quarta-feira, 2 de março de 2011

O Gato que Ensina Gaivotas a Voar...

Sabe” dizia-me a mãe dela “eu gostava que a Maria lesse mais... ela até escreveu um texto para Português a dizer que não lia muito, nem gostava muito de ler porque nunca tinha encontrado um livro que lhe tivesse tocado o coração...” e continuava “Ela não o mostrou à professora? É que ela gosta tanto de Ciências que pensei... mas, provavelmente, teve receio de a magoar, pois gosta de si, gostou muito dos seus livros e não deve ter querido que ficasse a pensar que não lhe tinham tocado o coração...”.

Aquela conversa perturbou-me. Uma escritora tem de ler muito, tem de amar a leitura até não poder passar sem ela. Bebê-la de um trago, ou lenta e pausadamente, dependendo da ocasião, do livro escolhido. A Maria sem ler, a Maria sem livros, era uma imagem que eu não queria ter comigo. Uma imagem que não fazia sentido.

Procurei nas minhas prateleiras uma ideia, uma resposta por entre os amigos que por lá se encostam uns aos outros, meio desalinhados de tão remexidos... E o olhar levou-me até Sepúlveda: “História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar”.

Há duas semanas atrás, numa aula de Ciências, entreguei-lhe discretamente o livro. “Lê quando te apetecer, demora o tempo que quiseres e no fim diz-me como foi.” Não precisei de lhe pedir que fosse sincera, porque sei que o é sempre.

Ontem não resisti e perguntei sorrateiramente (não queria pressioná-la, mas a curiosidade é um defeito que tenho). A Maria respondeu-me baixinho: “Já li três capítulos e estou a adorar!”. Os olhos brilhantes reforçaram as palavras sussuradas.

Não sei se vai ser este o tal livro, ou outro que um dia cruze o seu caminho...

Sei que prometo não sentir ciúme.

Afinal, se os meus livros não tocaram fundo o coração da Maria, terá sido para dar lugar nele, quem sabe, ao livro do grande Luís. Com a vantagem de ser eu, e não o Luís, quem vai ter a sorte e o prazer de a conhecer e de a ver crescer à minha frente... a ela e a todos os meninos que me levam pela mão até onde se esconde a realidade mais mágica de todas (aquela que alguns conhecem e nenhum livro conta). Serei eu a acompanhá-los na descoberta de alguns mistérios da vida, dos animais, do corpo humano, a ajudá-los a entender a importância de reciclar e mais tantas outras coisas, durante dois anos inteirinhos.

O Professor vai ser sempre uma espécie de Soldado Desconhecido, uma Sereiazinha que salva secretamente o Príncipe para depois o entregar nas mãos de uma Princesa.
Vai ser sempre o Gato que ensina Gaivotas a voar.

Não quer, nem espera mais do que isso...
...mas comove-se (esquece as dores e os dias escuros) quando um dia mais tarde alguém se lembra dele com saudade.
Quando descobre que, afinal, ficou guardado em mais corações do que aqueles que se atreveu a imaginar.


Teresa Martinho Marques
http://tempodeteia.blogspot.com/
13.Janeiro.2006

Excerto de um texto publicado no Correio da Educação,
CRIAP / ASA, N.º 214, 28 de Fevereiro de 2005

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