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Quando lá cheguei, era grande a confusão... e a greve uma realidade. Havia movimento e vozearia, alunos excitados que discutiam em grupos, pais atónitos que não percebiam o que se estava a passar, outros que ofereciam tabefes aos filhos perante aquela rebeldia inesperada, professores que procuravam acalmar os ânimos, membros da Associação de Pais que tentavam ajudar os professores a organizar o caos.
E foi assim que me vi metido numa sala de aula, sentado à secretária do professor, tendo na frente uma trintena de jovens com idades à volta dos 12 anos. Havia-se combinado antes que se fariam primeiro reuniões parcelares, a nível de turma, para conhecer e debater as razões de queixa dos alunos. A seguir, haveria uma reunião geral no ginásio, onde se procuraria identificar os problemas mais prementes, como primeiro passo para (tentar) solucioná-los.
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Foi então que tive uma ideia salvadora. Pedi aos jovens uns minutos de atenção, para lhes propor um enigma semelhante ao que estávamos a viver, em que, animados de boa vontade, dizíamos coisas uns aos outros mas não conseguíamos entender-nos. Julgando talvez que ia contar-lhes uma história, fez-se silêncio. “Imaginem que em cima da secretária está uma esfera grande e suponham que, em verdade, eu digo que a esfera é verde e vocês afirmam que a esfera é vermelha. Como explicar isto?”
Apanhados de surpresa, ficaram a pensar no assunto. Então, a pouco e pouco, fui encaminhando-os para a solução do problema. Levei-os a compreender que, se trocássemos de posição, eles poderiam observar o que eu via e eu poderia observar o que eles viam. E concluiríamos que, afinal, a chave do enigma era simples: a esfera era bicolor! Embora o objecto fosse o mesmo, a perspectiva em relação a ele era diferente, portanto as afirmações eram diferentes. E, no entanto, ambas eram respeitáveis, porque honestas.
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Crónica publicada no jornal O MIRANTE em 27.Abril.1993
Ilustrações:
http://www.museudapessoa.net (1.ª)
http://vaninha-pedagogia.blogspot.com (3.ª)
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