sexta-feira, 22 de junho de 2012

Viagem ao Mundo da Luz

Pergunta-se a uma criança: O que é um arco-íris? Como aparece? E a surpreendente resposta poderá ser: Eu acho que é um senhor com um pincel nas costas e sobe um escadote bem alto… atira-se cá para baixo e vai fazendo riscas no céu pelo caminho… ou então: As pessoas que já foram para as nuvens ficam lá em cima a segurar o arco-íris e encaixam o arco-íris no céu.

Perante estas imagens o Educador interroga-se, por segundos, sobre o direito de as objectivar enveredando por um caminho experimental em busca de respostas mais rigorosas. E o verdadeiro desafio passa a ser este: Como desenvolver um projecto de educação científica sem perder a riqueza da leitura divergente, poética e artística dos fenómenos estudados.

Foi assim que, para a planificação e desenvolvimento do Projecto “Viagem ao Mundo da Luz”, desenvolvido no Jardim de Infância do Vimeiro ― que mereceu o primeiro lugar ex-aequo na 8.ª edição do Prémio da Fundação Ilídio Pinho “Ciência na Escola”, em 2009/2010 subordinado ao tema Artes da Física ― resolvi rodear-me de um assessor científico, investigador em Física, Eduardo Martinho, e de dois assessores para as artes plásticas: os pintores Paulo Quintas e Marta Soares (pai e mãe de duas crianças do grupo).

O Projecto “Viagem ao Mundo da Luz” procurou pesquisar fenómenos da Física em três domínios essenciais: refracção da luz, reflexão da luz e sombra. O percurso passou pelo levantamento de ideias prévias sobre fenómenos como o “arco-íris” ou outros e também pela exploração plástica dos temas. As sessões experimentais realizadas dentro e fora da sala, com luz natural e artificial, em torno de fenómenos como a decomposição da luz no seu espectro de cores, a exploração de sombras e de reflexos, originaram múltiplos registos gráficos e verbais, discussões muito interessantes (registadas ao longo do projecto) e muitas descobertas progressivamente mais concretas e científicas.

SESSÕES EXPERIMENTAIS

Além de uma sessão orientada pelo Físico colaborador do Projecto, com recurso a luz laser, sobre características da propagação da luz, criaram-se situações nos seguintes domínios:

Refracção da luz
Com a utilização de tabuleiros, frascos e tinas de vidro, cristais, objectos diversos em vidro facetado, réguas transparentes, água, espelhos, um prisma óptico e uma fonte de luz natural ou artificial, criámos dezenas de arco-íris. As descobertas foram registadas…

Fizemos um arco-íris com uma régua na rua e era muito comprido e fininho!

Se o sol passa nas gotas da chuva o arco-íris fica redondo, se passa na régua fica direitinho.

Se as gotas fossem quadradas fazia um arco-íris quadrado! Era o arco-íris do Elmer

Aos poucos as conclusões foram-se encaminhando para a resposta científica:

A luz parece branca mas quando passa por coisas tem as cores misturadas

Reflexão
A fantástica descoberta da reflexão múltipla da imagem com a utilização de dois espelhos de dança, originou as teorias mais diversas:

Os espelhos fazem fotocópias nossas. Se nós mexermos um dedo… todos no espelho mexem um dedo!

Não são fotocópias. São reflexos! Um reflexo é o que no espelho está igual a nós! Dois espelhos fazem muitos reflexos!

Se estiverem os espelhos assim à frente um do outro é como clones! Um clone é repetir uma coisa que existe!

A exploração dos reflexos continuou na sala, às escuras, com o foco do projector de diapositivos a incidir em espelhos mandados recortar com diferentes formas geométricas e figurativas. Com papel celofane íamos alterando a cor do foco e, logo, a cor do reflexo. No exterior, com luz natural, também experimentámos realizar construções tridimensionais sobre placas de espelho, o que levou o grupo à descoberta de simetrias.

Sombra
A sombra foi explorada em sala escura, com um foco de luz e uma superfície de parede branca. Grupos de crianças construíam cenografias tridimensionais de grandes dimensões com materiais diversos, alguns opacos (blocos e tubos de cartão) e outros transparentes e semitransparentes coloridos com papel celofane e manga de plástico. Também no exterior, com luz do Sol, verificámos e fotografámos as sombras e os reflexos de vários objectos de jogo e utensílios domésticos. A exploração de um telúrio permitiu-lhes também entender que a noite é uma enorme sombra…

Por fim as crianças tentavam destrinçar reflexo e sombra e surgiram ideias muito originais:

Também faz reflexo na água! Um reflexo somos nós feitos de água

Uma sombra é o nosso reflexo sem ser à frente do espelho!

A sombra é preta… e o reflexo é mesmo a nossa forma de corpo e de cara.

A sombra não tem olhos!

Construção de materiais
A construção e exploração de materiais, como discos de Newton, espectroscópio, caleidoscópios e relógios de sol, foram proporcionando aprendizagens novas sobre os domínios pesquisados. Muito bem sucedida foi a sessão de construção de caleidoscópios, orientada pelos pais de uma criança. Construídos a partir de tubos das obras e espelhos rectangulares colocados no seu interior, proporcionaram experiências visuais fantásticas dentro e fora da sala e, de novo, conclusões muito curiosas:

Vê-se tudo aos triângulos

há três espelhos e quando se olha parecem muitas coisas.

ARTE E LITERATURA PARA A INFÂNCIA

Existiu um constante cuidado no permear o Projecto com imagens artísticas que fizessem sentido como leitura divergente dos domínios abordados. No domínio da refracção, exploraram-se pinturas de Hilma Af Klint, Hundertwasser e algumas obras do escultor britânico de Land Art Andy Golsworthy; no contexto da reflexão recorreu-se à pintura de Dali, Monet, Caspar David Friedrich e Fernand Khnopff;  já quanto às sombras descobrimos as instalações em materiais e desperdícios industriais da dupla britânica Tim Noble e Sue Webster.

Também a literatura para a infância enriqueceu o projecto com uma leitura mais lúdica e fantasiosa dos domínios explorados. Aqui recorreu-se a obras de diferentes origens e línguas (Portugal, Coreia, Inglaterra, América…). Livros tão belos como “Espelho” de Suzy Lee, fantasiosos como “The rainbow goblins” de Ul de Rico ou divertidos como ”Nothing sticks like a shadow” de Ann Tompert perdurarão, seguramente, na memória das crianças.

Para terminar o Projecto montou-se, no final do ano, no Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro, uma exposição que incluiu todo o material construído e explorado: fotografias, registos gráficos, trabalhos de expressão plástica, livros utilizados e filmagens das sessões experimentais.

Numa avaliação feita com as famílias constatou-se que as crianças:
·         Revelaram ter adquirido conhecimentos científicos sobre questões relacionadas com reflexão da luz, refracção da luz e sombra.
·         Passaram a demonstrar um interesse espontâneo por estes temas no seu dia-a-dia, detectando de forma regular estes fenómenos no seu meio ambiente e comentando-os no Jardim e em família.
·         Começaram a procurar criar em casa situações experimentais para mostrar à família alguns fenómenos relacionados com refracção da luz, reflexo e sombra.
·         Passaram a revelar mais curiosidade por fenómenos físicos em geral tentando planear estratégias para os testarem.

A semente está lançada…E como, em Educação, onde um caminho acaba, outro começa, novas aventuras nos esperam, seguramente, no mundo da Ciência.


Educadora Helena Martinho
Texto publicado na revista Cadernos de Educação de Infância n.º 95 (Janeiro/Abril.2012)
da Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI), que corresponde a uma apresentação efectuada no último Congresso da APEI.

NOTA: Neste número da revista da APEI encontra-se um artigo do Prof. Carlos Fiolhais http://dererummundi.blogspot.pt/2012/06/de-pequenino-e-que-se-torce-o-destino.html 
que é o desenvolvimento de uma comunicação apresentada também no referido congresso.

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