quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Falar do passado, olhando o presente

Meu artigo publicado hoje no semanário O MIRANTE

Escrever uma crónica sobre o passado não equivale a ser passadista. Depende do que se escreve e de como se escreve. Pode ser até uma oportunidade para ganharmos consciência das vantagens de que usufruímos actualmente.  
Os jovens investigadores portugueses publicam hoje a um ritmo muito mais elevado do que os investigadores da década de 1960. Porquê? Gente de excelência na investigação sempre houve, só que os meios eram outros. Para ilustrar este facto, basta recordar a fase de publicação de um artigo no Laboratório Nuclear de Sacavém.
Imaginemos um investigador que, há meio século, tivesse concluído um trabalho e se preparasse para o submeter a uma revista para efeito de publicação. Que havia a fazer?
Primeiro, era obviamente necessário preparar o manuscrito. Consultando apontamentos, o escrito ia ganhando forma. Muitas vezes era necessário passá-lo a limpo, para que outrem entendesse o que escrevêramos. Então o manuscrito ia para a sala de dactilografia, onde ficava a aguardar a sua vez, sendo certo que certos trabalhos do “chefe” tinham prioridade. Os artigos científicos iam ficando para trás, sobretudo se a dactilógrafa tivesse dificuldade em decifrar a escrita do investigador…
Como em geral os trabalhos continham gráficos, era necessário desenhá-los na perfeição, para passarem em seguida à sala de desenho onde eram fielmente reproduzidos em papel vegetal, que passavam depois a uma máquina onde eram feitas as chamadas cópias ozalid.
Eram estas cópias que seguiam para o editor da revista com o respectivo texto dactilografado. O artigo era enviado pelo correio em envelopes reforçados com cartão, porque os gráficos não podiam ser dobrados no transporte. Passadas umas semanas, recebia-se uma carta do editor a acusar a recepção do artigo, e daí a algumas semanas mais chegava a notícia sobre o destino do artigo: aceitação, na maioria dos casos, com ou sem alterações. E só passados alguns meses se tinha a satisfação de ver o artigo publicado na revista em papel. 
Nas décadas mais recentes, tudo se passa vertiginosamente, diria. Os investigadores dispõem de computadores onde escrevem os textos e preparam os gráficos. A versão digital dos artigos é enviada por correio electrónico, que serve também para a subsequente troca de missivas. Por outro lado, as revistas têm sítios na internet onde os artigos podem ser consultados antes mesmo de serem publicados na versão em papel.
Ou seja, a comparação entre a década de 1960 e o tempo presente mostra que nada tem a ver com coisa alguma! Devo confessar que sinto alguma nostalgia do convívio com dactilógrafas e desenhadores, cujos postos de trabalho vi esfumarem-se com o tempo. A evolução tecnológica teve, e tem, consequências adversas: veja-se a crise por que passam jornais de referência, onde jornalistas têm o seu futuro em dúvida.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Maria João Petisca, ou Coincidências e acasos

A internet proporciona coincidências e acasos curiosos, em que inesperadamente nos cruzamos com pessoas que não conhecemos, em consequência de factos que acontecem fortuitamente. Foi assim que tive o prazer de saber da existência de Maria João Petisca.

1. No passado dia 3 de Dezembro, publiquei um post de homenagem ao Doutor J.L. Nunes Petisca – ilustre chamusquense que foi um insigne Patologista, fundador de uma autêntica Escola Portuguesa de Anátomo-Histopatologia Veterinária – que tive a privilégio de conhecer (ver aqui).

2. Dois dias depois, enviei um e-mail ao filho mais velho, José Joaquim Nunes Petisca – que não conheço pessoalmente e cujas coordenadas obtive através de pessoa amiga residente na Chamusca –, dando-lhe conhecimento de que o post havia sido colocado no blogue. A ideia era simplesmente informar os familiares do doutor Nunes Petisca, certo de que gostariam de saber. Soube depois que, por qualquer razão desconhecida, o e-mail não chegou ao destino.

3. A 19 de Janeiro verifiquei (através do sitemeter) que alguém residente em Rhode Island (E.U. América) tinha estado no meu blogue durante alguns minutos e lera o dito post. Achei o facto curioso e surpreendente...

4. No dia seguinte recebo uma mensagem do filho do doutor Nunes Petisca com a “chave” do enigma. O conteúdo do e-mail era mais ou menos assim: Desde o seu telefonema acerca do meu pai, em que me informou que iria publicar um artigo no seu blogue, nunca cheguei a receber qualquer informação. A minha filha, que se encontra nos EUA a trabalhar, enviou-me ontem o endereço do post que tinha encontrado por acaso numa pesquisa que fez.

5. Foi assim que tive conhecimento da existência de Maria João Petisca, neta do doutor Nunes Petisca!


6. A Maria João dos Santos Nunes Petisca é uma distinta especialista em conservação e restauro. Do seu curriculum vitae consta o seguinte:
Em 2009 concluiu o Mestrado em Artes Decorativas da Universidade Católica Portuguesa com o tema de dissertação “A laca de Cantão: um estudo sobre biombos chineses de exportação nos séculos XVIII e XIX”. Antes, em 2001, concluíra a Licenciatura Bietápica em Conservação e Restauro, variante Tecnologia, pela Escola Superior de Tecnologia do Instituto Politécnico de Tomar.
Participou no 9th International Course on Conservation of Japanese Lacquer, organizado pelo ICCROM e pelo Tokyo National Research Institute of Cultural Properties, em Setembro de 2009.
Foi bolseira de investigação na Phillips Library do Peabody Essex Museum, em Salem, Massachussets (E.U. América), em Setembro de 2008, com o objectivo de preparação da dissertação para o Mestrado de Artes Decorativas.
Desde 2011 até ao presente é Assistant Conservator na Preservation Society of Newport County no projecto de conservação de painéis chineses lacados que decoram a Breaksfast Room na mansão Elms em Newport, Rhode Island. O trabalho consiste no estudo e tratamento de quatro painéis em laca oriental e três que combinam laca oriental e técnicas de imitação ocidentais.
Entre 2009 e 2011 foi bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia, a desenvolver um projecto de investigação sobre lacas chinesas de exportação, na secção de mobiliário do Departamento de Conservação do Instituto dos Museus e da Conservação, Lisboa.
Entre 2004 e 2009, (a) Trabalhou como conservadora-restauradora de mobiliário com incidência em móveis lacados em peças de proveniência particular e de instituições. (b) Foi colaboradora da empresa Archeofactu (Arqueologia e Arte Lda.) na área de madeiras, em intervenções como: Conservação do acervo do Laboratório Químico do Museu da Ciência em Lisboa, e Conservação do acervo do Museu de São Roque, Lisboa. (c) Leccionação do módulo de Conservação Preventiva de Mobiliário no âmbito do Mestrado de Conservação Preventiva de Bens Culturais da Universidade Católica Portuguesa.
Entre 2002 e 2004, trabalhou na secção de Mobiliário do Departamento de Conservação do Instituto Português de Conservação e Restauro, integrando o projecto “Estudos e Investigações sobre o Património Móvel e Integrado” do Plano Operacional da Cultura.
É autora de várias publicações e comunicações.

7. Finalmente, há mais duas coincidências curiosas a assinalar, neste caso no tocante à colaboração de Maria João Petisca com a empresa Archeofactu – Arqueologia e Arte Lda. na área das madeiras:
(1) A referência à Conservação do acervo do Laboratório Químico do Museu da Ciência em Lisboa trouxe-me à memória as aulas práticas de Análise Química que tive neste Laboratório na segunda metade da década de 1950, era então professor desta disciplina o doutor A. Pereira Forjaz.
(2) A referência à Conservação do acervo do Museu de São Roque, Lisboa, fez-me lembrar que este Museu está integrado na Santa Casa da Misericórdia, de que é secretária-geral a minha afilhada de baptismo, Maria Helena Oliveira. Fui consultar o livro “Museu de São Roque” (2.ª edição, Lisboa, Dezembro 2008), que ela me ofereceu, e lá fui encontrar os dois nomes associados: A Maria Helena Oliveira como coordenadora geral do Catálogo e a Maria João Petisca como participante em intervenções de conservação e restauro de mobiliário…

domingo, 27 de janeiro de 2013

Melros na cidade

Os "meus" melros reúnem-se de manhã cedo e ao fim da tarde nas antenas de televisão e nas árvores do Largo do Leão. E cantam soltando "verdadeiras risadas de cristal".


O melro, eu conheci-o:
Era negro, vibrante, luzidio,
Madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar d'entre o arvoredo
Verdadeiras risadas de cristal.

(…)

in O Melro
Guerra Junqueiro

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Cai neve na Natureza...

Fotografias de Filomena Santos, mãe do meu neto Bruno,
tiradas ontem junto à residência familiar na cidade da Guarda.






BALADA DA NEVE
de Augusto Gil

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
Há quanto tempo a não via
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…

E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.





Augusto César Ferreira Gil nasceu no Lordelo do Ouro em 31 de Julho de 1873 e faleceu na Guarda em 26 de Fevereiro de 1929. 
Foi advogado e poeta. 
Viveu praticamente toda a sua vida na cidade da Guarda onde colaborou e dirigiu alguns jornais locais. 





quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Estorninhos sobre Lisboa

Ao fim da tarde passam, a intervalos regulares, grandes bandos de estorninhos sobre a cidade. Vejo-os de um 7.º andar na zona onde habito (Largo do Leão). São às centenas, no total milhares, vindos de norte para sul. Presumo que de manhã cedo façam o caminho inverso em busca de comida. Em cada dia vou esperá-los à hora certa, e tenho sempre a mesma sensação de encantamento por esta migração interna.


Infelizmente não tenho equipamento fotográfico que me permita registar bem estes momentos. Anteontem tirei a fotografia possível para ter uma ideia do número de estorninhos num bando grande. Nessa fotografia, (1) fiz um crop - foto acima (ficaram muitos de fora); (2) no crop seleccionei uma zona rectangular (ficaram muitos de fora, como se pode verificar); e (3) contrastei a zona rectangular para melhor visualização na contagem - foto abaixo. 

Não cheguei a um número… Quererá o leitor tentar?


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O Hugo numa "Classe de Neige"

O meu neto Hugo – aluno do 5.º ano na Escola Europeia, em Bruxelas, onde reside com os pais e a mana Inês – tem estado numa Classe de Neige*, com os colegas e o Professor José Virgílio, numa estação de ski na zona de Grenoble. Consta-me que tem sido instrutivo e divertido... Aqui fica o registo fotográfico com o meu "desportista" devidamente equipado acenando para a multidão...


 * «Une classe de neige est un voyage et un séjour à la montagne organisés par une école, les jeunes élèves continuant à suivre des cours traditionnels tout en découvrant le milieu et en pratiquant les sports d'hiver.» 

sábado, 19 de janeiro de 2013

O marco do correio (ou Eles levam tudo)

Meu artigo publicado no semanário O MIRANTE em 17.Janeiro.2013 

Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Bertolt Brecht, in “Dificuldade de Governar”
Eles levam-nos a confiança, prejudicam a democracia. Eles prometem uma coisa hoje e fazem o contrário amanhã. Não surpreende que sejam enxovalhados quando aparecem em público. Eles entram pelas portas do fundo. Péssimo sinal que se escondam. Que não se assumam como gente crescida.
Eles levam-nos para a recessão, para o abismo. Caminhamos sem sabermos para onde vamos, e duvidamos que eles saibam. Caminhamos em longas filas, em silêncio, por enquanto... Encolhemos os ombros, porque eles nos dizem que não há alternativa. Sente-se a chantagem.
Eles levam-nos o Estado social. Os hospitais estão em dificuldade, mas eles dizem que é possível fazer omeletes sem ovos… Muitos professores das escolas públicas estão em desespero, mas eles acham que é pieguice… Entretanto, o número de pedidos de aposentação está em crescendo. Será por masoquismo que as pessoas se contentam com reformas minguadas?
Eles levam-nos as certezas de outrora. Eles desprezam contratos firmados. Eles levam-nos os subsídios estipulados por lei. As leis podem agora ser aplicadas retroactivamente? Eles levam os pensionistas a pagar mais impostos do que qualquer outro tipo de rendimento. Eles entendem que a redução da despesa pública tem de passar pelos mais desprotegidos, os que não têm voz. E dizem que o que fazem é com a consciência tranquila…
Eles levam-nos a desacreditar de intenções a longo prazo. Quem concordou com o OE-2013 veio depois dizer que o OE-2014 não pode ser o mesmo. Jogo de palavras? Eles desculpam-se que estavam numa posição difícil, que não era responsável abrir uma crise política e… que não tinham peso eleitoral suficiente para fazer melhor na coligação. Quem garante que daqui a um ano têm?
Eles levam o despautério ao ponto de afirmar que os portugueses esqueceram o mar, a agricultura e a indústria. Não é sério culpar os portugueses de se terem esquecido das pescas, da agricultura e das fábricas. Porque foram eles que levaram a esse esquecimento, desprotegendo o futuro. Foram eles que, a troco de uns euros, pagaram aos pescadores e aos lavradores para não pescarem nem lavrarem.
Eles levam o ajustamento das contas públicas para além dos limites do memorando de entendimento. Serão eles mais troikistas do que a troika? Eles parecem ignorar que se as previsões falharem, como toda a gente diz que acontecerá, a troika poderá sempre dizer-lhes: Não tivessem apertado tanto o garrote!
Eles levam tudo, eles levam tudo…. Agora até levaram o marco do correio da zona de Lisboa onde habito. Felizmente, não podem levar os melros do Largo do Leão.
Ver fotografia aqui.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Morreu o Quim Machado


Um comovente texto de evocação, escrito por Joaquim António Emídio e publicado hoje no jornal O MIRANTE, pode ser lido aqui

Começa assim: 
Morreu com 62 anos, na Chamusca, Joaquim Ricardo Banha Machado, farmacêutico de profissão, considerado um profissional de corpo inteiro e um homem de bom coração.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Dividir para reinar

Parágrafo do artigo de José Pacheco Pereira intitulado «O peixe apodrece pela cabeça» - PÚBLICO, 12.Janeiro.2013

Todo o discurso político do poder é o da divisão e o apelo à luta de classes, grupos, idades, profissões, cada um contra o outro, mesmo quando a condição de cada um é a mesma do outro. Os que tinham toda a razão para fazer greve voltam-se contra os que fazem greve. Os jovens são instigados a voltarem-se contra os velhos, pensionistas e reformados. Os que têm alguns meios de vida desdenham dos que recebem subsídios de desemprego. Os que ainda não viram a sua profissão como alvo apontam a do outro como o alvo que deveria ser o seguinte. Polícias olham para os militares, os militares para os polícias. Trabalhadores do sector privado culpam os funcionários públicos, os funcionários públicos fecham-se com medo do desemprego. Os que ganham 900 euros apontam o dedo aos que ganham 1000 euros. Uma inveja social mesquinha e corrosiva perpassa tudo e todos e cada um defende o seu território, dando razão ao Governo, que aponta toda a contestação como sendo “corporativa”. Só a minha “corporação” é que não é corporativa, todas as outras são-no. O vírus da intriga e da divisão sempre foi a melhor garantia da intangibilidade do poder. E não é difícil em tempos de crise propagar estas epidemias, mas é perigoso. Porém, o medo ajuda, ajuda muito. (Texto completo aqui)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Que valores para 2013?

O jornal PÚBLICO convidou 13 personalidades para produzir uma série de textos sobre “os valores humanos da sociedade portuguesa e europeia em 2013”.

Ontem foi a vez de Teresa Pizarro Beleza, professora de Direito Penal e directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, que escreveu um texto intitulado “Carta a minha mãe sobre o SNS e outras coisas em Portugal”. Termina assim:

«Mãe, se agora cá voltasses, ao mundo dos vivos, acho que terias uma desilusão terrível. Melhor que não vejas o que estão fazendo do nosso país»

domingo, 6 de janeiro de 2013

O figurão de 2012 e as tarefas urgentes em 2013

O figurão do ano
Carlos Fiolhais
PÚBLICO, 26.Dez.2012
Os media escolhem, nesta época, as figuras do ano. Para figura do ano a Time escolheu Barack Obama e, entre nós, o Expresso escolheu Angela Markel e o contribuinte português para figuras respectivamente internacional e nacional. Proponho-me aqui escolher o “figurão do ano” e o escolhido não pode deixar de ser Miguel Relvas, ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares.
Em Portugal, no ano que ora finda, foram muitos os figurões. Na cena política, mas também nas cenas académica, empresarial, mediática, autárquica e desportiva, vários foram os personagens que, tentando sobressair, caíram no palco com estrondo. A escolha foi, porém, fácil, pois nenhum desses insucessos foi tão grande como o de Relvas, que, figurando em todas essas cenas, não houve nenhuma em que não caísse. (Texto completo aqui.)

As coisas urgentes que temos de fazer em 2013
José Vítor Malheiros
PÚBLICO, 31.Dez.2012
Tivemos 2012 com esta mistura de espanto e de indignação, de urgência e de impotência, de revolta e de desespero, de ódio e de vergonha. Sabemos que batemos no fundo em termos de bem-estar, de solidariedade social, de moralidade no Governo, de dignidade na política, de exercício da cidadania, de democracia, de confiança nas instituições, de confiança uns nos outros, de confiança no futuro, de dignidade. Sabemos que começamos a ter vergonha de nos olhar nos olhos na rua, que as costas estão mais curvadas, as roupas mais baças, as expressões mais carregadas. Sabemos também que este fundo em que caímos se vai afundar ainda mais e que novos abismos se vão abrir em 2013 porque a decência deste Governo é inexistente, porque os interesses inconfessáveis que serve não se encontram em nenhuma linha da Constituição. Sabemos que as coisas podem sempre piorar e que, em 2013, as coisas vão mesmo piorar. Mas sabemos também que as coisas não podem piorar ainda mais sob pena de ficarem piores para sempre e de condenarmos o país ao desalento e à miséria eterna. O que fazer?
(Texto completo aqui)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

In Memoriam Dr. José Lopes

Meu artigo publicado hoje no semanário O MIRANTE


Quis o acaso que um jovem chamusquense se tivesse cruzado com o Dr. José Lopes, director do Externato Braamcamp Freire, em Outubro de 1951. Durante os cinco anos que permaneci em Santarém, este Amigo ajudou-me de várias maneiras, talvez sem se dar bem conta da importância desse apoio.
Desde logo, concedeu-me uma bolsa de estudo para frequentar gratuitamente o Externato e, assim, completar o curso dos liceus. Isto hoje parece trivial, mas naquele tempo foi decisivo: marcou exactamente a diferença entre a possibilidade de eu continuar, ou não, os meus estudos. A contrapartida da bolsa consistia na realização de algumas tarefas na secretaria do colégio.    
Foi também o Dr. José Lopes que me aconselhou o alojamento em Santarém, na casa da D. Sofia, sua tia. Guardo uma terna recordação do tempo que passei na Travessa da Roda, mesmo ao lado do Sá da Bandeira. A mensalidade foi fixada em seiscentos escudos, que o dinheiro que vinha da Chamusca não dava para mais. Nesse tempo, uma geral no Rosa Damasceno custava vinte e cinco tostões...
Foi ainda o Dr. José Lopes quem me arranjou o primeiro explicando, tinha eu dezasseis anos. Lembro-me de que se tratava de lições de Português. A princípio, fiquei receoso com a ideia por duvidar que pudesse dar conta do recado. Mas a experiência correu bem, abrindo caminho a outras explicações. Que bem me sabia aquele dinheiro de bolso ao fim do mês!
Recordo um momento de humor e aflição, devido a um atrevimento meu numa aula de História. Foi na véspera de um 1.º de Dezembro. A professora dissertava sobre o estado em que o País ficara depois da dominação espanhola. Dizia ela: «A marinha estava desorganizada, a indústria desmantelada, o comércio...». Inopinadamente, interrompi-a: «O comércio estava fechado... era feriado!». Os meus colegas riram muito, mas a professora é que não achou piada à graçola. Resultado: fui expulso da aula e mandado apresentar ao “Senhor Director”!
Foi com o rabo entre as pernas que bati à porta do seu gabinete. «Então, rapaz, o que é que há?», perguntou-me, percebendo logo que ali havia asneira. Comprometido, contei-lhe o sucedido. Foi com surpresa que entrevi um leve sorriso nos seus lábios, enquanto me ralhava mansamente: «O menino não pode armar-se em engraçado nas aulas, não se esqueça que tem de dar o exemplo. Quando terminar a aula, trate de ir pedir desculpa à senhora professora.» E tudo ficou por ali.
A atitude serena do Dr. José Lopes foi uma lição para mim: um mestre não necessita de dramatizar as situações para se fazer respeitar, basta-lhe um julgamento equilibrado e uma decisão adequada às circunstâncias.
Onde quer que esteja, Bem-Haja Amigo!
PS – Curiosamente, o Externato Braamcamp Freire funcionava onde é hoje a sede do jornal O MIRANTE. 


Fotografias tiradas em 1993 aquando da 
comemoração dos 85 anos do Dr. José Lopes


 Ex-alunos e professores do Externato Braamcamp Freire com o Dr. José Lopes

 O Dr. José Lopes convidou-me para dizer algumas palavras na "sala de aula"

A Dra. Mariana Ginestal Machado, minha excelente professora de Filosofia