terça-feira, 8 de abril de 2014

É só mais uma trapalhada (Barroso vs. Constâncio)

José Vítor Malheiros, PÚBLICO, 08.Abril.2014


Durão Barroso diz que, quando era primeiro-ministro, chamou três vezes o governador do Banco de Portugal a São Bento, “para saber se aquilo que se dizia do BPN era verdade”. Não sabemos o que era então “aquilo”, mas sabemos que Vítor Constâncio, em resposta ao actual candidato a candidato à Presidência da República, disse duas coisas: que “nunca recebeu qualquer informação sobre possíveis irregularidades concretas no BPN” da parte de Durão Barroso e que não recordava “qualquer convocação exclusivamente sobre o BPN" feita pelo então primeiro-ministro.
É estranho o “exclusivamente”. Somos obrigados a pensar que Constâncio se lembra perfeitamente de três convocações do primeiro-ministro onde o BPN constava na agenda como tema a tratar só que... não era o ponto único da reunião. Assim, a declaração de Constâncio não desmente frontalmente o ex-primeiro-ministro. De facto, por muito importante que fosse a girândola de fraudes do BPN, seria natural que o governador do banco central e o primeiro-ministro tivessem tido pelo menos duas coisas para discutir numa reunião, e a expressão de Constâncio faz-nos pensar que foi precisamente isso que aconteceu. Mas o facto de Durão Barroso ter sido propositadamente vago também nos sugere que o PM não deverá ter dito nem perguntado a Constâncio nada de substantivo e até sugere que a conversa que terá mantido com o governador do Banco de Portugal terá sido num registo casual. “Ó Constâncio, o que me diz daquilo que se diz p'raí do BPN?” “Estamos atentos, senhor primeiro-ministro. Tomaremos as diligências que nos parecerem adequadas.” “Ah, bom. Assim, fico descansado.” 
[…]
Há, em toda esta história, outra coisa que não se percebe. Como é possível que Durão e Constâncio possam contar estas histórias de forma tão imprecisa, baseando-se na sua memória? A Presidência do Conselho de Ministros não guarda registos? O Banco de Portugal não guarda registos? As reuniões não dão origem a actas? Nos Estados Unidos, uma história destas teria trinta memos escritos a sustentá-la, sete actas de reuniões, as agendas de todos os participantes, entradas nos diários dos intervenientes, dias e horas das reuniões e respectivas ordens de trabalhos, registos do que se disse e do que foi pedido e do que foi garantido e por quem.
Mas em Portugal, no meio político, a regra é a informalidade e isso é apresentado como um sinal dos nossos brandos costumes. O problema é que a informalidade é a arma de eleição dos corruptos e dos aldrabões. Os políticos não têm agendas, as reuniões não têm actas, as declarações não têm testemunhas. E, nos raros casos em que esses documentos existem, os protagonistas levam-nos para casa no fim da legislatura como se fossem propriedade sua e não património público e um elemento essencial da responsabilização dos agentes políticos.

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