Alexandra Lucas Coelho, PÚBLICO-Online, 09.Abril.2014
A autora recebeu na passada 2.ª feira o prémio APE pelo romance E a Noite Roda.
O que se segue é um excerto do discurso que fez, no qual critica o actual poder político.
[...] Este prémio é tradicionalmente entregue pelo Presidente da República, cargo
agora ocupado por um político, Cavaco Silva, que há 30 anos representa tudo o
que associo mais ao salazarismo do que ao 25 de Abril, a começar por essa vil
tristeza dos obedientes que dentro de si recalcam um império perdido.
E fogem ao cara-cara, mantêm-se pela calada. Nada estranho, pois, que este
Presidente se faça representar na entrega de um prémio literário. Este mundo
não é do seu reino. Estamos no mesmo país, mas o meu país não é o seu país. No
país que tenho na cabeça não se anda com a cabeça entre as orelhas, “e cá vamos
indo, se deus quiser”.
Não sou crente, portanto acho que depende de nós mais do que irmos indo,
sempre acima das nossas possibilidades para o tecto ficar mais alto em vez de
mais baixo. Para claustrofobia já nos basta estarmos vivos, sermos seres para a
morte, que somos, que somos.
Partimos então do zero, sabendo que chegaremos a zero, e pelo meio tudo é
ganho, porque só a perda é certa.
O meu país não é do orgulhosamente só. Não sei o que seja amar a pátria.
Sei que amar Portugal é voltar do mundo e descer ao Alentejo, com o
prazer de poder estar ali porque se quer. Amar Portugal é estar em Portugal
porque se quer. Poder estar em Portugal apesar de o Governo nos mandar embora.
Contrariar quem nos manda embora como se fosse senhor da casa.
Eu gostava de dizer ao actual Presidente da República, aqui representado
hoje, que este país não é seu, nem do Governo do seu partido. É do arquitecto
Álvaro Siza, do cientista Sobrinho Simões, do ensaísta Eugénio Lisboa, de todas
as vozes que me foram chegando, ao longo destes anos no Brasil, dando conta do
pesadelo que o Governo de Portugal se tornou: Siza dizendo que há a sensação de
viver de novo em ditadura, Sobrinho Simões dizendo que este Governo rebentou com
tudo o que fora construído na investigação, Eugénio Lisboa, aos 82 anos,
falando da “total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que
caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina
a míseras notas de pé de página”. [...]
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