segunda-feira, 6 de maio de 2013

O calculador de bolso na escola

Como este tema volta agora a dar que falar, parece fazer sentido repescar um meu artigo publicado na revista Chamusca Ilustrada em Agosto de 1980.

É quase certo que em muitas escolas primárias continua, e continuará, a ouvir-se a lengalenga da petizada, qual coro afinado: dois vezes um, dois; dois vezes dois, quatro; dois vezes três, seis... Trata-se de uma forma de memorizar a tabuada – nomeadamente a da multiplicação, que é a base do cálculo – a que estamos ainda muito arreigados. Outras formas há modernamente mais atraentes para os alu­nos, em particular quando envolvem a exploração de noções mais ou menos intuitivas e/ou fazem ape­lo a métodos audiovisuais. E no futuro como será? Que novos utensílios poderão ser empregados em com­plemento do ensino? Um, pelo menos, se perfila no horizonte.

É sabido que muitos alunos, mesmo a nível do ensino primário, começam a ter acesso a pequenas máquinas de calcular – os chamados calculadores de bolso – que eles manipulam com inegável satis­fação. A utilização generalizada das pequenas máquinas de calcular, que têm vindo a infiltrar-se de forma crescente desde 1972 nas escolas, nos liceus, na universidade, na vida quotidiana de pessoas com actividades extremamente diferenciadas, levanta um problema pedagógico, mas não só, de grande interesse e actualidade.

Que papel estará reservado aos calculadores de bolso no âmbito do ensino, nomeadamente no ensi­no da matemática? Deve-se deixar ou não que os alunos se sirvam de calculadores de bolso? No caso afirmativo, a partir de que nível? Provavelmente, como advogam alguns especialistas, a partir da altura em que as bases fundamentais do cálculo estejam inequivocamente assimiladas.

Fixado esse nível, e a ser introduzido o calculador de bolso na escola, quem o pagaria? A escola ou os pais dos alunos? Decerto a escola, porque, no caso contrário, o calculador de bolso constituiria mais um instrumento de discriminação social, já que os alunos com mais haveres ficariam beneficiados.

Como se entrevê, o problema é de índole pedagógica, mas também envolve aspectos de natureza económica. É certamente por esta razão que, oficialmente, os calculadores de bolso continuam a ser “ignorados”, mesmo em níveis de ensino onde seguramente não haveria motivos pedagógicos válidos que se opusessem à sua adopção. Um exemplo: no cabeçalho de certos pontos de exame do Ano Pro­pedêutico de 1978/79, entre várias recomendações, podia ler-se: “Não é permitida a utilização de má­quinas de calcular”. Este ano não se explicitava a proibição, mas ela mantinha-se... Ora, ao nível do Ano Propedêutico, que dá acesso ao ensino superior, não se duvida que os alunos adquiriram já as noções básicas do cálculo! E cai-se nesta situação: em casa ou nas escolas não-oficiais onde se prepa­ram para estes exames, os alunos podem utilizar, e utilizam, os calculadores de bolso na resolução de exercícios, o que lhes facilita grandemente a tarefa na medida em que os alivia de cálculos fastidiosos e, simultaneamente, lhes permite consagrar mais tempo ao essencial, que é o raciocínio; entretanto, nos exames isso está-lhes vedado, e nem sempre os professores que preparam os pontos têm o cuidado de, sem prejuízo da finalidade das provas, conceber problemas que não façam consumir demasiado tempo em operações matemáticas cansativas. 

É esta, pois, uma questão em aberto, que rapidamente virá a ganhar maior acuidade no futuro imediato, por razões que facilmente se adivinham. A nível universitário, a maior parte dos professores não se opõe à utilização das máquinas de calcular – neste caso, pertença dos alunos – antes a incentiva. Os calculadores de bolso, programáveis ou não, tal como os computadores, fazem já parte do nosso dia-a-dia, portanto é recomendável que os jovens aprendam a utilizá-los o mais cedo possível. Há apenas que definir o limiar, o ponto de partida.

Em vários países, como os Estados Unidos, a França e a Suécia, a maioria dos professores de matemática é favorável à introdução dos calculadores de bolso em turmas dos anos terminais do ensino secundário. Em Portugal, isso poderia verificar-se eventualmente a partir do actual 10.º ano de escolaridade. É um facto que a questão é relativamente complexa nas suas implicações, que carece de estudo, mas urge iniciá-lo. Não se poderá, por muito mais tempo, “passar ao lado” de uma realidade marcante da época em que vivemos.

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