Ao apresentar publicamente a sua candidatura à
presidência da República, António Sampaio da Nóvoa (ASN) ficou obviamente
sujeito ao escrutínio dos portugueses, sejam eles jornalistas, comentadores ou
simples cidadãos. É assim que funciona a democracia. Pretende-se neste post contribuir
para o escrutínio de ASN enquanto reitor da Universidade de Lisboa (UL) durante
dois mandatos (2006-2013). Antes, porém, afigura-se oportuno evocar outras
intervenções públicas afins.
1. João
Miguel Tavares (JMT), no artigo “O burocrata Sampaio da Nóvoa”
(Público, 23.Junho.2015), comentou o caso de um pedido formulado por um grupo
de moradores de Oeiras no sentido de embargar as obras de ampliação de um lar
de acolhimento para adultos com paralisia cerebral. Soube-se pelos jornais que
ASN fora o primeiro signatário deste pedido. Face ao esclarecimento dado
posteriormente por ASN para justificar a sua acção, JMT afirmou o seguinte: “parece-me
extraordinário que um homem dado a discursos tão empolgantes (…) troque
subitamente o idealismo mais elevado pela mais deslavada resposta burocrática
só porque está em causa o jardim ao lado de sua casa.”
Houve quem não gostasse desta opinião e classificasse o
artigo como um “exemplo de parvoíces elevadas a artigo de opinião num dos
jornais de referência”. JMT retomou o assunto no artigo “A falta de
escrutínio em Portugal” (Público, 02.Julho.2015), onde esclareceu que “o
escrutínio de um político, sobretudo numa eleição unipessoal, é muito mais do que brincar aos polícias: implica
saber o que fez, com quem fez, quais as suas opções de vida, de onde vem, que
decisões tomou, grandes ou pequenas, na medida em que elas contribuam para
traçar o perfil de quem se propõe ocupar o cargo mais elevado da nação.”
2. Em
contraposição, Jorge Ramos do Ó, professor associado do Instituto de Educação
da UL, num artigo laudatório intitulado “O efeito Sampaio da Nóvoa”
(Público, 30.Junho.2015) enaltece, compreensivelmente, as qualidades do seu
colega, que conhece “há mais de 25 anos”. Desse artigo, chamaram-me a atenção
duas passagens respeitantes à UL.
A primeira é esta: “(...) enquanto reitor da
Universidade de Lisboa, e além do governo da instituição, [Sampaio da Nóvoa] estabeleceu pontes e
articulou ideias suficientes das quais resultaram a mais importante
transformação – a fusão com a Universidade Técnica em 2013 – que a instituição
sofreu desde a sua fundação, há pouco mais de um século atrás”. Sobre esta matéria, há quem
pense que se tratou de um “casamento de conveniência”, mas ainda é cedo para
avaliar os eventuais ganhos de escala resultantes da fusão. Uma coisa é certa:
no ranking das universidades, a UL continua numa posição modestíssima, sendo superada
até por universidades portuguesas mais novas, nascidas quando o Prof. Veiga Simão era
ministro da Educação.
A segunda prende-se com uma afirmação forte:
“Bateu-se por uma universidade do amanhã (…)”. Julgo ter razões
para duvidar que ASN se tenha batido, verdadeiramente, “por uma universidade do
amanhã”. As instituições só podem melhorar “amanhã” através de um esforço
porfiado de reconhecimento do mérito “hoje”, e não através de continuadas
relações de consanguinidade baseadas em preconceitos e em formas de compadrio.
Ora o sistema de avaliação (do mérito) vigente na UL é deste tipo e ASN foi
incapaz de o modificar enquanto reitor. Discursos retóricos podem empolgar
certas plateias, mas não resolvem problemas estruturais graves.
Vejamos duas histórias, uma ficcionada e outra real, que
servem como ilustração do não reconhecimento do mérito na UL.
3. A
história que se segue é ficcionada, mas traduz a lógica de funcionamento do
sistema, muito em especial quando se trata de concursos para preenchimento de
vagas de professor catedrático. Vem no livro “Um Crime na Teia
Universitária” da autoria de um professor da Faculdade de Ciências da
UL (Chiado Editora, 2013). Eis três passagens da fala do director da Faculdade
aquando de um diálogo com o professor responsável pelo Departamento em apreço.
«― Bem Guido, como sabes, após as últimas
reformas de vários colegas, o teu Departamento tem um número de professores
abaixo do número máximo que lhe é permitido ter. Por isso falei com o Reitor e
aceito abrir lugares de professor para o vosso Departamento, entre eles um de
catedrático. Mas não queremos contratar alguém de fora, nem abrir o concurso a
toda a gente, a ideia é promover um dos nossos professores associados com
agregação.
― Bem, fazemos aquilo que se chama um concurso
com fotografia. Vocês no Departamento decidem quem querem promover. E abrimos o
concurso ajustado a essa pessoa, escolhendo por exemplo a área de trabalho
muito bem definida.
― E mais: tens de escolher um júri para o
concurso que seja favorável ao que decidirem. Nota que a lei obriga a que os
membros externos estejam em maioria. Por isso tens de garantir que pelo menos
um irá votar tal como os membros internos. Os restantes não interessam nada.
Servem só para enfeite.»
A história prossegue com a análise dos currículos dos
candidatos internos e com a reunião dos professores catedráticos do
Departamento destinada a escolher “o” candidato. Fica-se então a saber que «A
Ilda era a candidata que tinha melhor currículo e que seria mais justo
promover. Mas ele [Guido] detestava a Ilda, sabia que tinha
mau feitio e antipatizava fortemente com ela.» A partir daqui podemos
imaginar o resto: a Ilda é preterida, apesar de ser a mais competente, e o
escolhido é o Geraldo, uma espécie de lacaio de Silvino, que era o catedrático dominante...
4. Curiosamente,
conheço uma situação que corresponde “exactamente” ao caso romanceado no livro. Conta-se em poucas palavras:
(1) Por
aviso assinado por Sampaio da Nóvoa em 02.Agosto.2011, foi aberto um concurso geral para professor catedrático do
departamento de Geologia da Universidade de Lisboa. Como o concurso foi aberto em plenas férias de Verão (!), não surpreende que tenham concorrido apenas dois candidatos internos - um candidato e uma candidata - e zero candidatos externos (estes poderiam provir de outras
universidades, inclusive estrangeiras, dado que estes lugares são sempre muito apetecidos).
(2) O
júri, escolhido a preceito, decidiu logo à partida chumbar em mérito absoluto (!) o candidato
com melhor currículo (ver AQUI) e deixou em cena a candidata
restante (ver AQUI).
(3) Resultado
óbvio do concurso: o melhor candidato foi eliminado e a candidata foi
promovida.
(4) O
candidato injustiçado ainda recorreu, mas a decisão final do júri foi homologada por Sampaio da Nóvoa que, com a sua assinatura, a converteu
no acto administrativo necessário (e suficiente) para a concretização prática
da finalidade do concurso.
Neste
processo acabou por se verificar ainda uma outra incongruência reveladora do
modo como o sistema funciona: o concurso foi aberto para
preencher “um” lugar de professor catedrático na especialidade “X”,
mas, em consequência do concurso, o departamento de Geologia passou a
ter “dois” professores na especialidade “Y” (a candidata
aprovada e o então presidente do Departamento) e “nenhum” professor
na especialidade para que fora aberto especificamente o concurso por Sampaio
da Nóvoa.
Quer isto dizer que, num aspecto tão crucial para uma “universidade
do amanhã”, ninguém cuidou de cotejar o resultado final do concurso com o objectivo inicial que
motivou a sua abertura. Em termos populares, dir-se-ia que ninguém cuidou de saber por que
razão não deu a bota com a perdigota.
E assim vamos vegetando nesta "pátria parada à beira de um rio triste"...
PS – A história real do concurso pode ser
lida AQUI.
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Pausemos então...
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