A Lei n.º 46/2005 estabelece, explicitamente, que «O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos». Dito isto, e apenas isto, parece não haver qualquer dúvida de que a finalidade da lei é evitar a eternização dos autarcas. Findos três mandatos consecutivos, os senhores presidentes cessam funções, ponto final. E percebe-se que assim seja, porque já Eça de Queiroz dizia: “Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão”.
Diz-se
que, em política, o que parece, é. Todavia, neste caso da limitação dos
mandatos autárquicos, uma disposição legal que é clara e óbvia tornou-se
misteriosamente numa dúvida obscura. Parece que por duas razões: (1) porque a
presidência da república descobriu ao fim de oito anos (!) que, na fase de
publicação da lei, havia sido trocado um “da” por um “de”, e (2) porque se
aproximam as eleições e a certos políticos convém mais o “da”. Para mim – que
sou um simples cidadão e não tenho os pergaminhos das numerosas e mui ilustres
personalidades que têm perorado sobre este momentoso problema – esta
tergiversação dá-me vontade de rir, para não dizer que me dá vontade de vomitar.
Já
agora, aproveito para chamar a atenção para um pormenor da lei que não tem sido
referido. No artigo 1.º aparecem duas expressões conflituantes: no ponto 1
lê-se «O presidente de câmara
municipal e o presidente de junta de freguesia (…)», mas no ponto 2
lê-se «O presidente da câmara
municipal e o presidente de junta de freguesia (…)». Não seria de
nomear uma qualquer comissão para esclarecer este gravíssimo problema?
Há
vinte anos, quando o presidente da república era primeiro-ministro, também
houve um caso muito comentado. Foi o enigma de uma certa vírgula – que estava onde
não devia estar, ou não estava onde devia estar, pouco importa – num
decreto-lei. É conhecido o valor da pontuação num texto, mas a questão é outra.
A questão é as vírgulas se permitirem andar por aí à deriva… não estarem onde
deveriam estar e com isso alterarem o sentido de leis que a todos afectam – mais
a uns do que a outros, em geral, dependendo de se ter ou não uns trocos para contratar
bons advogados.
Ainda a
propósito de linguagem, parece-me que os dicionários deveriam ser revistos.
Pelo menos é o que se infere da nova linguagem do governo. Por exemplo, o
leitor já reparou que agora, no melífluo palavreado do primeiro-ministro e do
ministro das finanças, a palavra “cortes” tem vindo a ser substituída pela
palavra “poupanças”? Deve ser porque a palavra “cortes” lembra golpes, sangue…
e a palavra “poupanças” sugere ponderação, virtuosidade! Ou estarei a tresler?
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