terça-feira, 29 de novembro de 2011

Ainda a greve geral

No passado mês de Março [1988], ocorreu um acontecimento significativo no nosso País: pela primeira vez, as duas centrais sindicais — União Geral de Trabalhadores e Confederação Geral de Trabalhadores Portugueses — convocaram uma greve geral para o mesmo dia, em manifestação de dis­cordância em relação à última versão da chamada “lei dos despedimentos” proposta pelo Governo. Dir-se-á que já está tudo dito sobre esta matéria. Talvez, depende do ponto de vista. De qualquer modo, pa­rece adequado deixar registado o facto nesta coluna, para que conste da memória colectiva deste Jornal. Uma forma de registo possível teria por base a recolha de afirmações e de passagens de escritos produ­zi­­dos sobre o acontecimento e suas repercussões. Foi esta a opção seguida.

«O Governo não se senta mais à mesa das negociações»
António Capucho, ministro, 26-03-88

«Foi a maior greve geral da história do movimento operário português»
Carvalho da Silva, coordenador-geral da CGTP, 28-03-88

«Se há greve, eu não a notei. E se a greve é geral, muito menos; tão-pouco parcial. Eu diria, quan­do muito, parcialíssima»
Cavaco Silva, primeiro-ministro, 28-03-88

«A adesão foi superior a 80 por cento, o que envolve mais de 1,7 milhões de trabalhadores»
Torres Couto, secretário-geral da UGT, 29-03-88

«Em relação a 80 por cento do País, a greve passou despercebida»
Cavaco Silva, primeiro-ministro, 29-03-88

«A chamada greve geral não passou de um acontecimento efémero, algo que se esgotou num dia e que, portanto, pertence ao passado»
Fernando Nogueira, porta-voz do Conselho de Ministros, 31-03-88

«Mesmo aqueles que não aderiram à greve geral de segunda-feira passada deverão reconhecer que a greve ultrapassou as expectativas.
Goste-se ou não da UGT e da Intersindical, o facto é que a mensagem das centrais sindicais “passou”: ou seja, muitos trabalhadores convenceram-se de que, caso o pacote laboral venha a ser aprovado, os seus empregos ficarão em risco. (…)»
José António Saraiva, Expresso, 01-04-88

«(…) Não posso corroborar ou infirmar os números divulgados pelos sindicatos. Alguma impren­sa internacional tomou-os por bons, mas a maior parte da que eu li deu-lhes desconto em grau variá­vel. O que eu não encontrei foi um jornal, americano ou europeu, que desse qualquer crédito aos nú­meros do Governo. (…)
(…) Mas o facto de o Governo ter, ele próprio, sucumbido à tentação das ameaças tornou impre­cisas as fronteiras entre as condutas de cada um. E muitos dos que discordaram da greve queriam vê-la vencida por argumentos e meios limpos, e não por corrupções e ameaças. (…)»
Nuno Brederode Santos, Expresso, 16-04-88

«(…) E se os deputados do PSD não quiserem, como é natural que não queiram, remeter-se à in­có­­­­moda função de “caixas de ressonância” do Governo, as consequências desta greve não deixarão de se fazer sentir no formato e na embalagem exterior — mas também no conteúdo — do “pacote laboral” que esteve na origem da acção grevista. (…)»
José Silva Pinto, O Jornal, 31-03-88

«Intransigente, a bancada do PSD inviabilizou as mais de 70 propostas de alteração do pacote laboral do Governo apresentadas pela oposição. A bancada da maioria apenas foi flexível consigo própria, ao introduzir duas alterações e um aditamento ao texto do Executivo. E assim, horas e horas a fio, a oposição viu gorados todos os seus esforços para alterar um vírgula do texto. (…)
Jerónimo Pimentel, Expresso, 16-03-88

«Dizem uns:
— Não tiro nem uma vírgula!
Dizem outros:
— Não cedo nem um milímetro!
(…)
Não tirar nem uma vírgula é o primeiro passo para não tirar nem uma palavra. E, depois, um pe­ríodo. E, depois, um parágrafo. E, depois, uma página. E, por fim, o que quer que seja. Justamente, não tirar nem uma vírgula é não tirar coisa nenhuma.
Tal como não ceder nem um milímetro é o primeiro passo para não ceder nem um centímetro. E, depois, um metro. E, depois, um quilómetro. E, por fim, o que quer que seja. Precisamente, não ceder nem um milímetro é não ceder coisa nenhuma.
Mal vai o regime que se corta em arestas e se talha em abismos. Não é um regime, é uma pedreira.
Mal vai o regime que baliza as fronteiras da sua vontade, da sua acção, da sua afirmação, em vírgulas finais e em milímetros definitivos. Não é um regime, é um medo sitiado.
Ou é um totalitarismo ou não é, sequer formalmente, uma democracia
Artur Portela, Diário de Notícias, 11-04-88.

Texto publicado no jornal O Mirante, n.º 6, Abril.1988

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