sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A Josefina e os outros

Os tempos de liceu em Santarém foram um marco importante na vida de quem por lá passou. Local privilegiado, o liceu acolhia, como hoje, muitos alunos, oriundos da cidade e arredores. Ali passei alguns anos por entre as agruras do ensino à moda antiga e as alegrias comuns da adolescência, repartida nessa época pela escola, a família e... pouco mais.

Lembro os professores Dr. Jacob, Dr. Guerreiro, Dr. Neto (ao qual associo sempre o “ultraje" cometido sobre «Os Lusíadas", com o texto dissecado impiedosamente pelas orações gramaticais)! Ainda o Dr. Lobato de Faria e tantos outros. Revivo o medo das matérias mal preparadas (nós, os cábulas) e os sempre alinhados e serenos colegas, os «ursos» da turma. Como exemplos, aí temos a Catarina, pediatra em Santarém; o José Nisa, músico e político; o Rui Pena, figura destacada do CDS. No lado oposto, a Josefina, presença muito viva nas minhas recordações [na foto, última fila, com blusa branca]. Ela chegou um dia, após expulsão dum colégio de freiras em Abrantes. À distância, tenho alguma dificuldade em transcrever o que significou para nós esse encontro. Sei que a Josefina gozava de permanente bom humor, muito característico, confesso. Desconcertante, ousada. Os professores reconheciam-lhe a graça e tinham dificuldade em conter o ímpeto das suas larachas. Fazia tropelias sem conta ao professor de inglês, desestabilizava as lições de física do Dr. Rúben, desafinava propositadamente o canto coral do maestro Joel Serrão, que muitas vezes optava por dispensá-Ia logo no início da aula.

Foi assim, repartidos pelo estudo e as brincadeiras, os exames e os divertimentos possíveis, que todos nós crescemos.

Lanço um último olhar para o pátio do liceu: há quem jogue o ringue, salte à corda, converse. Usamos batas pretas e soquetes brancos. No primeiro andar, pelos vidros expressamente mandados pintar pela escola, os rapazes espreitam-nos. Os vidros foram expressamente riscados por eles... Os contínuos vigiam. Alguns pertencem à PIDE, diz-se. A campainha toca. Deixamos ruidosamente o recreio. Encontrar-nos-emos todos, de novo, na aula que vai começar já.

Crónica de Maria da Piedade Pinheiro Martinho publicada no jornal O Mirante em Março de 1991

Sem comentários:

Enviar um comentário