envolveu nas múltiplas tarefas sociais em que já dera sobejas provas de empenhamento, especialmente no âmbito da acção da Santa Casa da Misericórdia.

Grande aficcionado, alegrou enormemente a nossa praça de touros promovendo corridas que deram brado, para as quais contratava as maiores figuras do toureio. Não poucas vezes, fez preceder as corridas que organizou de entusiasmantes entradas de touros, Rua Direita acima. Quem fará ideia do trabalho que tudo isto dá? Talvez um homem com o passado de Alberto Frederico Empis, que, a 21 de Julho de 1950, lhe escrevia uma extensa carta de agradecimento pelo convite formulado para estar presente a 3 de Agosto na festa de aniversário da praça de touros, dizendo já perto do final: Aproveito esta ocasião para lhe remeter em separado alguns programas antigos e uma medalha comemorativa da inauguração da Praça, que estou certo lhe dará prazer e mais do que qualquer outra pessoa a ela tem direito. As últimas festas taurinas que organizou foram a corrida de Quinta-Feira de Ascensão de 1952, a 22 de Maio, e uma vacada a 6 de Julho, que renderam cerca de 21 contos.

Em 1950 dinamizou uma iniciativa que teve, entre outros, o grande mérito de se transformar numa singular manifestação colectiva de solidariedade humana: a Comissão de Auxílio aos Tuberculosos. Tendo António Dores do Carmo como timoneiro, esta Comissão, para atingir os seus propósitos, organizou festejos esplendorosos que ainda estarão na memória de muitos chamusquenses. De Julho a Setembro de 1950 e de Junho a Setembro de 1951, ao longo de 32 trabalhosas noites, foi possível arrecadar um lucro da ordem de 148 contos, dos quais 126 em dinheiro e 22 em materiais e utensílios. Como se lia numa circular da CAT datada de 15 de Maio de 1951, pretendia-se com esses meios ( ...) minorar o sofrimento e curar os flagelados pela terrível doença a tuberculose, adquirindo remédios e promovendo a instalação nesta vila duma obra perdurável destinada a combater esta doença, com carácter permanente (...).

Pena foi que alguns dos objectivos perseguidos por António Dores do Carmo não tivessem podido ser alcançados. De entre estes, talvez sejam de salientar a “sopa dos pobres” (que teve uma vida efémera), o Dispensário Anti-Tuberculoso (a que fazia referência a circular mencionada acima), uma cre­che onde os trabalhadores pudessem deixar os seus filhos e um centro de acolhimento em Lisboa para doentes chamusquenses, preocupações que acompanharam António Dores do Carmo mesmo depois de ter saído da Chamusca pela última vez.

Repare-se que, exceptuando Silves, todas as localidades onde exerceu funções se situam no Ribatejo. Isto não aconteceu por acaso. Desde o primeiro contacto com a nossa terra, a trajectória futura de António Dores do Carmo ficou condicionada: a Chamusca passou a constituir para ele um pólo de atracção em torno do qual gravitava. Esta situação manteve-se até 1955, ano em que foi colocado no 5.º bairro fiscal de Lisboa. Aqui permaneceria até atingir a reforma em 1961.

Nesse mesmo ano, fundou uma agência de contribuintes em pleno centro da capital, na qual empregava dois secretários de finanças igualmente aposentados. Foram suas avençadas, entre várias outras, empresas importantes como Electricidade de Portugal, Estabelecimentos Isidoro de Oliveira, Claras Transportes. Deixou de exercer a actividade de consultoria fiscal há poucos meses, concre­tamente em Outubro de 1980.

Apesar de afastado fisicamente da Chamusca há já quase trinta anos, nunca deixou de ir acom­panhando os problemas locais, de ir contribuindo para a resolução de certas carências, de se associar a mani­festações de chamusquenses. São chamusquenses muitos dos seus melhores amigos. Quando com ele conversamos, é da Chamusca que se fala a maior parte do tempo.

Um episódio ocorrido com António Dores do Carmo, presumivelmente nos primeiros anos da década de 40, é esclarecedor do seu apego à nossa terra. Um dia, convidado por Leal Marques para ocupar um lugar na Inspecção-Geral de Finanças, respondeu com veemência: Prefiro ser secretário de fi­nanças de 2.ª classe na Chamusca, a ser ministro!

Hoje, a caminho dos 84 anos, António Dores do Carmo pode legitimamente orgulhar-se de ser um grande chamusquense.

Artigo publicado em Fevereiro de 1981 na revista Chamusca Ilustrada.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Percurso pessoal visto de relance

Andamos todos em busca de um bocadinho mais de eternidade escreveu um dia a minha filha Maria Teresa no seu blogue http://tempodeteia.blogspot.com/. Em consequência, continuava ela, escrevem-se livros, pintam-se quadros, fazem-se filhos, fazem-se blogues. É isso: este blogue é ditado por um secreto desejo de eternidade para todos os que nele entram...

Nasci na Chamusca em 16 de Novembro de 1936, filho único de uma família humilde. Quando acabei a escola primária (actual 1.º ciclo) em Julho de 1946, a preocupação dos meus Pais era tirar-me da rua, para não apanhar vícios… Estive quase a ir aprender um ofício (carpinteiro, foi a hipótese), mas o mestre não me aceitou porque eu era demasiado novo.

Completados os 10 anos, fui posto num armazém de revenda para (um dia) trabalhar no escritório. Primeiro foi o tédio de me ver sozinho, isolado, sentado a uma secretária, a conferir inutilmente as somas (sempre certas!) de inúmeras facturas de vendas a retalho. Felizmente, passado algum tempo fui “promovido” a marçano... Era divertido encontrar pessoas conhecidas ao balcão, enrolar cartuchos de papel pardo, aviar quar­tas de arroz ou de massa, cortar bacalhau às postas, ajudar na torrefacção do café e do amendoim... Menos agradável eram os carregos e ter de varrer a loja ao fim do dia.


A minha Mãe, que era uma Mulher inteligente, tinha outras ideias para mim. Em meados de 1948, decidiu ir pedir ajuda ao Senhor António Dores do Carmo, chefe da Repartição de Finanças da Chamusca, que era uma pessoa considerada e influente no meio. Perante os argumentos de minha Mãe, o Senhor Carmo acabou por aceitar-me como uma espécie de moço de recados, ficando de ver o que poderia fazer para eu frequentar o externato que havia na vila – onde, quem tinha posses, podia fazer os dois primeiros anos do liceu. Foi o início de um muito improvável percurso…

 Sempre sob a protecção e orientação do Senhor Carmo, em 1949 fiz o exame de admissão ao liceu e em 1951 completei o 2.º ano (actual 6.º ano). Já a residir em Santarém e beneficiando de uma bolsa de estudo no Externato Braamcamp Freire, completei o 5.º ano (actual 9.º ano) em 1954 e o 7.º ano (actual 11.º ano) em 1956. Em 1961, concluí a licenciatura em Ciências Físico-Químicas na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e iniciei a minha actividade na Junta de Energia Nuclear (Sacavém).

Na minha adolescência, imaginava que um dia escreveria em jornais e seria “famoso”. Escrever artigos, escrevi, quanto ao resto fiquei mais conhecido na minha “rua” pelo que escrevi na revista Chamusca Ilustrada (1977-1983) e no jornal O Mirante (1987-2001), e talvez um pouco mais além pelos artigos publicados no Expresso e no Público na década de 90, sobretudo os respeitantes a uma crise delicada que levou o Presi­dente da República, doutor Mário Soares, a receber um grupo de investigadores do Labora­tório de Sacavém em Maio de 1993 – cf. http://edmartinho01.wordpress.com/.


Em Santarém, era eu estudante do ensino secundário, tive o privilégio de pertencer à equipa de futebol de juniores da Associação Académica. Esse grupo venceu os campeo­natos Regional e Distrital, e foi ao Nacional em 1955/56, com direito a pequenos relatos nos jornais da região e até a uma fotografia no Mundo Desportivo... Um dos aconteci­mentos mais entusiasmantes foi quando o senhor Madeira me chamou à parte depois de um treino e, pela primeira vez, me disse: Martinho, você joga amanhã!


E também foi em Santarém que conheci em 1954 a Maria da Piedade Neves Pinheiro, que veio a ser a Mãe dos meus filhos (Paulo Miguel, Maria Teresa, Maria Helena e Maria Isabel) e Avó dos meus netos (Bruno, Hugo, João Guilherme e Inês).



Durante a licenciatura (1956-1961) fui aquilo que se designa por trabalhador-estudante: ganhava a vida no Colégio Manuel Bernardes – onde tomava conta de meni­nos de boas famílias... com direito a cama, comida e roupa lavada e uns “cobres” ao fim do mês – e frequentava as aulas da manhã na Faculdade de Ciências, porque no Colégio tinha só as manhãs livres e um domingo de folga de 15 em 15 dias. Dormia na camarata dos alunos, levantava-me às 6 horas da manhã, tomava as refeições com os alunos, vigiava o recreio, tirava dúvi­das nas salas de estudo... Em suma, foram cinco anos difíceis.

Antes de terminar licenciatura, tive dois convites de emprego: (1) como professor de Ciências Físico-Químicas do Colégio Manuel Bernardes e (2) como assistente de investigação do recém-inaugurado Laboratório de Física e Engenharia Nucleares (LFEN) que fazia parte da Junta de Energia Nuclear. Com a compreensão do director do Colégio, que me desobrigou do “sim” ao seu convite quando soube da segunda oportu­ni­dade, optei por trabalhar no LFEN, onde permaneci mais de 40 anos (desde Se­tembro de 1961 até me aposentar em Abril de 2002).

Entre os marcos profissionais que vivi mais intensamente no início da minha carreira contam-se os seguintes:
(a) Início da actividade na Junta de Energia Nuclear (Setembro de 1961);
(b) Conclusão do Cours de Génie Atomique (Saclay, França) em Julho de 1963;
(c) Trabalho publicado em França com René Vidal [Mesures des intégrales de résonance d'absorption (Mn, Fe, Co, Ni, Cu, Zr, Mo). Rapport CEA-R-2840 (1965)];
(d) Primeiro artigo publicado numa revista internacional, com José Salgado (Diffusion and extrapolation lengths of thermal neutrons in water by a stationary method. Journal of Nuclear Energy, Vol. 22 (1968) 597);
(e) Artigos publicados com Maria Micaela Costa Paiva: (1) Half-life of Au-198. Interna­tional Journal of Applied Radiation and Isotopes, Vol.21 (1970) 40; (2) Thermal neutron diffusion parameters in water by the poisoning method. Nuclear Science and Engineering, Vol. 45 (1971) 308


Em 1965 fui admitido como assistente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lis­boa, em regime de acumulação com a actividade no LFEN/JEN. O resumo do que foi a minha passagem pela FCUL está contido na intervenção do Professor Doutor José Gomes Ferreira (que não esqueço) em reunião do Conselho Científico (Grupo de Física) reali­zada em 22 de Outubro de 1980:
O Dr. Eduardo Martinho leccionou aproximadamente 15 anos no Laboratório de Fí­sica da Faculdade de Ciências de Lisboa. Durante este tempo regeu grande número de disciplinas onde revelou qualidades pedagógicas de grande mérito aliás reconhe­cidas pelos seus alunos.
Publicou livros de texto para a maioria das disciplinas que regeu e que foram segui­dos por outros docentes. Realça-se este facto porque é raro em Portugal os profes­sores universi­tários publicarem em livro as suas lições.
Realizou trabalhos de investigação com aceitação internacional.
Tendo eu sido responsável pela entrada do Dr. Martinho para a Faculdade, ficaria de mal com a minha consciência se, no momento em que, com desgosto, o vejo abandoná-la, não mani­festasse perante este Conselho Científico o apreço em que tenho as suas qualidades de docente e fizesse realçar o mérito indiscutível da cola­boração que deu a este Laboratório
.

Uma pergunta pode ocorrer: De entre os trabalhos científicos realizados, quais terão sido os mais significativos? Pela originalidade e importância prática dos resultados, julgo que são os que foram publicados entre 2001 e 2004 – com José Francisco Salgado e Isabel Maria Ferro Gonçalves – referentes à descoberta de uma curva universal relevante no domínio da Física das Radia­ções de Reactores Nucleares.


Desses trabalhos, são de destacar os seguintes:
(a) Universal curve of epithermal neutron resonance self-shielding factors in foils, wires and spheres. Applied Radiation and Isotopes, Vol. 58 (2003) 371-375
(b) Extension to cylindrical samples of the universal curve of resonance neutron self-shielding factors. Nuclear Instruments and Methods in Physics Research B, Vol. 213 (2004) 186-188
(c) Universal curve of thermal neutron self-shielding factors in foils, wires, spheres and cylinders. Journal of Radioanalytical and Nuclear Chemistry 261 (3) 2004 637-643

Cientistas de vários países [Alemanha, Argélia, Argentina, Áus­tria, Bélgica, Brasil, Bulgária, Canadá, China, Coreia do Sul, Dinamarca, Egipto, Eslovénia, Estados Unidos da América, França, Holanda, Hungria, Índia, Itália, Japão, Paquistão, Portugal, Reino Unido, Suiça, Taiwan e Vietname] e de instituições internacionais [EU/Joint Research Centre (Geel, Bél­gica; Petten, Holanda; Ispra, Itália) e IAEA (Viena)] têm vin­do a citar os tra­balhos publicados entre 2001 e 2004 em artigos referentes a diversos do­mí­nios, nomeadamente metrologia de radiações de reactores nucleares, determinação de parâme­tros nuclea­res (secções eficazes e integrais de resso­nância), aná­lise por activa­ção com neutrões, produção de radioisótopos para aplicações médicas.

Uma equipa canadiana resumiu a inovação do trabalho feito em Sacavém como segue:
« (…) Historically, the calculation of Gth and Gep [Gepi or Gres] was extremely difficult, and it was recommen­ded to dilute the samples to avoid self-shielding. Fortunately, reactor physicists recently showed that the amount of epithermal as well as thermal self-shielding could be expressed by the same analytical function, a sigmoid, for all nuclides (Martinho et al., 2003 [2]; Gonçalves et al., 2004 [3]; Martinho et al., 2004 [4]). (…) »
[in C. Chilian, R. Chambon, G. Kennedy: Neutron self-shielding with k0-NAA irradiations. Nuclear Instruments and Methods in Physics Research Section A 622 (2) (2010) 429-432]

Os trabalhos publicados entre 2001 e 2004 encontram-se reunidos no website http://edmartinho.wordpress.com/ intitulado “Neutron Self-Shielding”.

Por fim, deixo aqui registada uma inesperada “declaração de amor” da minha neta Inês (em Ou­tubro de 2009; cinco anos incompletos) que me assegura a “eternidade” possível no seu coração: Avô, tu estás velhinho, mas o mais impor­tante é que eu gosto muito de ti. Tens razão, Inês, isso é o mais importante!

domingo, 10 de outubro de 2010

Onde tudo começou: Chamusca, à beira do rio Tejo

Igreja de Nossa Senhora do Pranto
Mirante de Nossa Senhora do Pranto:
um panorama belíssimo da lezíria do Tejo

Poente inspirador (visto de nossa casa) num dia de Verão