Penso no
“Brincar” e imediatamente recordo um menino de há muito tempo e sobre o qual em
tempos escrevi: o Armelim. Vinha sempre para o Jardim no seu cavalo branco,
invisível aos olhos dos outros. Atrelava-o cuidadosamente a uma árvore para que
não fugisse, sempre perto da erva onde pudesse pastar. Cruzou o ano todo de
capa e coroa e era príncipe a tempo inteiro. Nos dias mais difíceis chorava
porque o cavalo estava muito doente e podia não resistir. Foi com o Armelim que
aprendi que o Brincar podia ser uma questão de sobrevivência e de resistência
moral a uma vida demasiado pesada para quem conta apenas 5 anos.
Penso no
Brincar e recordo as palavras do Alberto, um jovem de 23 anos, que me dizia
recentemente: ”Tempos inesquecíveis os da Ludoteca, ainda hoje os meus melhores
amigos são aqueles com quem lá brincava.” Com ele relembrei como o Brincar e a
construção de afectos andam de mãos dadas.
Penso no
Brincar e assaltam-me as sábias palavras do artista e curador italiano António
Catalano que, na inesquecível exposição “Universos sensíveis” (onde dei por mim
fechada dentro de um armário a falar com um espelho), expunha aquela que
considero a mais brilhante definição de infância:
Pensamos na
Infância não como uma idade mas como um olhar, uma maneira de ver as coisas, de
pensar o mundo.
A
Infância é surpreender-se com os pirilampos, com o jacarandá, com o botão que
abre. A Infância é pentear cometas, mimar microssegundos, amestrar preguiças.
É Infância irritar-se
com as coisas, mudar frequentemente de sítio, inventar ideias.
Não nos
interessam as respostas, as certezas imutáveis.
Estamos
fascinados pelas interrogações. Caminhadores de perguntas.
Como Educadora
fascinada por esta capacidade mágica do Brincar e do Jogo simbólico, reconheço
o jogo espontâneo ― individual e de grupo ― segundo interesses pessoais da vida
das crianças. Mas verifico também como os novos interesses, temáticas em
pesquisa e projectos desenvolvidos em contexto escolar ou lúdico podem
influenciar e colorir esse Brincar de outros tons. Acredito que o Brincar pode
e deve ser enriquecido com a criação de objectos e adereços, e através da
adaptação e recriação de espaços e materiais. A descoberta de outras regiões
geográficas e de outros povos, a investigação de épocas históricas, as
pesquisas científicas, as personagens de livros… nada está a salvo deste acto ―
magicamente invasivo ― que é o Brincar.
Pensamos na
Infância e não paramos de nos surpreender com uma capacidade inesperada de
realizar feitos só aparentemente impossíveis.
“As melhores
coisas são de ar”… palavras inspiradas de Manuel António Pina. Só um poeta
poderia levar-nos a entender a possibilidade de “fazer um castelo no ar… e ir
lá para dentro morar…”.
Proponho agora
algumas imagens para que se fique “a saber que isto tudo pode acontecer”: Transpor
o tempo e as fronteiras geográficas… rumar à montanha mais alta, viajar em aventurosas
caravelas, mergulhar com crocodilos, viver num iglu no topo do mundo, defender
a Terra de uma chuva de asteroides…
Sabemos que
estamos no caminho certo quando, levados pelo entusiasmo, ultrapassamos aquilo
que os nossos pequenos parceiros de jogo consideram “normal” para um adulto, e,
ligeiramente assustados, nos tocam como que para nos despertar do sonho,
dizendo: “Olha… mas isto era só a brincar!...”
Educadora do Jardim de Infância do Vimeiro
Artigo publicado nos Cadernos de Educação de Infância,
CEI n.º 98, Janeiro/Abril 2013
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