quarta-feira, 23 de março de 2011

Poderá a Alemanha prescindir do nuclear?

O partido social-democrata (SPD) de Gerhard Schroeder, em coligação com os Verdes alemães de Joscka Fischer (realista) e Juergen Trittin (fundamentalista), atingiu o poder na Alemanha há cerca de quatro meses, após ter ganho as últimas eleições gerais. Um ponto do acordo político entre o SPD e os Verdes que logo despertou a atenção foi o respeitante ao futuro do nuclear na Alemanha (por nuclear entende-se, aqui, a produção de energia eléctrica com base em centrais nucleares). No essencial, o acordo tinha em vista o encerramento das centrais nucleares alemãs, por imposição dos Verdes.

Sem falar da reacção imediata de países como a França e o Reino Unido, que têm interesses económicos directos relacionados com a indústria nuclear alemã, a questão interna que se coloca actualmente é esta: Será exequível o acordo entre o SPD e os Verdes, quanto ao nuclear? Poderá a Alemanha prescindir das suas centrais nucleares, mesmo a prazo? A resposta a estas duas perguntas, a meu ver, é negativa.

A Alemanha tem em funcionamento 20 grupos electroprodutores (um grupo electroprodutor é o conjunto formado por um reactor nuclear e pelas máquinas que lhe estão associadas para gerar electricidade; uma central nuclear pode ter 3 ou 4 grupos, por exemplo). A respectiva potência instalada é da ordem de 22 mil milhões de watts de energia eléctrica. E a quantidade de electricidade produzida anualmente mediante as centrais nucleares (cerca de 160 mil milhões de quilowatts-hora) corresponde a 32% da electricidade total produzida por todas as vias (sobretudo, centrais termoeléctricas convencionais e barragens hidroeléctricas, para além das centrais nucleares).

Perante estes números, pergunta-se:
• Como será possível encerrar as centrais nucleares na Alemanha, sem originar problemas vários e complexos?
• Que alternativas energéticas poderão ser adoptadas para satisfazer a procura de electricidade, em especial por parte da poderosa indústria alemã?
• Que outras fontes de energia primária poderão ser utilizadas para preencher a lacuna criada pelo encerramento das centrais nucleares?
• Serão os combustíveis fósseis (carvão, fuelóleo, gás natural), com a correspondente produção anual de dezenas de milhões de toneladas de óxidos gasosos (de carbono, azoto e enxofre)?
• Neste caso, como poderá ser compatibilizada a decisão política alemã com o esforço que vem sendo feito, a nível internacional, para reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa na Terra?

São interrogações deste tipo que levam a admitir que o acordo entre o SPD e os Verdes alemães, no tocante ao nuclear, não é para ser cumprido. Tudo indica que as centrais nucleares alemãs continuarão a produzir a energia eléctrica de que a Alemanha não pode prescindir. O tempo mostrará se a previsão está certa ou errada.


Adaptação de um artigo publicado no suplemento de Economia do jornal O MIRANTE em 03.Março.1999

NOTA – Uma notícia veiculada pelo jornal PÚBLICO um ano depois (20.Março.2000), dava conta de uma decisão do partido ecologista alemão que veio dar razão às dúvidas levantadas no artigo/post acima. No essencial, a notícia dizia que «Os Verdes alemães (...) abandonaram o objectivo de encerramento imediato de todas as centrais nucleares», tendo aprovado um «compromisso (...) para que os 19 reactores existentes no país só venham a ser desmantelados até ao ano 2018». E a justificação veio de Joschka Fischer, ministro dos Negócios Estrangeiros: «Quando estamos no Governo não podemos ser Verdes puros»! Como sempre, uma coisa é ter uma cor na oposição e outra é manter essa cor no exercício do poder...

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