Pessoalmente, no que se refere à obra poética de António Gedeão, vem da década de sessenta a descoberta do «Poema para Galileu», pela voz do incomparável Mário Viegas, e a fruição das suas «Poesias Completas». E, impressionado pela beleza ritmada das suas palavras, não deixei passar ao lado a oportunidade de enriquecer o livro com o autógrafo do Poeta, o que consegui através do seu filho, Frederico Carvalho, de quem sou colega há 35 anos, desde que fui para o laboratório da ex-Junta de Energia Nuclear, em Sacavém.
Ao ler a entrevista de Rómulo de Carvalho, lembrei-me das muitas horas que passei no jardim das Portas do Sol às voltas com o seu «Compêndio de Química para o 3.º ciclo», aquando da preparação para o exame do 7.º ano de então. Ainda hoje, quarenta anos depois, tenho bem viva a impressão da enorme clareza do seu livro. Quase poderia dizer, sem exagerar grandemente, que o que sei dos fundamentos da química orgânica, por exemplo, vem desse tempo. Mas Rómulo de Carvalho, além de Professor que despertou muitas vocações, é também um grande divulgador de Ciência. A sua «Física para o Povo», por exemplo, ocupa um lugar destacado nas minhas estantes. Espero poder oferecê-la, um dia, ao meu neto.
Deixando de lado as memórias (que recordar também é viver), são dois os propósitos que me levam a escrever estas linhas. O primeiro, consiste em associarmo-nos, eu próprio e O Mirante, à homenagem nacional a Rómulo de Carvalho, em boa hora promovida pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia por ocasião do seu nonagésimo aniversário. O segundo, resulta do interesse de levar até aos leitores do jornal (aos professores, em especial) as passagens da entrevista em que Rómulo de Carvalho se refere ao Ensino. Assim, passo a transcrever livremente o que julgo ser o essencial do seu pensamento sobre este tópico.
«(...) o ensino, que agora é posto como estando numa situação caótica, sempre esteve assim. Sempre foi muito mau, em todo o tempo. Agora, põe-se mais em relevo essa situação, dada a facilidade que os estudantes têm em manifestar o seu descontentamento.
A que se deve essa má qualidade do ensino?
Os alunos, como jovens que são, naturalmente não lhes agrada estarem presos numa aula. O professor tem de ter qualidades muito humanas e saber expressar-se, manifestar as suas ideias. Os alunos agradam-se disso. Tal como deliram com as experiências. Mas muitos professores não escolhem a profissão por vocação. E não se sentem à vontade, porque isto de aturar meninos, enfim... Claro que não estando os alunos nem os professores vocacionados para as suas funções, daí resulta uma inquietação, porque não se ajustam uns aos outros. E as coisas não podem correr bem. Sempre vi professores saírem das aulas e respirarem de alívio, ao chegarem à sala dos professores, por se terem livrado daquela corja.
Isso nunca lhe acontecia?
Não. Não só as aulas como os intervalos eram todos gastos com eles. E, pelo que parece, eles gostaram. Até mesmo aqueles que só me puderam conhecer pelo que escrevi, me agradecem o que fiz por eles. Tenho razões para morrer tranquilo. Fartei-me de trabalhar, sabe, fartei-me de trabalhar. E enquanto os médicos ou os advogados são considerados, citados na imprensa, os professores não. Não são colocados no lugar que lhes é devido.
Qual a linha orientadora da sua acção como professor?
Naturalmente, interessar os alunos pelas coisas da vida. E a Ciência presta-se para esse efeito. De modo que lhe recorria, frequentemente, para lhes abrir os olhos, fazê-los entender as coisas que convém serem feitas. Mas isso não é coisa que os professores aprendam nas escolas, quando estão a preparar-se para a profissão. É uma coisa natural, mas que dava resultados. Com isto não quero vangloriar-me...
Referiu-se ao entusiasmo que suscitavam as experiências laboratoriais. Essa sua prática não era corrente na época?
Não seria o único, mas raros seriam os que o faziam. Falar apenas certamente faria adormecer os alunos. Convinha ilustrar aquilo que se dizia. E as experiências são muito atraentes. Além daquilo que se quer provar, há sempre pormenores, coisas originais que os alunos vão descobrindo. Acho que o recurso à experiência é fundamental para o ensino. Pelo menos na Física e na Química. Se eu apenas falasse de teoria, os alunos podiam seguir com algum interesse, mas com certeza que as pálpebras acabariam por começar a pesar... Eu mesmo imaginei muito material para as minhas experiências. Quando estava no Pedro Nunes, pedi ao reitor que pusesse uma mesa de carpinteiro no laboratório de Física. Construía muitos objectos necessários que não havia no liceu. E imaginava outros.»
Por estas palavras (e pela sua Obra, claro), se percebe por que razão Rómulo de Carvalho é, e continuará a ser, um Professor de referência. Permita-se-me que sublinhe o que se segue, como mensagem a ponderar. Diz Rómulo de Carvalho que a aptidão para o ensino «não é coisa que os professores aprendam nas escolas, quando estão a preparar-se para a profissão, é uma coisa natural», mas também diz (desabafa?) «fartei-me de trabalhar, sabe, fartei-me de trabalhar.» Por analogia com o que é habitual afirmarem poetas, músicos, pintores e outros artistas do fruto do seu labor, tenho para mim que o que Rómulo de Carvalho nos quer dizer é isto: Na base do êxito de um professor, está a vocação, mas é imprescindível muita transpiração!
«(...) o ensino, que agora é posto como estando numa situação caótica, sempre esteve assim. Sempre foi muito mau, em todo o tempo. Agora, põe-se mais em relevo essa situação, dada a facilidade que os estudantes têm em manifestar o seu descontentamento.
A que se deve essa má qualidade do ensino?
Os alunos, como jovens que são, naturalmente não lhes agrada estarem presos numa aula. O professor tem de ter qualidades muito humanas e saber expressar-se, manifestar as suas ideias. Os alunos agradam-se disso. Tal como deliram com as experiências. Mas muitos professores não escolhem a profissão por vocação. E não se sentem à vontade, porque isto de aturar meninos, enfim... Claro que não estando os alunos nem os professores vocacionados para as suas funções, daí resulta uma inquietação, porque não se ajustam uns aos outros. E as coisas não podem correr bem. Sempre vi professores saírem das aulas e respirarem de alívio, ao chegarem à sala dos professores, por se terem livrado daquela corja.
Isso nunca lhe acontecia?
Não. Não só as aulas como os intervalos eram todos gastos com eles. E, pelo que parece, eles gostaram. Até mesmo aqueles que só me puderam conhecer pelo que escrevi, me agradecem o que fiz por eles. Tenho razões para morrer tranquilo. Fartei-me de trabalhar, sabe, fartei-me de trabalhar. E enquanto os médicos ou os advogados são considerados, citados na imprensa, os professores não. Não são colocados no lugar que lhes é devido.
Qual a linha orientadora da sua acção como professor?
Naturalmente, interessar os alunos pelas coisas da vida. E a Ciência presta-se para esse efeito. De modo que lhe recorria, frequentemente, para lhes abrir os olhos, fazê-los entender as coisas que convém serem feitas. Mas isso não é coisa que os professores aprendam nas escolas, quando estão a preparar-se para a profissão. É uma coisa natural, mas que dava resultados. Com isto não quero vangloriar-me...
Referiu-se ao entusiasmo que suscitavam as experiências laboratoriais. Essa sua prática não era corrente na época?
Não seria o único, mas raros seriam os que o faziam. Falar apenas certamente faria adormecer os alunos. Convinha ilustrar aquilo que se dizia. E as experiências são muito atraentes. Além daquilo que se quer provar, há sempre pormenores, coisas originais que os alunos vão descobrindo. Acho que o recurso à experiência é fundamental para o ensino. Pelo menos na Física e na Química. Se eu apenas falasse de teoria, os alunos podiam seguir com algum interesse, mas com certeza que as pálpebras acabariam por começar a pesar... Eu mesmo imaginei muito material para as minhas experiências. Quando estava no Pedro Nunes, pedi ao reitor que pusesse uma mesa de carpinteiro no laboratório de Física. Construía muitos objectos necessários que não havia no liceu. E imaginava outros.»
Por estas palavras (e pela sua Obra, claro), se percebe por que razão Rómulo de Carvalho é, e continuará a ser, um Professor de referência. Permita-se-me que sublinhe o que se segue, como mensagem a ponderar. Diz Rómulo de Carvalho que a aptidão para o ensino «não é coisa que os professores aprendam nas escolas, quando estão a preparar-se para a profissão, é uma coisa natural», mas também diz (desabafa?) «fartei-me de trabalhar, sabe, fartei-me de trabalhar.» Por analogia com o que é habitual afirmarem poetas, músicos, pintores e outros artistas do fruto do seu labor, tenho para mim que o que Rómulo de Carvalho nos quer dizer é isto: Na base do êxito de um professor, está a vocação, mas é imprescindível muita transpiração!
Artigo publicado no jornal O Mirante em 27 de Novembro de 1996.
NOTA - Na sequência da publicação deste artigo, recebi a seguinte mensagem do Doutor Rómulo de Carvalho (cujo aniversário do nascimento se celebra hoje):
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