António Guerreiro
Público/Ípsilon, 21.Junho.2013
«Em 1971, Roland Barthes escreveu, para a revista Tel Quel, um texto a que deu o titulo: Escritores, Intelectuais, Professores.
Por si só, tal título mostra como os professores foram entretanto deslocados e
já não pertencem a esse mundo de outrora. Eles surgiam então ao lado de outras
duas respeitáveis classes (que, aliás, também já não têm o mesmo estatuto),
enquanto detentores de uma autoridade adquirida automaticamente pela parole proƒessorale. Essa modalidade de
discurso, herdeira da Retórica e dotada de uma autoridade moral conferida pelo
saber, não podia sobreviver às novas condições que retiraram o saber da esfera exclusiva
do cânone escolar e em que o professor, obrigado a responder a novos objectivos
da escola que já nada têm que ver com a sua missão original (objectivos cada
vez mais políticos: retardar a entrada dos jovens na vida activa, corrigir as
desigualdades sociais, substituir a educação parental, policiar os costumes,
etc.), teve que começar a enfrentar tarefas policiais, psico-sociais e de
animação. A fortuna de um actual ministro que chegou ao seu posto à custa da
denúncia do “eduquês” deve-se ao facto de, com esse chavão, ele apontar para um
desvio da escola em relação a essa missão original que, presume-se, ele achava
que podia e devia ser restaurada. Entretanto, em sentido contrário a uma tal
missão, os professores têm sido submetidos - sem tréguas e desde há muitos anos
- ao tratamento mais ignóbil a que uma classe profissional pode estar sujeita.
Se quisermos utilizar um termo genérico para designar o que lhes foi infligido (para
além das “sevícias” - da parte dos alunos, da parte dos pais - a que ficaram expostos
a partir do momento em que lhes foi retirado todo o domínio) temos de falar de
uma progressiva, sistemática e programada proletarização. Em que é que ela
consiste? Numa total perda de autonomia, até ao ponto em que a actividade do
professor deixou de ser uma actividade intelectual. A partir desse momento, a
autoridade do professor - que, aliás, para existir é necessário que esteja
integrada num sistema que a detenha – ficou completamente arruinada. O sinal
mais óbvio dessa proletarização - aquele onde ela é exibida pela máquina governamental
com uma clara intenção de humilhação - é o horário de trabalho. Dantes, o
trabalho do professor compreendia o tempo controlado (o tempo lectivo) e o
tempo autónomo, que ninguém conseguia avaliar exactamente a quanto correspondia
- dependia do treino, dos escrúpulos, da responsabilidade e do sentido de
missão do próprio professor. Dai, a ideia tão repetida de que os professores
gozam (gozavam) de um horário privilegiado. Agora, não só o tempo de trabalho
controlado aumentou bastante, como aquilo que deveria ser tido por conta de
trabalho autónomo perdeu esse estatuto porque o Ministério o passou a contabilizar
no horário oficial: trinta e cinco horas de trabalho na escola, mais cinco
horas de trabalho em casa. Quem alguma vez foi professor sabe bem que essas
cinco horas semanais estão longe de ser suficientes. Mas pior do que fazer
horas extraordinárias que não são pagas é sentir que até o pouco que resta aos
professores de tempo autónomo entra na contagem diabólica do tempo controlado.
O horário dos professores pode até não ter efectivamente aumentado. Mas, em
termos simbólicos, chegou-se à estação terminal que diz: proletarização.»
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