sábado, 4 de dezembro de 2010

Contra o radão, arejar, arejar!

Um familiar residente na Guarda fez-me chegar às mãos o recorte de um artigo publicado pelo jornal Terras da Beira no passado dia 11 de Janeiro, intitulado “Alta concentração de rádio na Guarda”. Lido o artigo com a atenção que ele merecia (por saber que diz respeito a um assunto que, de vez em quando, vem para as páginas dos jornais e é motivo de preocupação), pareceu-me adequado elaborar o presente texto, basicamente com três finalidades: fazer uma correcção de carácter técnico, esclarecer algumas questões de carácter científico e propor uma recomendação de carácter prático.

A correcção de carácter técnico diz respeito ao título, onde parece haver um equívoco, que se propaga, aliás, ao longo do artigo. Julgo que, onde se lê "rádio", deveria ler-se "radão". “Alta concentração de radão na Guarda” seria, pois, o título correcto. O rádio e o radão são dois elementos químicos diferentes, com propriedades distintas. O equívoco pode ter resultado de o grafismo das palavras radão e rádio ser relativamente próximo, mas não deve confundir-se uma coisa com a outra.

Sem pretender exagerar nos detalhes científicos, poderá ser útil dar a conhecer a origem do radão, bem como as suas propriedades características, para o poder “combater” com melhor conhecimento de causa.
1. Nesta problemática do radão, um elemento químico de referência é o urânio, porque é ele a origem primeira (o “pai”, digamos assim) de uma série de espécies atómicas radioactivas, onde se inclui a variedade de radão que é objecto de estudo pelos especialistas em protecção contra radiações.
2. O urânio existe na Natureza um pouco por todo o lado e, em particular, em zonas geológicas de tipo granítico. A variedade de urânio mais abundante é uma espécie atómica que se designa por urânio-238, a qual constitui mais de 99 por cento de todo o urânio natural. O urânio-238 é radioactivo, o que significa que emite, natural e espontaneamente, um certo tipo de radiação.
3. Em consequência da emissão de radiação, o urânio-238 transforma-se noutra espécie atómica radioactiva, o tório-234. O tório-234, por sua vez, também é radioactivo e, portanto, também ele emite radiação e se transforma noutra espécie atómica radioactiva, etc., etc.
4. Assim, o urânio-238 dá origem a uma família de espécies atómicas radioactivas, que começa no urânio-238 e acaba no chumbo-206, que é estável. A família radioactiva compreende, sucessivamente, o urânio-238, o tório-234, o protactínio-234, o urânio-234, o tório-230, o rádio-226, o radão-222, o polónio-208, etc., etc. e, finalmente, o chumbo-206.
5. Ora, o radão-222, descendente directo do rádio-226, é que é o “famoso” radão que constitui motivo de apreensão para as gentes beirãs. Pode perguntar-se: porquê o radão-222, em especial, e não as outras espécies atómicas radioactivas que fazem parte da família do urânio-238? No essencial, a resposta é a seguinte: o radão-222 é a única espécie atómica que é um gás (os restantes são sólidos). Em consequência, o risco para a saúde das pessoas decorre do facto de o radão-222 (que é um gás radioactivo, insiste-se) poder ser inalado e alojar-se nos pulmões. Acresce que a radiação emitida pelo radão-222 é constituída por partículas alfa, que têm um efeito localizado gravoso.

Dada esta explicação, podemos agora, sem perda de rigor, adoptar a palavra radão para significar, exactamente, a espécie atómica radioactiva designada por radão-222. Este código de entendimento tem a vantagem de simplificar a linguagem, sabendo-se no entanto do que é que se está a falar. É de admitir que o leitor esteja, nesta altura, em condições de compreender sem dificuldade as seguintes afirmações:
a) O aparecimento de radão, num determinado local, está relacionado com a existência de urânio nesse local, o qual, por sua vez, aparece associado, em particular, a zonas geológicas de tipo granítico ou à utilização de materiais graníticos.
b) Se uma casa for construída numa zona granítica, ou se as suas fundações forem em granito, ou se as paredes forem em granito, ou se for utilizada areia granítica nas fundações ou sob a forma de argamassa, então é muito provável que o radão apareça no interior dessa casa em concentrações mais ou menos elevadas, sobretudo ao nível de caves ou do piso térreo.
c) O radão constitui um factor de risco para a saúde porque é um gás radioactivo, e porque, se existir em concentrações elevadas no ar que respiramos, pode ser nocivo para os pulmões.

Finalmente, a recomendação de carácter prático. Se o leitor tiver uma casa que, no todo ou em parte, corresponda à descrição feita acima, há uma medida preventiva simples que se impõe tomar: areje a casa, areje a casa o mais possível. Abra as janelas, faça circular o ar, deixe que o ar do exterior substitua o ar interior de sua casa. Com a simples renovação do ar, consegue-se normalmente fazer baixar a concentração de radão para níveis razoáveis. É claro que esta é uma medida preventiva de efeito imediato, mas ela não exclui, obviamente, o interesse de um aconselhamento específico junto de quem possa prestar apoio técnico-científico apropriado. [Consultar http://www.itn.pt/ (Unidade de Protecção e Segurança Radiológica)]

Artigo publicado no jornal Terras da Beira em 25 de Janeiro de 2001


Distribuição das doses médias recebidas pela população mundial devidas a fontes de radiação naturais e artificiais. Note-se que o radão (radiação natural) é responsável por quase metade da dose total (48,3%) .

Ilustração inEnergia Nuclear – Mitos e Realidades” de Jaime Oliveira e Eduardo Martinho
Edição O MIRANTE, 2000 (200 págs.)

4 comentários:

  1. Medi os níveis de radão no meu gabinete (térreo e com granito nas paredes), localizado na Beira, e onde passo 8 horas diárias consecutíveis há mais de 20 anos. O resultado foi de 2.154 Bq.m-3. Outros pontos há no mesmo edifício (cave) que chegam perto dos 9.000. Níveis medidos com a janela frequentemente aberta para um espaço que apenas é aberto por cima...lembre-se que o radão é mais denso que o ar. Muitas vezes ponho a fazer corrente de ar, mas o ar também vem de dentro do edifício... Já tive cancro, assim como ouros colegas. Embora não tivesse sido dos pulmões, o ar entra e espalha-se por todo o corpo. Que há a fazer nestes casos? Obrigado.

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    1. Tal como refiro na parte final do artigo, no caso em apreço é conveniente o “aconselhamento específico junto de quem possa prestar apoio técnico-científico propriado”. Consultar o Laboratório de Protecção e Segurança Radiológica do ITN (Sacavém), http://www.itn.pt/sec/psr/index.html.

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    2. Bom dia,
      Aconselho-o a contactar a empresa Lusoradon - especialistas do radão. Esta empresa tem realizado vários trabalhos em Portugal na redução dos níveis de radão em edifícios. Contacto: geral@lusoradon.pt

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    3. Só para acrescentar, arejar muito bem a casa, abrindo janelas em vários pontos da casa, no nível mais inferior da casa, para o ar circular, é importante na redução dos níveis do radão, mas quando os níveis de radão são elevados, o seu efeito é bastante limitado. Tenho experiências de casos como o seu, em que mesmo mantendo várias janelas abertas durante o dia, os níveis mantém-se altos, principalmente de noite, quando se fecham as janelas e quando as pessoas passam mais tempo dentro de casa.

      A minha empresa Lusoradon tem feito vários trabalhos de mitigação de radão em Portugal, até agora todos bem sucedidos. Mesmo em espaços com valores elevados como o que indica, da ordem dos 2000Bq/m3, já consegui reduzir para a ordem dos 200Bq/m3. Se quiser, consulte o site que tem muita informação sobre o radão www.lusoradon.com

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