quarta-feira, 15 de junho de 2016

O costume, nada que me surpreenda

No passado dia 12 escrevi uma carta à directora do Público sobre uma notícia desse dia referente à manifestação contra a central nuclear de Almaraz. Ei-la:

«Na notícia intitulada “Central de Almaraz: Rosa não quer os filhos num mundo com energia nuclear” (Público, 12/06/2016) é abordada extensamente a manifestação que teve lugar em Cáceres em que participaram portugueses e espanhóis pedindo o encerramento da central nuclear de Almaraz.
É compreensível a preocupação das pessoas que se manifestaram, que aliás vem na sequência de uma “tradição” de temores antigos. No título da notícia é que poderia ter sido evitado o toque demagógico costumeiro nestas ocasiões. Por isso, seria conveniente que alguém explicasse à Rosa que o mundo em que vivemos é radioactivo, que ela e os próprios filhos são radioactivos e emitem radiações devido ao facto de existir potássio no organismo dos humanos (onde ocorrem alguns milhares de desintegrações por segundo). Como as radiações provêm de transformações nucleares, que são manifestações de energia nuclear, seria adequado que a jornalista Maria João Lopes tranquilizasse a Rosa informando-a de que o seu desejo não pode ser satisfeito...»  
Esta carta (irónica, reconheço) não foi publicada.
O costume, nada que me surpreenda.

Entretanto, hoje é publicada a seguinte carta:
«Bomba relógio
Portugal não tem nenhuma central nuclear, existindo uma a cerca de 100 km da fronteira – a central nuclear de Almaraz (Espanha) que é refrigerada pelas águas do rio Tejo. Funciona desde 1983 e nos últimos anos já se contabilizaram mais de 50 incidentes! (... ) A central não é fiável e a cada ano que passa o risco grave – é iminente. O ‘El País’ informa que o Conselho de Segurança nuclear espanhol dá o alarme na opinião pública. Cá, especialistas consideram que este engenho, com tecnologias obsoletas, deve ser desactivado com urgência. Incidentes descontrolados terão consequências desastrosas (mortíferas) para as populações, para a actividade económica e para o rio Tejo. Deveria ter sido encerrada em 2010, mas tem licença até 2020 (!). Razões economicistas do governo espanhol para prolongar a central nuclear são mais importantes do que o rio Tejo, a vida económica, o ambiente e as populações ibéricas. Este latente perigo, deixará de o ser quando houver vítimas em Espanha e Portugal? Vítor Colaço Santos, S. João das Lampas»
Esta carta, que mete bomba relógio, tecnologias obsoletas, 50 incidentes e por aí fora, foi publicada.
O costume, nada que me surpreenda.


Não sei de que fala o leitor com as expressões “bomba relógio, “tecnologias obsoletas” e “incidentes”, por exemplo, mas julgo oportuno fazer os seguintes comentários.
Sobre a bomba relógio, um reactor nuclear não pode tecnicamente explodir como se se tratasse de uma potencial boma atómica.
Quanto a tecnologias obsoletas, a central de Almaraz é equipada com reactores PWR (pressurized water reactor), o tipo de reactor mais utilizado em todo o mundo: 286 em 445.
Finalmente, no tocante aos "incidentes", a escala INES (International Nuclear Events Scale) da Agência Internacional de Energia Atómica é suficientemente explícita para mostrar que “incidentes” é uma coisa e “acidentes” é outra... Se houver um sismo de grau 2 nos Açores, não vejo razões para ficarmos preocupados... Analogamente, porquê invocar “incidentes” em Almaraz associando-lhes consequências "mortíferas”?

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