Meus filhos:
Os bairros sociais são urbanizações construídas, na sua maior parte, pelo Estado,
com custos de construção inferiores as demais urbanizações e são construídos,
Constança, porque há pessoas que, por circunstâncias várias, entre as quais a
sorte e o azar no jogo da vida, não conseguiram ter dinheiro para viverem em “sítios”
diferentes.
Nestas situações, o Estado – uma organização mais difícil de explicar do
que a criação do mundo – ajuda-as, dando-lhes um tecto. E as pessoas conseguem,
assim, ter condições mínimas de vida para educarem os seus filhos e levarem a vida avante na esperança de um dia,
através do trabalho ou de um golpe de sorte, poderem escolher a sua casa.
Há pessoas que gostariam de poder viver noutras casas e, às vezes, não
gostam de dizer onde vivem – nem têm de o fazer –, desde logo, porque, no mundo
em que estamos, também há pessoas más, pessoas que não vêem para além do que o
dinheiro pode comprar e, assim, discriminam aqueles que o não têm. E fazem troça
deles e brincam com a sua situação e afastam-nos da sua roda de amigos. São
maus, esses senhores.
Ê, mais ou menos, como no colégio, quando aparece um menino que não tem sapatilhas
fixes e os outros meninos o tratam mal e apontam com o dedo a
rirem-se. E eu quero que saibam, meus filhos, que se os meninos têm sapatilhas fixes e andam num colégio particular é porque os avós ajudam o
pai e a mãe. E que, sem essa ajuda, os meninos também não teriam essas sapatilhas
e andariam numa outra escola.
E agora eu pergunto: isso fá-los-ia pessoas diferentes? Melhores ou piores?
Boa, Manel! Claro que não! E os meninos gostavam que o director do colégio
escrevesse num papel o nome daqueles meninos que não têm sapatilhas fixes e o colasse na parede para toda a gente ver? Ou que a
escola ajudasse esses meninos a terem umas sapatilhas mesmo giras e, depois,
escrevesse e colasse os nomes deles na parede?
Sim, Diogo, isso era mesmo feio. E não gostavam porque já era suficientemente
má a sensação de angústia da véspera à noite, de todas as vésperas à noite,
quando se deitassem, pressentirem que no dia seguinte iriam ser gozadas pelos
meninos das sapatilhas fixes que a escola não precisou
de ajudar, para, ainda por cima, verem os seus nomes e, quem sabe, as suas
fotografias afixadas na parede.
O ministro das Finanças – um senhor importante – quer, agora, que as
pessoas que vivem nos bairros sociais sejam colocadas num índex – uma lista má – para toda a gente saber que vivem em bairros
sociais.
Diz que é para todos podermos ver onde são gastos os dinheiros públicos (o
dinheiro de todos nós, inclusive o das pessoas que vivem nesses bairros).
Claro que não é preciso, meus filhos! Não tem qualquer utilidade, porque há
instrumentos de fiscalização da correcta aplicação desses dinheiros.
A lição que o ministro nos dá é a de que o tecto caracteriza a pessoa e a
define. Como em tempos um senhor mau que existiu na Europa e quase ia
derrotando os seus princípios fundadores e que defendia que a pessoa, na sua
essência e dignidade, era definida pela cor da pele e pela origem da raça.
O pai diz-lhes sempre
para não abrirem a porta a estranhos, nem falarem com desconhecidos. Mas hoje quer-lhes
pedir outra coisa: que não distingam, nunca, as pessoas pela aparência, pela
religião, pela ideologia, pela cor da pele ou pela casa onde vivem. Combinado? Apreciem-nas
a todas e a cada uma delas, pelos valores que defendem, pelo carácter que possuem,
pela probidade que demonstram no seu dia-a-dia e pela nobreza de sentimentos
que transportam.
É aí que se encontra o que, verdadeiramente, interessa. É através desses
valores que nos enriquecemos uns aos outros, é através da sua prática quotidiana
que tomamos todas as nossas decisões: das mais importantes, às mais pequeninas.
É na diferença que, todos nós, nos completamos.
Não sei, Manel, não sei se o pai do Senhor Ministro lhe ensinou esta lição,
se o Senhor Ministro a não aprendeu ou se não conhece a mãe de todas as leis,
que se chama Constituição. Mas esta lição eu quero que aprendam depressa e que
saibam que é a causa de uma vida, pela qual não podemos desistir nunca.
E, sim, meus filhos, podem colar
papéis com o nome do Senhor Ministro, em todas as paredes cá de casa.
Manuel Sampaio Pimentel
Jurista, ex-dirigente nacional do CDS-PP
PÚBLICO (pág.54), 09.Junho.2013
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