quarta-feira, 9 de março de 2011

RTP1 – Conversa entre o padre Alberto e a Isabel

Na segunda metade dos anos setenta, havia um programa na RTP-1 intitulado Gente Crescida, da apresentadora Maria Elisa, que era genericamente apresentado como «Duas pessoas que travam conhecimento perante as câmaras da televisão, duas pessoas pertencentes, por vezes, a mundos diferentes que se encontram pela primeira vez perante o maior auditório nacional. Uma emissão que vale por aquilo que valer o diálogo entre o adulto e o jovem

O episódio transmitido no dia 17 de Setembro de 1979 foi o resultado da conversa havida entre o conhecido padre Alberto Neto e a minha filha Maria Isabel (12 anos) – que, de facto, não se conheciam de lado nenhum. A Isabel foi seleccionada na escola Luís António Verney (Bairro da Madre de Deus – Lisboa), e a certa altura recebi um telefonema de Maria Elisa pedindo autorização para a Isabel participar no programa.


Assisti à gravação a partir da sala onde o realizador dirigia a acção. Enquanto a Isabel, descontraída, ia conversando com o padre Alberto, eu sofria a bom sofrer... e ao fim do dia tinha uma enorme dor de cabeça!

Aquando da transmissão televisiva, a conversa entre o padre Alberto e a Isabel foi (de uma maneira geral) favoravelmente acolhida. No que se segue, são transcritas passagens de críticas de televisão então publicadas.


MÁRIO CASTRIM
Diário de Lisboa, Canal da Crítica, 18.Setembro.1979
Quando “gente crescida” nos ajuda a crescer


Veio dentro da noite, pelo telefone, aquela voz clara, aquela voz que a noite tivera quase estrangulada. Veio e disse: «Amanhã o ‘Canal da Crítica’ não deve falar senão da Isabel e do Padre Alberto.» Era um pedido, não sei. Ou seria uma sugestão para esquecer o acessório e fixar apenas o essencial. (...)

A Isabel e o Padre Alberto foram ontem uma transfusão de sangue nas veias amorfas da TV. Até falaram do 25 de Abril, expressão que na TV se encontra totalmente fora de uso como as moedas de tostão.

Quererá isto dizer, ou quererei eu dizer com isto, que foi um diálogo político? Bom. Eu quero dizer isso. Eu quero dizer que foi um diálogo político, mas não apenas por ter dito o Padre Alberto como seria uma desgraça se voltássemos ao 24 de Abril e por Isabel ter recordado as dificuldades herdadas do antigamente pela democracia e por o Padre Alberto ter dito que os governos não tinham sabido criar um projecto mobilizador e por a Isabel ter afirmado que «se não tivesse havido o 25 de Abril, o meu irmão, que tem agora dezoito anos, iria para a guerra».

Político, sim, mas não apenas nos limites que as congeminações declaradamente políticas consentem. A gente crescida de ontem pisou o mais criador dos terrenos políticos, ou seja, aquele que desperta a inteligência, a reflexão, o conhecimento da vida e do mundo. Foi um diálogo na perfeita acepção do termo, quer dizer, a procura em conjunto de uma razão comum.

A palavra serena do Padre AIberto emocionou os espectadores não somente quando se referiu à festa do 1.° de Maio de 1974, que ele atravessou de Lisboa ao Algarve, mas também quando se referiu à sua actividade de professor, quando recordou o papel fundamental da escola: o de acordar as raparigas e os rapazes vivos para a vida viva, para a realidade que os cerca. De súbito, enquadrado na meditação sobre a capacidade criadora do nosso povo, uma frase de contornos tão definidos que guarda a perfeita arquitectura de um «slogan» para a acção: Deveríamos depender do estrangeiro só naquilo em que não pudéssemos depender de nós.

Quanto à lsabel, guardamos dela a imagem de uma jovem que não habita o futuro como quem habita um convento. Não pretende armar à intelectual para quem tudo o que não sejam espaços siderais é alimento para asa de pardal mourisco. O facto de se interessar pela música ligeira ou de gostar da banda desenhada não a impede de amar a liberdade, de compreender o 25 de Abril e de o trazer no coração, não lhe fecha os olhos para a realidade dos bairros de lata onde as pessoas parecem animais e afinal são gente como nós.

Gente Crescida, com Isabel e Padre Alberto: uma poderosa tentativa de dar responsabilidade a milhões de espectadores que, dia após dia, a TV procura menorizar. E agora digam lá se a inteligência é ou não é um grande espectáculo televisual...

CORREIA DA FONSECA
O Diário, TV Crítica, 19.Setembro.1979
Isabel e as evidências


Maria Isabel não tem dúvidas. Ela disse no “Gente Crescida” de anteontem, que foi um dos mais esclarecedores e autênticos encontros de toda a série: podia o 25 de Abril não ter trazido mais nada: a conquista da Paz em África teria sido, só por si, razão bastante para o justificar. Porque a Maria Isabel tem lá em casa um irmão de 18 anos que, de outro modo, estaria agora em vésperas de ser mandado para lá, a matar ou a morrer. E com ele milhares de outros, irmãos ou não de outras Isabéis lúcidas.

Foi assim que uma menina apenas adolescente veio à Televisão dar uma lição de limpidez e honestidade política a muitos que por aí andam, aplicadíssimos, a jogar ao esconde-esconde com a evidência. O certo é que os frutos bons de Abril se revelam naturalmente até a uma criança, porque têm a ver com os valores fundamentais da vida: a sobrevivência, a esperança, a dignidade de poder um homem viver sem se tornar um matador. Veio a Maria Isabel, em conversa com o Padre Neto, confirmá-lo perante nós todos. Foi bom.

Excepto, naturalmente, para os lavradores da mentira. Que hão-de ter ficado a fermentar cóleras e a cozinhar calúnias. Sem se darem conta de que, ao fazerem-no, apenas fornecem a contraprova da justeza.

MÁRIO ROCHA
Diário Popular, Crítica TV, 19.Setembro.1979
Nunca é tarde...

Cada uma das conversas que se sustentam em «Gente Crescida» merece, naturalmente, um comentário especial – aquele que resulta do interesse do próprio diálogo e da capacidade de comunicação dos interlocutores, sobretudo do adulto, que está ali para mostrar o que vale por si mesmo e para fazer que a criança mostre, ou não, valer alguma coisa.

O diálogo do padre Alberto com a pequena Maria Isabel valeu muito mais do que se poderia imaginar, tanto porque o adulto se mostrou a altura do professor de Moral que é, como porque a jovem foi surpreendente com os seus escassos doze anos, invadindo domínios culturais e sociais pouco comuns em conversas de gente da sua idade.

Está muito adulterado o termo, mas não encontro outro mais capaz de definir a personalidade do padre Alberto: progressista. Um progressismo, aliás, que nada tem que ver com o estilo demagógico de tantos progressistas (?) que por aí pululam, mas que assenta no primado do cristianismo que o padre Alberto professa. Porque é sacerdote católico? Talvez sim e talvez não. Muitos há, por esse país fora, que julgam e interpretam a doutrina de Jesus à luz de uma religião retrógrada, incapaz de entender o que quer que seja de evolução e de progresso e de dar combate às injustiças sociais que ensombram ainda a realidade no Mundo. E tudo isto, entender o progresso e lutar por que a sociedade seja mais humana e mais justa, é precisamente a doutrina que Cristo apregoou. Claro que há dois mil anos, o Mundo ainda não falava em democracia, nem em sistemas políticos pluralistas. Não sei se é este o postulado político-social por que se bate o padre Alberto, mas estou em crer que o seu progressismo se não coaduna com a ideia de regimes totalitários que alimenta alguns espíritos ditos progressistas.

Quanto à jovem Maria Isabel, pois, sim senhor, marcou dois pontos, e em confronto com o adulto que tinha na sua frente chegou a ser brilhante e deu-lhe ensanchas para mostrar como deve falar com as crianças esclarecidas um autêntico professor de Moral.

A BOLA, Cautchú, 20.Setembro.1979
«Vedeta» da semana


«Cautchú» gostou tanto, tanto do programa televisivo «Gente Crescida», de segunda feira passada, que não resiste a pôr aqui, preto no branco, a sua opinião: a Isabel e o padre Alberto são as «vedetas TV» da semana (ou do mês? ou do ano?). O número 3, que o padre Alberto aqui exibe (pedindo uma substituição quando, quatro anos atrás, era dirigente do futebol do Sporting) é o mesmo que lhe atribuímos (nota «3», a máxima do «Somelos-Helanca») pela sua grande «exibição» no «Gente Crescida» (tal como a Isabel): humanismo, inteligência e... coragem. As mesmas qualidade que, no Sporting, o tornaram um director muito querido dos jogadores – alguns dos quais, já adultos, já «craques», ele muito ajudou a voltarem a estudar: Pedro Gomes, Chico, Damas, Libânio...

É um lamento gasto (porque, sempre ficamos só no Iamento...), mas o mundo não seria a «selva» que é (a Norte e a Sul, a Este e a Oeste), se todos tivéssemos um pouco mais de «Isabéis» e de «padres Albertos».

EUGÉNIO ATAÍDE
O Jornal, Televisão, 21.Setembro.1979
Deixai vir a nós as criancinhas

Queremos ganhar pontos em televisão? Tapem a boca a um adulto chato e ponham uma criancinha a falar. O «GenteCrescida» da última segunda-feira na RTP-1 foi isso, com uma diferenca, aliás fundamental, o adulto era também uma presenca empática, telegénica e com muita coisa para dizer. Disse-o sem papas na língua. Chama-se Alberto Neto, é sacerdote. Frequentadores da capela do Rato conhecem-no. Parece que agora vai pastorear para Belas.

O padre Alberto ia assim a ver quem lhe calhava, porque às vezes há meninos que parecem adultos, tão certinhos e bem comportadinhos (e postiços!) eles se nos mostram. Ah, mas teve cá uma sorte que nem de encomenda: calhou-lhe a Isabel, uma miúda gira, e então o padre, que só precisava dessa chispa, desse empurrão, apropriou-se do pequeno “écran” e deu-nos uma bela lição de sagacidade a que juntou o valor fundamental da tolerância; e ainda outro, o companheirismo, ser-se homem entre homens, evitar feri-los, tentar compreendê-los. Isabel jogava no mesmo “team”: tinha ido ao frio estúdio do Lumiar a ver que adulto calhava no rol, apostada em não se deixar baratinar pela empáfia daqueles grandes que parecem os tais pequenos que se parecem com os tais grandes, adultos e chatos. Quando deu pelo padre Alberto respondeu à letra.

Esta aposta do «Gente Crescida», cópia de um modelo-francês em boa hora traduzido para a programação da RTP por Maria Elisa, só pode ser ganha se o adulto e a crianca (ou o adolescente) tiverem naturalidade. Naturalidade que não basta – é também preciso comunicar, sem o que a dupla, por muitos esforços que faça, «enche» mal um precioso espaço televisivo. Estou a lembrar-me de um outro momento em que o adulto, que era o “cartoonista” Sam, descobriu diante de si o interlocutor ideal, um rapazinho a aprender para serralheiro. Ora, com o padre Alberto e a Isabel, a conversa, se possível, foi ainda mais calorosa. Que distância, para melhor, da “Gala” da canção infantil na Figueira da Foz!

"Foto" do Pe. Alberto: http://umaescola.blogspot.com/2010/02/pequena-biografia-do-patrono-da-escola.html
Foto de Mário Castrim:
http://fotos.sapo.pt/lusa
Foto de Correia da Fonseca:
http://odiario.info
Cf. http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.com/2011/01/desde-muito-cedo-que-minha-filha-maria.html

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