domingo, 12 de junho de 2011
EINSTEIN - Um exemplo para as crianças
Terá sido porventura uma coincidência celebrar o Ano Internacional da Criança no ano em que se comemora o centenário do nascimento de Albert Einstein, mas foi certamente uma coincidência feliz. Associar os dois acontecimentos afigura-se um acto necessário à compreensão da enorme envergadura intelectual e moral de Einstein. Grande e responsável cientista, profundo humanista, amante da liberdade e da paz, defensor da justiça social, homem humilde e modesto, Einstein bem merece ser apontado aos mais jovens como um exemplo a estudar e a seguir.
«Cada homem tem certos ideais, que o orientam nos seus esforços e juízos. Neste sentido, o bem-estar e a felicidade nunca me pareceram um fim em si (chamo a esta base ética o ideal da vara de porcos). Os ideais que me iluminaram e me encheram incessantemente de alegre coragem de viver foram sempre a bondade, a beleza e a verdade. Sem o sentimento de harmonia com aqueles que têm as mesmas convicções, sem a indagação daquilo que é objectivo e eternamente inatingível no campo da arte e da investigação científica, a vida ter-me-ia parecido vazia. Os fins banais do esforço humano: propriedade, êxito exterior e luxo, pareceram-me desprezíveis desde jovem.
O meu ideal político é o democrático. Cada um deve ser respeitado como pessoa e ninguém deve ser idolatrado. É uma ironia do destino que os outros homens me tenham testemunhado tanta admiração e estima, sem culpa minha ou merecimento pessoal. Tal facto deve provir do desejo, para muitos irrealizável, de compreender as poucas ideias que encontrei com fracas forças, numa luta incessante. Sei perfeitamente que, para se alcançar qualquer finalidade organizadora, é necessário haver quem pense, coordene e, no total, assuma a responsabilidade. Porém, os conduzidos não devem ser constrangidos, mas antes poder eleger o seu chefe. Um sistema autocrático de coacção degenera, a meu ver, dentro de pouco tempo, pois a violência atrai aqueles que são moralmente inferiores e, em regra, no meu entender, aos tiranos de génio sucedem-se geralmente patifes.
Tudo quanto o espírito inventivo do homem criou nos últimos cem anos poderia assegurar-nos uma vida despreocupada e feliz se o progresso em matéria de organização tivesse caminhado a par do progresso técnico. Mas, assim, tudo quanto se conseguiu à custa de muito esforço, lembra, nas mãos da nossa geração, uma lâmina de barbear nas mãos de uma criança de três anos. A aquisição de maravilhosos meios de produção não nos trouxe a liberdade, mas sim a preocupação e a fome. Mas o efeito do progresso técnico torna-se mais nocivo quando fornece meios para a destruição de vidas humanas ou de produtos do seu trabalho penoso. Nós, os mais velhos, vimos isso com horror durante a guerra mundial. Mas pior ainda que a destruição parece-me ser a escravidão indigna para a qual a guerra arrasta os indivíduos. Não será horrível uma pessoa ver-se obrigada pela colectividade a praticar acções que cada um, arbitrariamente, considera como crimes medonhos? Só poucos tiveram a grandeza moral suficiente para se oporem a isto: são esses, a meu ver, os verdadeiros heróis.»
Estas são passagens de uma colectânea de textos produzidos por Einstein, em diversas circunstâncias ao longo da sua vida, intitulada “Como Vejo o Mundo” (Empresa Nacional de Publicidade, 1962). Aí se encontram também escritos dedicados a problemas de educação e alocuções a crianças, cuja leitura meditada é fonte de ensinamentos no Ano Internacional da Criança.
Educação para a independência do pensamento
«Não basta preparar o homem para o domínio de uma especialidade qualquer. Passará a ser então uma espécie de máquina utilizável, mas não uma personalidade perfeita. O que importa é que venha a ter um sentido atento para o que for digno de esforço, e que for belo e moralmente bom. De contrário, virá a parecer-se mais com um cão amestrado do que com um ser harmoniosamente desenvolvido, pois só tem os conhecimentos da sua especialização. Deve aprender a compreender as motivações dos homens, as suas ilusões e as suas paixões, para tomar uma atitude perante cada um dos seus semelhantes e perante a comunidade.
Estes valores são transmitidos à jovem geração pelo contacto pessoal com os professores, e não -- ou pelo menos não primordialmente -- pelos livros de ensino. São os professores, antes de mais nada, que desenvolvem e conservam a cultura. São ainda esses valores que tenho em mente quando recomendo, como algo de importante, as “humanidades” e não o mero tecnicismo árido, no campo histórico e filosófico.
A importância dada ao sistema de competição e à especialização precoce, sob pretexto da utilidade imediata, é o que mata o espírito de que depende toda a actividade cultural e até mesmo o próprio florescimento das ciências de especialização.
Faz também parte da essência de uma boa educação desenvolver nos jovens o pensamento crítico independente, desenvolvimento esse que é prejudicado, em grande parte, pela sobrecarga de disciplinas em que o indivíduo, segundo o sistema adoptado, tem de obter nota de passagem. A sobrecarga conduz necessariamente à superficialidade e à falta de verdadeira cultura. O ensino deve ser de modo a fazer sentir aos alunos que aquilo que se lhes ensina é uma dádiva preciosa e não uma amarga obrigação.»
Uma alocução às crianças
«Lembrai-vos de que as coisas maravilhosas que ides aprendendo nas vossas escolas são a obra de muitas gerações, levada a cabo por todos os países do Mundo, à custa de muito entusiasmo, muito esforço e muita dor. Tudo é depositado nas vossas mãos, como uma herança, para que a aceiteis, honreis, desenvolvais e a transmitais fielmente um dia aos vossos filhos.
Se tiverdes esta ideia sempre em mente, encontrareis algum sentido na vida e no trabalho, e podereis formar uma opinião justa em relação aos outros povos e aos outros tempos.»
As preocupações morais e humanas, e algumas desilusões, que o acompanharam até ao final da sua vida, temperou-as Einstein com a esperança que depositava nas novas gerações: Nas crianças reside a esperança do Mundo. Completaria 100 anos em 14 de Março de 1979, o Homem cuja memória recordamos no Ano Internacional da Criança.
Artigo publicado na revista Chamusca Ilustrada, nº 13, Maio.1979
Ilustração: Quadro produzido por Teresa Martinho Marques e Fernando Ornelas Marques, em 1983, a partir de uma fotografia de Einstein (dimensões do quadro: 87cm x 61cm)
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