quarta-feira, 16 de março de 2011

A radioactividade e as radiações são factos da vida

Houve tempos em que a radioactividade era vista com bons olhos, chegando mesmo a estar na moda.
Então, nos rótulos das garrafas de água podiam ler-se indicações alusivas à excelência das radiações, a que eram atribuídas propriedades recomendáveis para os consumidores.
E se uma empresa publicitava a sua marca como sendo de «água radioactiva», logo a empresa concorrente reclamava que a sua era uma «água poderosamente radioactiva»!


Hoje, a situação é diferente. Mercê de circunstâncias várias, a radioactividade como que entrou em “desuso”, alimentando até fenómenos de rejeição. Não surpreende, pois, que a publicitação da radioactividade tenha desaparecido dos rótulos das garrafas. É claro que as águas continuam a ser tão radioactivas como eram antes, mas parece que já não são... Tudo bem, não há mal nisso. Aliás, faz tanto sentido exigir das empresas de engarrafamento de água que publicitem a respectiva radioactividade, como exigir igual procedimento aos produtores de vinho, de leite, de bananas, de tomate, de cereais, de materiais de construção, etc., já que todos estes produtos são também (levemente) radioactivos.

Para lidar com uma realidade que suscita medos, como é o caso da radioactividade e das radiações nucleares, o melhor é estudá-la. Não é verdade que se combate melhor um inimigo, conhecendo-o? Queiramos ou não, na Terra existem espécies atómicas que emitem radiações, natural e espontaneamente, a um certo ritmo, sem que nada possamos fazer em contrário. Assim, as rochas, os solos, as plantas e os animais são radioactivos. Nós próprios somos radioactivos: pelo simples facto de haver potássio no nosso corpo ocorrem alguns milhares de desintegrações nucleares por segundo (devido ao potássio-40). Por que não ensinar esta realidade na Escola? Por que não fazer destes factos um ponto de partida para esclarecer dúvidas legítimas?

Nos últimos anos, um colega do Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN) e eu próprio participámos em acções de formação sobre esta temática, no âmbito do programa “Ciência Viva”, promovido pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia. A vivência do contacto com os jovens do ensino secundário mostra que eles têm grande interesse por este tipo de matérias (radioactividade, aplicações das radiações, radiações e ambiente, energia nuclear, etc.) e evidenciam um enorme entusiasmo aquando da realização das experiências com que são ilustradas essas acções de formação.

Julgo que seria possível levar à prática um projecto semelhante, a nível nacional, tendo por base os Clubes de Ciência que existem nas escolas. Um laboratório do Estado, como o ITN, e uma sociedade científica, como a Sociedade Portuguesa de Física, poderiam funcionar como pontos de apoio da iniciativa, a ser promovida pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia e pelo Ministério da Educação. Para a concretizar, não são necessários grandes meios. Partindo do princípio que se pode contar com a colaboração interessada dos professores, bastaria dotar cada Clube de Ciência com um equipamento simples de manipular (parte do equipamento até poderia ser produzido no País) e um adequado manual de experiências.

A prática mostra que, com uma dúzia de experiências devidamente articuladas entre si, a compreensão da física das radiações torna-se acessível, podendo ser alcançados resultados verdadeiramente surpreendentes. A montante e a jusante dos efeitos imediatos das experiências, há um amplo espaço de descoberta e formação a explorar, onde se podem harmonizar a curiosidade dos alunos e a competência dos professores. Por esta via, talvez fosse possível desmitificar uma área do conhecimento que é controversa e construir uma atitude mais racional face a tudo o que diz respeito à radioactividade e às radiações, tanto as que existem na Natureza como as que são originadas pelo Homem. Afinal, não deve a Escola ensinar aquilo que não deve ser ignorado? Não é o conhecimento uma fonte de liberdade e de progresso?

Adaptação de artigo publicado em O Mirante Económico, suplemento do jornal O MIRANTE, 14.Abr.1999

2 comentários:

  1. Oi Eduardo, gostei muito do texto, realmente é difícil se fazer entender quando não há o conhecimento real do assunto por parte das pessoas que não trabalham na área. Fica a expeculação, o sensacionalismo, e com alguma razão tudo o que vem à mente nesse momento pelo qual estamos passando são os acidentes, as catástrofes.

    Ninguém pensa que a luz de sua casa provavelmente vem de uma usina nuclear ou que um terremoto atingindo uma hidroelétrica (que por si só devasta imensamente o meio ambiente) pode inundar cidades inteiras à sua volta.

    Não sei como vai ser daqui pra frente, acho que teremos que esperar para ver o que acontece nos próximos dias. Mas com certeza o fantasma da "radioatividade" voltou. Espero que percebam que a educação é a base de tudo e que isso não pode ser tabu, deve ser levado às escolas sim, agora mais do que nunca. E educar os adultos também, para que o medo e o pânico não tire o bom senso das pessoas.

    Abraços,
    Vanessa

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  2. Olá Vanessa,
    É um prazer receber um comentário do imenso Brasil, tanto mais que as suas palavras acrescentam valor à mensagem que quis transmitir.
    Quando iniciei este blogue -- que um Amigo classificou certeiramente como um blogue de afectos -- não era minha ideia abordar questões ligadas à Física das Radiações, que foi a minha área de trabalho durante 40 anos, mas estou constatando agora (especialmente com visitantes do seu País) que talvez valha a pena reavaliar a ideia inicial.
    Muito obrigado pela sua contribuição.
    Um abraço,
    Eduardo

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