quarta-feira, 30 de março de 2011

Reactor Português de Investigação (1961-2011): Da régua de cálculo aos computadores

O Reactor Português de Investigação (RPI) funcionou pela primeira vez em 25 de Abril de 1961. Dois dias depois era inaugurado o Laboratório Nuclear de Sacavém (actual Instituto Tecnológico e Nuclear, http://www.itn.pt/). Significa isto que se completam proximamente 50 anos desde a altura em que Portugal passou a dispor de meios significativos de investigação no domínio da Física e Engenharia Nucleares. Ao lembrar estas efemérides, pareceu-me interessante e oportuno passar em revista a evolução dos meios de cálculo de que dispuseram os investigadores do RPI durante o último meio século. Quem viveu a experiência por dentro, vê-se confrontado com sentimentos que vão desde a vertigem do tempo que passou ao espanto pelo incrível tempo vivido, tal foi o inimaginável caminho percorrido e as extraordinárias mudanças operadas. É uma história que vale a pena recordar...


Se hoje perguntarmos a um estudante universitário se sabe o que é uma régua de cálculo e como se utiliza, porventura poucos responderão afirmativamente. Todavia, na primeira metade da década de 1960, foi com réguas de cálculo que foi feita grande parte dos numerosos e fastidiosos cálculos relacionados com a calibração inicial do RPI.

Nos casos em que era necessário assegurar uma maior exactidão dos resultados, era utilizada uma máquina de calcular electro-mecânica Monroe. A velhinha Monroe era, toda ela, lentidão, movimento e ruído quando se lhe pedia um cálculo relativamente mais exigente. Para se ter uma noção do que isto significava, vale a pena apreciar o vídeo http://il.youtube.com/watch?v=Z-LwIHe72FA&feature=related. No caso ilustrado, trata-se de uma Monroe-Matic do início da década 1960 a fazer inicialmente uma divisão de 12,345 por 167...

Para calcular uma exponencial ou uma função trigonométrica, recorria-se a espessos livros da “especialidade” contendo infindáveis valores tabelados a intervalos regulares... que quase sempre era necessário interpolar. Ainda não havia as agora familiares calculadoras científicas de bolso que fariam facilmente estas operações.

Na segunda metade da década de 1960, passámos a ter acesso ao computador IBM 1620 do Centro de Cálculo Científico da Fundação Calouste Gulbenkian, por amável deferência desta instituição. Neste caso, era necessário escrever o programa em linguagem Fortran em Sacavém, perfurar os cartões e levá-los numa carrinha, em caixas, até à avenida D. João V (Lisboa) no dia e hora aprazados. Aí, o operador dava-os a “mastigar” à máquina para editar o algoritmo programado. Às vezes a máquina engasgava-se porque os cartões tinham pequenas dobras... Ou seja, também o IBM 1620 fazia o que podia... mas a verdade é que ajudou a resolver muitos problemas.



Em meados da década de 1970 dispusemos de uma pequena e frágil calculadora científica programável, TEK.31. Com ela fizemos pequenos programas para resolver sobretudo problemas em que o cálculo era repetitivo mas envolvia algoritmos relativamente simples. E no início da década de 1980, foi adquirido um computador PDP-15 da Digital Equipment Corporation, empresa pioneira e líder do mercado de minicomputadores durante longos anos.


A utilização do PDP incidiu sobre a resolução de problemas relacionados com a determinação de fluxos e espectros de neutrões térmicos e rápidos, mas também com o cálculo da evolução temporal da potência residual do RPI a partir de dados registados por um sensor calorimétrico e com o cálculo do consumo do combustível do reactor. Entretanto passámos a dispor de um computador da Norsk Data, a que se seguiram outros ...

Tudo se passou muito rapidamente nas últimas três décadas, fruto da evolução da tecnologia que se seguiu à descoberta do transístor em 1947 (William B. Shockley, John Bardeen, Walter H. Brattain, prémio Nobel da Física em 1956) e do circuito integrado em 1958 (Jack S. Kilby, prémio Nobel da Física em 2000).


A partir de meados de 1990 começa a era dos “personal computers”, com cada vez mais capacidade e maior celeridade no processamento da informação. A lei de Moore tem-se revelado certeira... Os cálculos mais “pesados” referentes ao núcleo do Reactor Português de Investigação estão agora ao alcance dos investigadores a partir de um PC instalado no seu gabinete ou a partir de um computador portátil com performance equivalente.


Vai longe o tempo da régua de cálculo e da (barulhenta e saltitante) velhinha Monroe!



Ilustrações -- Régua de cálculo: http://en.wikipedia.org/wiki/Slide_rule ; Máquina Monroe: http://www.xnumber.com/xnumber/pic_monroe_electr.htm ; IBM-1620: http://en.wikipedia.org/wiki/IBM_1620 ; Cartão perfurado: http://www.maximumpc.com ; PDP-15: http://hampage.hu/pdp-11/mas/pdp15.jpg ; Fita perfurada: http://www.wps.com/projects/paper-tape .


domingo, 27 de março de 2011

O príncipe Armelim


O Armelim é assim... já nasceu fadado para ser príncipe. Começou no berço. Começou no nome... É príncipe desde o levantar, manhã cedo.


Chega sozinho à escola com ar decidido e eu digo-lhe: «Olá príncipe Armelim!». E assim começa o dia...

Entra como o vento pela sala e num repente tudo fica encantado. De capa e calça brilhante, montado no fiel cavalo de pau... parte à desfilada. Vence bruxas e gigantes, espinhos mágicos em torno de castelos, dança nos bailes, acorda princesas, casa... quase todos os dias. Cavalgando pelas florestas, brandindo a sua espada, ele é um herói invencível... ele é o sonho de qualquer princesa.

Vive com emoção a construção de um palácio, mesmo como o dos reis... torre... trono... espelho mágico... cama... guarda-roupa real.

Às vezes, no meio de uma história, em momento de perigo, levanta-se com emoção, desembainha uma espada imaginária e ergue-a bem alto pronto a terminar pesadelos... mas a história continua ainda e volta a guardá-la sentando-se e suspirando...

Ele é Cinderlad cavaleiro, ele é Jack o Matador de gigantes, ele é príncipe rã... vivem nele todos os príncipes do mundo... É assim... o príncipe Armelim.

E é por isso que, quando o dia acaba, e já sem manto e sem cavalo regressa a casa, não resisto a dizer: «Adeus príncipe Armelim!»...

Depois fico a pensar nele...

Fui bruxa vezes sem fim... Já vivi muitos contos de fadas...

Mas nunca tive um príncipe tão príncipe na minha vida...


Crónica de Maria Helena Pinheiro Martinho publicada na revista Cadernos de Educação de Infância, N.º 17-18, 1991

NOTA – O Armelim era um menino de 4 anos que frequentava o Jardim de Infância de Famalicão da Nazaré Ilustrações: http://presentesdejulia.zip.net

sábado, 26 de março de 2011

Sem título

Desenho a lápis em papel e (depois de digitalizado) colorido num PC, feito
pelo meu neto João Guilherme Martinho Quintas (6 anos e meio)

quinta-feira, 24 de março de 2011

FUKUSHIMA, por Peter Heller

Dr. Peter Heller é astrónomo e físico. Nasceu em 1966 em Velbert, Alemanha.



O artigo que se segue foi escrito uma semana após o acidente de Fukushima.



  • Não há nenhum outro lugar na Terra onde me agradasse mais estar neste momento do que em Fukushima – exactamente na central nuclear, no centro do acontecimento. Digo isto porque sou físico, e não há outro lugar que possa ser mais emocionante e interessante para um físico. O mesmo se pode dizer de muitos, se não da maioria dos físicos e engenheiros, no planeta.

  • Ainda de tenra idade, sabia que um dia iria estudar Física. Quando menino, recebi um telescópio pelo Natal, e a partir dessa altura o meu olhar fixava-se no céu noturno; observar longamente enxames de estrelas, nebulosas e galáxias era a minha ocupação favorita. Foi só depois que soube que essas luzes cintilantes eram realmente manifestações de uma caótica e violenta força da natureza – a conversão directa da matéria em energia no decurso da fusão de núcleos atómicos.

  • A curiosidade transportou-me, como se estivesse nas alturas, ao longo de 10 semestres de estudo e subsequente graduação. Foi um tempo de descoberta que envolveu a esforçada tarefa da compreensão. Por vezes senti desespero e dúvida pessoal em relação à amplidão e complexidade do que havia para aprender. No entanto, havia momentos de alegria sempre que o nevoeiro se desfazia e a clareza e a beleza das descrições físicas dos fenómenos naturais apareciam em seu lugar. Foi um tempo que, infelizmente, passou muito rapidamente e que agora se situa num passado que ficou para trás há muitos anos.

  • Os grandes espíritos que me acompanharam ao longo dos meus estudos foram Planck, Sommerfeld, Bohr, Einstein, Heisenberg, e uma série de outros que, para nós físicos, ainda estão bem vivos hoje. Eles foram os grandes pensadores que contribuíram para desvendar os enigmas da natureza e as forças que mantêm o mundo como é assente em ínfimas estruturas, na sua maior parte. Eu devorava as histórias de Otto Hahn e Lise Meitner, de Enrico Fermi e Edward Teller – para citar alguns – e como eles abriram caminho a tecnologias completamente novas a partir de conceitos teóricos, mostrando como a energia armazenada no núcleo de um átomo poderia ser utilizada para o bem do Homem e como se tornava possível por um caminho nunca antes percorrido explorar em grande escala uma fonte de energia barata, limpa e abundante como nunca se vira antes: energia eléctrica que ilumina o nosso mundo, faz mover máquinas, permite-nos comunicar a grandes distâncias, tornando a nossa vida mais fácil e confortável. É uma fonte de energia que faz sair da pobreza e permite a prosperidade.

  • Electricidade: produzida pela divisão de núcleos atómicos com neutrões, adquirida através da conversão directa de massa em energia. É o princípio segundo o qual (através do processo inverso da fusão nuclear) as estrelas cintilam no céu noturno, um princípio pelo qual o Sol permite a vida no nosso planeta.

  • Como físico, enche-me de alegria e orgulho ver como o Homem é capaz de despertar esta força da natureza ao nível estrutural mais ínfimo, e depois ampliar, controlar e utilizar essa força em nosso benefício. Como físico, eu tenho o entendimento fundamental dos processos, posso imaginá-los e descrevê-los. Como físico, não tenho medo de uma central nuclear, nem da radioactividade. Finalmente, eu sei que a radioactividade é um fenómeno natural que está permanentemente connosco, à nossa volta, a que nunca poderemos escapar – e de que não precisamos de fugir. E vejo numa central nuclear um símbolo da capacidade do Homem para domar as forças da natureza. Como físico, não tenho medo do que a natureza tem para oferecer. Mais propriamente: tenho respeito. E este respeito convoca-nos a aproveitar os acasos favoráveis como os oferecidas pelos neutrões, que podem dividir núcleos atómicos e, assim, converter a matéria em energia. Qualquer outra coisa seria ignorância e cobardia da nossa parte.

  • Houve momentos na história em que a ignorância e a cobardia ofuscaram a vida humana. Foi uma época em que antepassados nossos eram obrigados a uma vida de superstição e medo, porque estavam impedidos de usar a criatividade e a fantasia. Dogmas religiosos, como o ser a Terra o centro do universo, ou a pseudo-teoria do criacionismo, levaram as pessoas a não questionarem a realidade da natureza. A proibição de autopsiar um corpo humano e de o examinar, impedia as pessoas de apresentar dúvidas. Hoje, tais concepções medievais aparecem como retrógradas e sem sentido. Nós, simplesmente não podemos imaginar que um tal modo de pensar tenha qualquer aceitação.

  • Mas nos últimos dias tenho sentido a preocupação crescente de estarmos novamente a caminho desses tempos sombrios. Reportagens histéricas e sensacionalistas dos media, a par de uma clara exibição de ignorância das inter-relações técnicas e científicas, assim como a tentativa de uma vasta maioria de jornalistas de provocar nas pessoas o medo e a oposição à energia nuclear – pura caça às bruxas disfarçada de modernidade.

  • Por isso, enche-me de tristeza e raiva ver como o trabalho dos referidos gigantes da Física está agora a ser arrastado pela lama, como as grandes descobertas científicas do século XX estão a ser redefinidas e criminalizadas. O debate actual na Alemanha é também um debate sobre a liberdade de investigação. A estigmatização e o ostracismo da energia nuclear, o pedido de uma paragem imediata da sua utilização, é também um pedido visando o fim da investigação e do desenvolvimento. Não haver oportunidades de emprego significa também não haver alunos, o que equivale a não haver faculdades, o que significa, em última análise, o fim do progresso do conhecimento humano. Banir a energia nuclear é, nada mais, nada menos, do que rejeitar o legado de Einstein, Heisenberg, Bohr e muitos outros. Equivale a fazê-lo em estilhaços, rotulando-a de perigosa – tudo num quadro de ignorância. E tal como os criacionistas tentaram banir a Teoria da Evolução dos livros escolares, quase parece que cada explicação factual e isenta na Alemanha está agora em vias de ser proscrita.

  • Os media sugerem uma catástrofe nuclear, uma mega-fusão, e que o apocalipse já começou. É quase como se as 10 000 mortes no Japão tivessem realmente sido consequência da energia nuclear, e não do terramoto ou do maremoto. Também aqui é preciso lembrar que Fukushima foi atingida por um inimaginável terramoto de nível 9 e, em seguida, apenas uma hora depois, por um “muro de água” com 10 metros de altura. Em consequência, FUKUSHIMA não se erguia já num país de alta tecnologia, mas sim num deserto de escombros. Tudo ao redor da central, infra-estruturas, áreas residenciais, vias de circulação, redes de energia e de comunicação, simplesmente já não existiam. Tudo foi destruído. Apesar disso, após uma semana, o apocalipse ainda não aconteceu. Somente foram libertadas quantidades relativamente pequenas de materiais radioativos, que tiveram apenas impacto local.

  • Se nos cingirmos aos factos, ou seja, àquilo que realmente é conhecido, torna-se evidente a falta de fundamento das interpretações de analfabetos científicos nos media. Só podemos chegar a uma conclusão: este triste estado de coisas vai se manter.

  • Na verdade, Fukushima não é a demonstração do fundamento de receios e advertências ideologicamente motivados. Fukushima mostra antes que somos realmente capazes de controlar a energia atómica. Fukushima mostra que podemos dominá-la mesmo quando catástrofes naturais além do previsível caem sobre nós. Ainda assim, em torno de Fukushima avulta o conflito entre criatividade e competência humanas e o aproveitamento da energia de ligação nos núcleos atómicos. É uma luta que mostra o que a inteligência humana, conhecimento adquirido, paixão, ousadia, respeito e capacidade de aprender nos permitem fazer. Pessoalmente isso não me enche de apreensão, mas de esperança. O Homem pode responder a este desafio, não só porque tem de o fazer, mas acima de tudo, porque quer fazê-lo.

  • Apesar de não trabalhar em Física há algum tempo, nunca deixarei de ser um cientista e um investigador, e não há outro lugar onde eu preferisse estar agora mais do que em Fukushima. Não há outro lugar neste momento onde se possa aprender tanto sobre a energia atómica, que no fundo mantém o nosso mundo tal como é, e sobre as possibilidades técnicas de se beneficiar dela. Não temos a coragem de aprender? Não aceitamos – com respeito e confiança – as oportunidades com que somos confrontados? Fukushima vai mostrar-nos possibilidades de usar a conversão directa da matéria em energia de uma forma melhor e mais segura, algo com que só Einstein e outros poderiam ter sonhado.

  • Eu sou físico. O meu desejo é viver num mundo com vontade de aprender e de melhorar tudo o que é bom. Eu só gosto de viver num mundo onde os grandes avanços da Física sejam vistos com fascínio, orgulho e esperança, porque nos mostram o caminho para um futuro melhor. Eu só gosto de viver num mundo que tenha a coragem de aspirar a ser um mundo melhor. Qualquer outro mundo para mim é inaceitável. Jamais. É por isso que vou lutar por esse mundo, sem nunca ceder.




Texto original, em Alemão: http://www.science-skeptical.de/blog/fukushima/004149/


Versão em Inglês: http://wattsupwiththat.com/2011/03/20/a-plea-for-a-return-to-science-on-the-nuclear-power-issue/


NOTA - A presente versão em Português beneficiou muito da gentil colaboração do meu colega e amigo Frederico Carvalho que, além de prestigiado Físico, é fluente em Alemão e em Inglês.


Foto de M. Planck: http://www.praticandofisica.com.br/ ; Foto de L. Meitner: http://www.mediathek.at/ ; Fotos dos restantes cientistas: http://en.wikipedia.org/

Amor é...

Paulo Miguel Pinheiro Martinho

quarta-feira, 23 de março de 2011

Poderá a Alemanha prescindir do nuclear?

O partido social-democrata (SPD) de Gerhard Schroeder, em coligação com os Verdes alemães de Joscka Fischer (realista) e Juergen Trittin (fundamentalista), atingiu o poder na Alemanha há cerca de quatro meses, após ter ganho as últimas eleições gerais. Um ponto do acordo político entre o SPD e os Verdes que logo despertou a atenção foi o respeitante ao futuro do nuclear na Alemanha (por nuclear entende-se, aqui, a produção de energia eléctrica com base em centrais nucleares). No essencial, o acordo tinha em vista o encerramento das centrais nucleares alemãs, por imposição dos Verdes.

Sem falar da reacção imediata de países como a França e o Reino Unido, que têm interesses económicos directos relacionados com a indústria nuclear alemã, a questão interna que se coloca actualmente é esta: Será exequível o acordo entre o SPD e os Verdes, quanto ao nuclear? Poderá a Alemanha prescindir das suas centrais nucleares, mesmo a prazo? A resposta a estas duas perguntas, a meu ver, é negativa.

A Alemanha tem em funcionamento 20 grupos electroprodutores (um grupo electroprodutor é o conjunto formado por um reactor nuclear e pelas máquinas que lhe estão associadas para gerar electricidade; uma central nuclear pode ter 3 ou 4 grupos, por exemplo). A respectiva potência instalada é da ordem de 22 mil milhões de watts de energia eléctrica. E a quantidade de electricidade produzida anualmente mediante as centrais nucleares (cerca de 160 mil milhões de quilowatts-hora) corresponde a 32% da electricidade total produzida por todas as vias (sobretudo, centrais termoeléctricas convencionais e barragens hidroeléctricas, para além das centrais nucleares).

Perante estes números, pergunta-se:
• Como será possível encerrar as centrais nucleares na Alemanha, sem originar problemas vários e complexos?
• Que alternativas energéticas poderão ser adoptadas para satisfazer a procura de electricidade, em especial por parte da poderosa indústria alemã?
• Que outras fontes de energia primária poderão ser utilizadas para preencher a lacuna criada pelo encerramento das centrais nucleares?
• Serão os combustíveis fósseis (carvão, fuelóleo, gás natural), com a correspondente produção anual de dezenas de milhões de toneladas de óxidos gasosos (de carbono, azoto e enxofre)?
• Neste caso, como poderá ser compatibilizada a decisão política alemã com o esforço que vem sendo feito, a nível internacional, para reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa na Terra?

São interrogações deste tipo que levam a admitir que o acordo entre o SPD e os Verdes alemães, no tocante ao nuclear, não é para ser cumprido. Tudo indica que as centrais nucleares alemãs continuarão a produzir a energia eléctrica de que a Alemanha não pode prescindir. O tempo mostrará se a previsão está certa ou errada.


Adaptação de um artigo publicado no suplemento de Economia do jornal O MIRANTE em 03.Março.1999

NOTA – Uma notícia veiculada pelo jornal PÚBLICO um ano depois (20.Março.2000), dava conta de uma decisão do partido ecologista alemão que veio dar razão às dúvidas levantadas no artigo/post acima. No essencial, a notícia dizia que «Os Verdes alemães (...) abandonaram o objectivo de encerramento imediato de todas as centrais nucleares», tendo aprovado um «compromisso (...) para que os 19 reactores existentes no país só venham a ser desmantelados até ao ano 2018». E a justificação veio de Joschka Fischer, ministro dos Negócios Estrangeiros: «Quando estamos no Governo não podemos ser Verdes puros»! Como sempre, uma coisa é ter uma cor na oposição e outra é manter essa cor no exercício do poder...

segunda-feira, 21 de março de 2011

Dia Mundial da Poesia

DE QUE COR?

De que cor é a ternura?
De que cor és tu?
De que cor somos nós?

É da cor do luar...
És da cor da tua voz...
Somos da cor de a_mar...


Mais uma exposição no Think 2010. Madalena Matoso. Ilustrações.
http://www.facebook.com/photo.php?pid=3536228&id=350464159453
http://think2010aear.blogspot.com


Poema de Teresa Martinho Marques
http://www.sabordepalavra.blogspot.com

domingo, 20 de março de 2011

Urânio empobrecido: O que é e como é produzido

O urânio empobrecido tem estado nas primeiras páginas dos órgãos de comunicação social, devido à sua aplicação em munições utilizadas na guerra dos Balcãs. Muito se tem dito e escrito sobre este material, mas nem sempre de forma adequada, quando não erradamente. Talvez por isso, julgo que o cidadão comum continua a não saber exactamente o que é – e como é (sub)produzido – este material. Este artigo constitui uma tentativa de explicação desta matéria, em palavras simples, com base num exemplo ilustrativo.

Na Natureza existem 82 elementos químicos, como, por exemplo, oxigénio, carbono, alumínio, cobalto, urânio, etc. Há alguns elementos naturais cujos átomos são todos do mesmo tipo, mas, em geral, cada elemento natural é uma mistura de vários tipos de átomos.

O urânio que se encontra na Natureza, ou urânio natural, é essencialmente uma mistura de dois tipos de átomos: U-238 (urânio 238) e U-235 (urânio 235). O U-238 e o U-235 encontram-se associados nas seguintes proporções: em cada 1000 átomos de urânio natural, 993 são átomos de U-238 (99,3%) e apenas 7 são átomos de U-235 (0,7%).

Acontece que o tipo de átomos de urânio com maior interesse para efeito de produção de energia eléctrica em centrais nucleares é precisamente aquele que existe em menor quantidade, ou seja, o U-235. É assim que, para poder utilizar o urânio como combustível de centrais nucleares, é necessário aumentar a proporção de U-235 em relação à proporção que existe na Natureza. Isto é feito nas chamadas instalações de enriquecimento de urânio, cuja finalidade é produzir urânio em que a proporção do número de átomos de U-235 seja superior a 0,7%.

Através de certos processos físicos, é possível obter misturas de átomos de urânio tais que, em cada 1000 átomos de urânio, se pode ter cerca de 30 átomos de U-235, por exemplo, em vez dos 7 que existem no urânio natural. É claro que para aumentar o número de átomos de U-235 numa mistura, é necessário ir buscá-los a outras misturas de urânio natural.

Para compreender o princípio de funcionamento de uma instalação de enriquecimento, façamos o seguinte raciocínio. Imaginemos que temos 6 caixas, numeradas de 1 a 6, e que cada caixa contém 1000 átomos de urânio natural. Atendendo ao que se disse acima, cada uma destas caixas contém 993 átomos de U-238 e 7 átomos de U-235 (Cf. Tabela 1).

Suponhamos, agora, que é possível transferir átomos de umas caixas para as outras, com o objectivo de “enriquecer” a caixa 6 em átomos de U-235, à custa das restantes caixas. Admitamos, então, que se efectuam as seguintes transferências:
(a) de cada uma das caixas 1, 2, 3, 4 e 5 passam 5 átomos de U-235 para a caixa 6;
(b) da caixa 6, passam 5 átomos de U-238 para a caixa 1; 5 para a caixa 2; 5 para a caixa 3; 5 para a caixa 4; e 5 para a caixa 5.

Feitas estas transferências, é fácil verificar que todas as caixas continuam a ter 1000 átomos cada uma, mas que a distribuição final de átomos pelas várias caixas é tal que, na caixa 6, passámos a ter 32 átomos de U-235, ao passo que, em cada uma das outras caixas, restam apenas 2 átomos de U-235 (Cf. Tabela 2).


Ao urânio contido na caixa 6, dá-se o nome de urânio enriquecido, porque a caixa tem mais do que 7 átomos de U-235 (neste exemplo, o urânio ficou enriquecido a 3,2% em U-235, que é o enriquecimento típico do urânio utilizado em centrais nucleares). E ao urânio contido nas restantes cinco caixas dá-se o nome de urânio empobrecido, porque cada uma delas tem menos do que 7 átomos de U-235 (neste exemplo, o urânio residual tem 0,2% de U-235).

Com base no exercício exemplificativo apresentado acima, é possível compreender o que se passa, em primeira aproximação, numa instalação de enriquecimento: por cada 6 quilogramas de urânio natural, é produzido 1 quilograma de urânio enriquecido (3,2% de U-235), e sobram, como subproduto, 5 quilogramas de urânio empobrecido (0,2% de U-235).

O urânio empobrecido é relativamente barato porque é um subproduto abundante que não tem muita procura. Refira-se que a (sub)produção de urânio empobrecido é tanto maior quanto mais elevado for o enriquecimento que se pretenda atingir: por exemplo, para produzir 1 quilograma de urânio enriquecido a 20% em U-235 (que é o enriquecimento típico do urânio utilizado em reactores nucleares de investigação), é necessário partir de 40 quilogramas de urânio natural, de que “sobram” 39 quilogramas de urânio empobrecido.

Adaptação de um artigo publicado no jornal O MIRANTE em 25.Janeiro.2001

Ilustrações (pela ordem apresentada) in:
http://www.qmc.ufsc.br
http://pedromalta.wordpress.com
http://www.horadopovo.com.br

sábado, 19 de março de 2011

A saga do urânio

A realidade que o cidadão comum vive mais intensamente, para além dos seus problemas do dia-a-dia, é a realidade que certos órgãos de comunicação social constroem, em especial a televisão. Não, não se trata de analisar o Big Brother ou outros programas deste tipo. Trata-se de discorrer sobre outras realidades.

Num dado momento, e por uma razão ignota, é lançada uma notícia ou sugerida uma pseudo-notícia, e aí vamos nós todos a correr atrás da lebre. Vamos nós e, não poucas vezes, vão também os políticos. Depende do que está em jogo. A certa altura, andamos todos atarantados atrás do esquivo animal, procurando seguir o ziguezague da fuga. Há os que ficam aflitos, outros aproveitam para dar uns encontrões, alguns destemperam-se na linguagem, e a confusão instala-se. Exibem-se argumentos, admitem-se hipóteses, pedem-se medidas, dão-se desculpas. Em geral, desconhece-se a matéria, mas todos opinam. Alguns põem-se em bicos de pés, exibem-se coitadinhos, inventam-se peritos, constatam-se incompetências.

Quando o assunto perde viço, remoem-se argumentos, reformulam-se hipóteses, fazem-se recapitulações. Mas como tais realidades são como as bexigas – dão com força, mas passam depressa –, volvido o tempo necessário, os lançadores de lebres, saciada a cupidez, olham para os destroços sem interesse. Então, respira-se fundo, é a pausa merecida, o descanso retemperador. Até que nova lebre seja posta em movimento, para reanimar os nossos instintos caçadores. E, mais uma vez, aí vamos nós, esbaforidos, não se sabe bem para onde, nem porquê.

Uma das realidades mais vividas nos últimos tempos foi o urânio. E houve urânio para todos os gostos. Urânio empobrecido, para a maior parte. Urânio enfraquecido, para um conhecido historiador. Urânio reduzido, para um esforçado ecologista. Cada um teve direito ao seu quinhão. Para os que não se contentam com pouco, houve suspeitas de urânio enriquecido, vestígios de urânio-236, receios de urânio com plutónio. Nos corredores do poder, há quem faça ironia com o urânio “enraivecido”. Enfim, um cacharolete do tipo "urânio com todos".

Houve também um “perito nuclear” a quem um locutor da Antena-1 suplicou em vão que informasse os ouvintes sobre o que era o urânio empobrecido. O mesmo “perito” disse a um jornalista da RTP-1 que o plutónio-239 era um produto da cisão do urânio-235! Em português compreensível, isto assemelha-se a cortarmos um pão de 100 gramas ao meio e conseguirmos que cada uma das metades tenha mais de 100 gramas… Como se vê, um autêntico milagre de multiplicação da massa. Mas houve mais. Num prestigiado semanário da nossa praça, foi afirmado que o metabolismo humano transforma o urânio em chumbo! Em português simples, é assim como ingerir um medicamento à base de cálcio e o nosso organismo transformar o cálcio em enxofre (ou arsénio, sabe-se lá)… [Recentemente, na Antena-1, um ex-secretário de Estado (que participava num debate sobre o caso de Fukushima) afirmou enfaticamente ter “visto” plutónio com um Geiger quando foi a Chernobyl integrado numa missão do Parlamento Europeu... ou seja, “viu” uma coisa que é impossível ver!...]

Nesta “guerra” do urânio [e do nuclear], matéria de muitos melindres, seria de esperar um debate mais sério; seria de exigir uma atitude mais coerente e responsável por parte dos intervenientes; seria de repudiar o seu aproveitamento para outros fins que não o da procura da verdade e o do esclarecimento honesto do cidadão comum.


Adaptação de um texto publicado no jornal O MIRANTE em 08.Fevereiro.2001 (aquando da polémica havida em Portugal na segunda metade de 2000 sobre a utilização de munições contendo urânio empobrecido). Cf. por exemplo AQUI

quarta-feira, 16 de março de 2011

A radioactividade e as radiações são factos da vida

Houve tempos em que a radioactividade era vista com bons olhos, chegando mesmo a estar na moda.
Então, nos rótulos das garrafas de água podiam ler-se indicações alusivas à excelência das radiações, a que eram atribuídas propriedades recomendáveis para os consumidores.
E se uma empresa publicitava a sua marca como sendo de «água radioactiva», logo a empresa concorrente reclamava que a sua era uma «água poderosamente radioactiva»!


Hoje, a situação é diferente. Mercê de circunstâncias várias, a radioactividade como que entrou em “desuso”, alimentando até fenómenos de rejeição. Não surpreende, pois, que a publicitação da radioactividade tenha desaparecido dos rótulos das garrafas. É claro que as águas continuam a ser tão radioactivas como eram antes, mas parece que já não são... Tudo bem, não há mal nisso. Aliás, faz tanto sentido exigir das empresas de engarrafamento de água que publicitem a respectiva radioactividade, como exigir igual procedimento aos produtores de vinho, de leite, de bananas, de tomate, de cereais, de materiais de construção, etc., já que todos estes produtos são também (levemente) radioactivos.

Para lidar com uma realidade que suscita medos, como é o caso da radioactividade e das radiações nucleares, o melhor é estudá-la. Não é verdade que se combate melhor um inimigo, conhecendo-o? Queiramos ou não, na Terra existem espécies atómicas que emitem radiações, natural e espontaneamente, a um certo ritmo, sem que nada possamos fazer em contrário. Assim, as rochas, os solos, as plantas e os animais são radioactivos. Nós próprios somos radioactivos: pelo simples facto de haver potássio no nosso corpo ocorrem alguns milhares de desintegrações nucleares por segundo (devido ao potássio-40). Por que não ensinar esta realidade na Escola? Por que não fazer destes factos um ponto de partida para esclarecer dúvidas legítimas?

Nos últimos anos, um colega do Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN) e eu próprio participámos em acções de formação sobre esta temática, no âmbito do programa “Ciência Viva”, promovido pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia. A vivência do contacto com os jovens do ensino secundário mostra que eles têm grande interesse por este tipo de matérias (radioactividade, aplicações das radiações, radiações e ambiente, energia nuclear, etc.) e evidenciam um enorme entusiasmo aquando da realização das experiências com que são ilustradas essas acções de formação.

Julgo que seria possível levar à prática um projecto semelhante, a nível nacional, tendo por base os Clubes de Ciência que existem nas escolas. Um laboratório do Estado, como o ITN, e uma sociedade científica, como a Sociedade Portuguesa de Física, poderiam funcionar como pontos de apoio da iniciativa, a ser promovida pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia e pelo Ministério da Educação. Para a concretizar, não são necessários grandes meios. Partindo do princípio que se pode contar com a colaboração interessada dos professores, bastaria dotar cada Clube de Ciência com um equipamento simples de manipular (parte do equipamento até poderia ser produzido no País) e um adequado manual de experiências.

A prática mostra que, com uma dúzia de experiências devidamente articuladas entre si, a compreensão da física das radiações torna-se acessível, podendo ser alcançados resultados verdadeiramente surpreendentes. A montante e a jusante dos efeitos imediatos das experiências, há um amplo espaço de descoberta e formação a explorar, onde se podem harmonizar a curiosidade dos alunos e a competência dos professores. Por esta via, talvez fosse possível desmitificar uma área do conhecimento que é controversa e construir uma atitude mais racional face a tudo o que diz respeito à radioactividade e às radiações, tanto as que existem na Natureza como as que são originadas pelo Homem. Afinal, não deve a Escola ensinar aquilo que não deve ser ignorado? Não é o conhecimento uma fonte de liberdade e de progresso?

Adaptação de artigo publicado em O Mirante Económico, suplemento do jornal O MIRANTE, 14.Abr.1999

domingo, 13 de março de 2011

Acidente nuclear no Japão – A escala INES

Como em qualquer outra actividade humana, não é possível evitar totalmente a ocorrência de incidentes e de acidentes na indústria nuclear. Convém, todavia, não confundir acidente com incidente: um pneu que fura numa auto-estrada e obriga o automóvel a parar, sem que os passageiros corram perigo, é um incidente; se o pneu rebentar e provocar um despite em que os ocupantes correm risco de vida, então trata-se de um acidente.



A escala INES (International Nuclear Event Scale) destina-se a harmonizar as práticas de classificação e notificação de ocorrências nucleares, a nível mundial, e a facilitar a comunicação entre os membros da comunidade nuclear e, ainda, com os meios de comunicação social e com o público, relativamente a incidentes e acidentes que possam ocorrer em centrais nucleares, por exemplo, como ontem aconteceu em Fukushima, Japão. Trata-se de um utensílio de comunicação – como as escalas que indicam a gravidade de certos fenómenos naturais (sismos, ventos, ...) – e não de um instrumento de avaliação de segurança nuclear, embora assente em bases técnicas sólidas. As ocorrências nucleares podem ser classificadas num dos sete níveis da escala INES, através da apreciação de três critérios ligados à segurança nuclear:

  • impacte fora da instalação apreciado em termos de descargas de produtos radioactivos que possam afectar o público e o ambiente;

  • impacte dentro da instalação podendo afectar os trabalhadores e o estado da instalação;

  • degradação das linhas de defesa em profundidade ou seja das barreiras sucessivas que são colocadas entre os produtos radioactivos e o ambiente.

Se uma ocorrência puder ser apreciada com base em mais do que um destes critérios, é obviamente o nível mais elevado que é considerado para efeitos de classificação. As ocorrências que correspondem a desvios sem qualquer importância do ponto de vista da segurança nuclear são classificadas no nível zero (“abaixo da escala”). As ocorrências que não dizem respeito à segurança nuclear, são designadas como “fora da escala”.

ESCALA INTERNACIONAL DE OCORRÊNCIAS NUCLEARES (INES)

  • Nível 7 – Acidente muito grave (Chernobyl, 1986)
    Nível 6 – Acidente grave
    Nível 5 – Acidente com riscos fora da instalação (Three Mile Island, 1979)
    Nível 4 – Acidente sem riscos importantes fora da instalação

  • Nível 3 – Incidente grave
    Nível 2 – Incidente
    Nível 1 – Anomalia

Dito isto, o acidente ocorrido em Fukushima foi classificado, em primeira análise, como sendo de nível quatro, isto é, tratar-se-ia de um acidente sem riscos importantes fora da instalação. Em suma: É necessário aguardar ainda algum tempo (dias? semanas? meses?) para se saber exactamente o que aconteceu, e poder classificar o acidente mediante o correcto nível da escala INES. Até lá, é prudente não antecipar previsões pessimistas (ou, pior ainda, desgraças) sem fundamento técnico sólido. Cf. http://www-ns.iaea.org/tech-areas/emergency/ines.asp


Esta matéria pode ser consultada no Cap.6 do livro Energia Nuclear – Mitos e Realidades, de Jaime Oliveira e Eduardo Martinho. Cf. http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.com/2010/12/energia-nuclear-mitos-e-realidades.htm


Adenda 1 (18.Março.2011) - O Japão aumentou de quatro para cinco o nível de alerta nuclear (escala INES) na central de Fukushima. A informação foi divulgada pela Agência Japonesa de Segurança Nuclear. Cf. http://ecosfera.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1485570;
Adenda 2 (13.Abril.2011) - A Agência Japonesa de Segurança Nuclear aumentou de 5 para 7 o nível INES referente ao acidente de Fukushima (com base numa nova estimativa dos materiais radioactivos já lançados para a atmosfera cujo valor é, apesar de tudo, apenas cerca de 10% do valor correspondente ao acidente de Chernobyl). Cf. pág.12 do jornal PÚBLICO de 13.Abril.2011.

12 de Março: Muitos milhares despertaram!


Manifestação de todas as idades
Protesto Geração à Rasca juntou entre 160 e 280 mil pessoas só em Lisboa e Porto
Milhares de pessoas saíram hoje às ruas em várias cidades do país e transformaram o Protesto Geração à Rasca numa manifestação de todas as idades, todos os grupos, todas as palavras de ordem. A organização fala em 200 mil pessoas em Lisboa e 80 mil no Porto. A PSP admite 100 mil e 60 mil.

http://www.publico.pt/Sociedade/protesto-geracao-a-rasca-juntou-entre-160-e-280-mil-pessoas-so-em-lisboa-e-porto_1484504

sábado, 12 de março de 2011

12 de Março: o despertar?

Passamos pelas coisas sem as ver,

gastos, como animais envelhecidos:

se alguém chama por nós não respondemos,

se alguém nos pede amor não estremecemos,

como frutos de sombra sem sabor,

vamos caindo ao chão, apodrecidos.


Eugénio de Andrade


Retrato de Eugénio de Andrade (1923-2005),
por Emerenciano (
http://www.emerenciano-art.com)
in
http://jq.weblog.com.pt

sexta-feira, 11 de março de 2011

50.º Aniversário de Casamento

Éramos novos e tínhamos devaneios...


... mas cumprimos sonhos que nem sabíamos que o eram!


(Gentil oferta do trio do Noéme, Guarda: Filomena, Paulo Miguel e Bruno)

quarta-feira, 9 de março de 2011

RTP1 – Conversa entre o padre Alberto e a Isabel

Na segunda metade dos anos setenta, havia um programa na RTP-1 intitulado Gente Crescida, da apresentadora Maria Elisa, que era genericamente apresentado como «Duas pessoas que travam conhecimento perante as câmaras da televisão, duas pessoas pertencentes, por vezes, a mundos diferentes que se encontram pela primeira vez perante o maior auditório nacional. Uma emissão que vale por aquilo que valer o diálogo entre o adulto e o jovem

O episódio transmitido no dia 17 de Setembro de 1979 foi o resultado da conversa havida entre o conhecido padre Alberto Neto e a minha filha Maria Isabel (12 anos) – que, de facto, não se conheciam de lado nenhum. A Isabel foi seleccionada na escola Luís António Verney (Bairro da Madre de Deus – Lisboa), e a certa altura recebi um telefonema de Maria Elisa pedindo autorização para a Isabel participar no programa.


Assisti à gravação a partir da sala onde o realizador dirigia a acção. Enquanto a Isabel, descontraída, ia conversando com o padre Alberto, eu sofria a bom sofrer... e ao fim do dia tinha uma enorme dor de cabeça!

Aquando da transmissão televisiva, a conversa entre o padre Alberto e a Isabel foi (de uma maneira geral) favoravelmente acolhida. No que se segue, são transcritas passagens de críticas de televisão então publicadas.


MÁRIO CASTRIM
Diário de Lisboa, Canal da Crítica, 18.Setembro.1979
Quando “gente crescida” nos ajuda a crescer


Veio dentro da noite, pelo telefone, aquela voz clara, aquela voz que a noite tivera quase estrangulada. Veio e disse: «Amanhã o ‘Canal da Crítica’ não deve falar senão da Isabel e do Padre Alberto.» Era um pedido, não sei. Ou seria uma sugestão para esquecer o acessório e fixar apenas o essencial. (...)

A Isabel e o Padre Alberto foram ontem uma transfusão de sangue nas veias amorfas da TV. Até falaram do 25 de Abril, expressão que na TV se encontra totalmente fora de uso como as moedas de tostão.

Quererá isto dizer, ou quererei eu dizer com isto, que foi um diálogo político? Bom. Eu quero dizer isso. Eu quero dizer que foi um diálogo político, mas não apenas por ter dito o Padre Alberto como seria uma desgraça se voltássemos ao 24 de Abril e por Isabel ter recordado as dificuldades herdadas do antigamente pela democracia e por o Padre Alberto ter dito que os governos não tinham sabido criar um projecto mobilizador e por a Isabel ter afirmado que «se não tivesse havido o 25 de Abril, o meu irmão, que tem agora dezoito anos, iria para a guerra».

Político, sim, mas não apenas nos limites que as congeminações declaradamente políticas consentem. A gente crescida de ontem pisou o mais criador dos terrenos políticos, ou seja, aquele que desperta a inteligência, a reflexão, o conhecimento da vida e do mundo. Foi um diálogo na perfeita acepção do termo, quer dizer, a procura em conjunto de uma razão comum.

A palavra serena do Padre AIberto emocionou os espectadores não somente quando se referiu à festa do 1.° de Maio de 1974, que ele atravessou de Lisboa ao Algarve, mas também quando se referiu à sua actividade de professor, quando recordou o papel fundamental da escola: o de acordar as raparigas e os rapazes vivos para a vida viva, para a realidade que os cerca. De súbito, enquadrado na meditação sobre a capacidade criadora do nosso povo, uma frase de contornos tão definidos que guarda a perfeita arquitectura de um «slogan» para a acção: Deveríamos depender do estrangeiro só naquilo em que não pudéssemos depender de nós.

Quanto à lsabel, guardamos dela a imagem de uma jovem que não habita o futuro como quem habita um convento. Não pretende armar à intelectual para quem tudo o que não sejam espaços siderais é alimento para asa de pardal mourisco. O facto de se interessar pela música ligeira ou de gostar da banda desenhada não a impede de amar a liberdade, de compreender o 25 de Abril e de o trazer no coração, não lhe fecha os olhos para a realidade dos bairros de lata onde as pessoas parecem animais e afinal são gente como nós.

Gente Crescida, com Isabel e Padre Alberto: uma poderosa tentativa de dar responsabilidade a milhões de espectadores que, dia após dia, a TV procura menorizar. E agora digam lá se a inteligência é ou não é um grande espectáculo televisual...

CORREIA DA FONSECA
O Diário, TV Crítica, 19.Setembro.1979
Isabel e as evidências


Maria Isabel não tem dúvidas. Ela disse no “Gente Crescida” de anteontem, que foi um dos mais esclarecedores e autênticos encontros de toda a série: podia o 25 de Abril não ter trazido mais nada: a conquista da Paz em África teria sido, só por si, razão bastante para o justificar. Porque a Maria Isabel tem lá em casa um irmão de 18 anos que, de outro modo, estaria agora em vésperas de ser mandado para lá, a matar ou a morrer. E com ele milhares de outros, irmãos ou não de outras Isabéis lúcidas.

Foi assim que uma menina apenas adolescente veio à Televisão dar uma lição de limpidez e honestidade política a muitos que por aí andam, aplicadíssimos, a jogar ao esconde-esconde com a evidência. O certo é que os frutos bons de Abril se revelam naturalmente até a uma criança, porque têm a ver com os valores fundamentais da vida: a sobrevivência, a esperança, a dignidade de poder um homem viver sem se tornar um matador. Veio a Maria Isabel, em conversa com o Padre Neto, confirmá-lo perante nós todos. Foi bom.

Excepto, naturalmente, para os lavradores da mentira. Que hão-de ter ficado a fermentar cóleras e a cozinhar calúnias. Sem se darem conta de que, ao fazerem-no, apenas fornecem a contraprova da justeza.

MÁRIO ROCHA
Diário Popular, Crítica TV, 19.Setembro.1979
Nunca é tarde...

Cada uma das conversas que se sustentam em «Gente Crescida» merece, naturalmente, um comentário especial – aquele que resulta do interesse do próprio diálogo e da capacidade de comunicação dos interlocutores, sobretudo do adulto, que está ali para mostrar o que vale por si mesmo e para fazer que a criança mostre, ou não, valer alguma coisa.

O diálogo do padre Alberto com a pequena Maria Isabel valeu muito mais do que se poderia imaginar, tanto porque o adulto se mostrou a altura do professor de Moral que é, como porque a jovem foi surpreendente com os seus escassos doze anos, invadindo domínios culturais e sociais pouco comuns em conversas de gente da sua idade.

Está muito adulterado o termo, mas não encontro outro mais capaz de definir a personalidade do padre Alberto: progressista. Um progressismo, aliás, que nada tem que ver com o estilo demagógico de tantos progressistas (?) que por aí pululam, mas que assenta no primado do cristianismo que o padre Alberto professa. Porque é sacerdote católico? Talvez sim e talvez não. Muitos há, por esse país fora, que julgam e interpretam a doutrina de Jesus à luz de uma religião retrógrada, incapaz de entender o que quer que seja de evolução e de progresso e de dar combate às injustiças sociais que ensombram ainda a realidade no Mundo. E tudo isto, entender o progresso e lutar por que a sociedade seja mais humana e mais justa, é precisamente a doutrina que Cristo apregoou. Claro que há dois mil anos, o Mundo ainda não falava em democracia, nem em sistemas políticos pluralistas. Não sei se é este o postulado político-social por que se bate o padre Alberto, mas estou em crer que o seu progressismo se não coaduna com a ideia de regimes totalitários que alimenta alguns espíritos ditos progressistas.

Quanto à jovem Maria Isabel, pois, sim senhor, marcou dois pontos, e em confronto com o adulto que tinha na sua frente chegou a ser brilhante e deu-lhe ensanchas para mostrar como deve falar com as crianças esclarecidas um autêntico professor de Moral.

A BOLA, Cautchú, 20.Setembro.1979
«Vedeta» da semana


«Cautchú» gostou tanto, tanto do programa televisivo «Gente Crescida», de segunda feira passada, que não resiste a pôr aqui, preto no branco, a sua opinião: a Isabel e o padre Alberto são as «vedetas TV» da semana (ou do mês? ou do ano?). O número 3, que o padre Alberto aqui exibe (pedindo uma substituição quando, quatro anos atrás, era dirigente do futebol do Sporting) é o mesmo que lhe atribuímos (nota «3», a máxima do «Somelos-Helanca») pela sua grande «exibição» no «Gente Crescida» (tal como a Isabel): humanismo, inteligência e... coragem. As mesmas qualidade que, no Sporting, o tornaram um director muito querido dos jogadores – alguns dos quais, já adultos, já «craques», ele muito ajudou a voltarem a estudar: Pedro Gomes, Chico, Damas, Libânio...

É um lamento gasto (porque, sempre ficamos só no Iamento...), mas o mundo não seria a «selva» que é (a Norte e a Sul, a Este e a Oeste), se todos tivéssemos um pouco mais de «Isabéis» e de «padres Albertos».

EUGÉNIO ATAÍDE
O Jornal, Televisão, 21.Setembro.1979
Deixai vir a nós as criancinhas

Queremos ganhar pontos em televisão? Tapem a boca a um adulto chato e ponham uma criancinha a falar. O «GenteCrescida» da última segunda-feira na RTP-1 foi isso, com uma diferenca, aliás fundamental, o adulto era também uma presenca empática, telegénica e com muita coisa para dizer. Disse-o sem papas na língua. Chama-se Alberto Neto, é sacerdote. Frequentadores da capela do Rato conhecem-no. Parece que agora vai pastorear para Belas.

O padre Alberto ia assim a ver quem lhe calhava, porque às vezes há meninos que parecem adultos, tão certinhos e bem comportadinhos (e postiços!) eles se nos mostram. Ah, mas teve cá uma sorte que nem de encomenda: calhou-lhe a Isabel, uma miúda gira, e então o padre, que só precisava dessa chispa, desse empurrão, apropriou-se do pequeno “écran” e deu-nos uma bela lição de sagacidade a que juntou o valor fundamental da tolerância; e ainda outro, o companheirismo, ser-se homem entre homens, evitar feri-los, tentar compreendê-los. Isabel jogava no mesmo “team”: tinha ido ao frio estúdio do Lumiar a ver que adulto calhava no rol, apostada em não se deixar baratinar pela empáfia daqueles grandes que parecem os tais pequenos que se parecem com os tais grandes, adultos e chatos. Quando deu pelo padre Alberto respondeu à letra.

Esta aposta do «Gente Crescida», cópia de um modelo-francês em boa hora traduzido para a programação da RTP por Maria Elisa, só pode ser ganha se o adulto e a crianca (ou o adolescente) tiverem naturalidade. Naturalidade que não basta – é também preciso comunicar, sem o que a dupla, por muitos esforços que faça, «enche» mal um precioso espaço televisivo. Estou a lembrar-me de um outro momento em que o adulto, que era o “cartoonista” Sam, descobriu diante de si o interlocutor ideal, um rapazinho a aprender para serralheiro. Ora, com o padre Alberto e a Isabel, a conversa, se possível, foi ainda mais calorosa. Que distância, para melhor, da “Gala” da canção infantil na Figueira da Foz!

"Foto" do Pe. Alberto: http://umaescola.blogspot.com/2010/02/pequena-biografia-do-patrono-da-escola.html
Foto de Mário Castrim:
http://fotos.sapo.pt/lusa
Foto de Correia da Fonseca:
http://odiario.info
Cf. http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.com/2011/01/desde-muito-cedo-que-minha-filha-maria.html