segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O Professor como Maestro

Uma nuvem de som caótico paira sobre o palco enquanto os instrumentistas da orquestra praticam os seus diferentes papéis antecipando o início do ensaio. Quando o Maestro ergue a sua mão, há um momento de silêncio. Então começa a magia – das centenas de instrumentos sai um som único, límpido e poderoso. Comandado pelo Maestro silencioso, cada músico toca em harmonia perfeita, trabalhando no sentido da meta comum: uma performance magnífica.

Maestro Itay Talgam


O Educador é um privilegiado. Partilha, talvez apenas com o Artista, a possibilidade de  fazer uso, na sua profissão, de todos os domínios do conhecimento e de todas as formas de arte e cultura. Quantas vezes a inspiração nasce de um inesperado fenómeno físico, de um bailado, cena de filme, ilustração de livro… Tudo nos serve para construir, desconstruir e reconstruir ideais e caminhos.

Por isso, esta reflexão hoje se inicia pela mão inspirada do proeminente maestro israelita Itay Talgam, Director Musical da Orquestra Sinfónica de Tel-Aviv.

Aquando da sua  brilhante comunicação sobre liderança no programa Ted Talks: “Lead like the great conductors”, em Julho de 2009, comentava ele sobre a alegria contagiante  de um maestro dirigindo a Orquestra Filarmónica de Viena: «(…) de onde vem esta alegria? Não será só da história do maestro… mas sim do facto de este possibilitar que as histórias de outras pessoas possam ser escutadas em uníssono. Porque há a história da orquestra, dos músicos… mas também do público como comunidade… e temos as histórias dos indivíduos da orquestra e do público. E ainda outras histórias invisíveis: a história das pessoas que construíram a sala de espectáculos, dos artífices que construíram os belíssimos instrumentos. Esta é a verdadeira experiência de um concerto ao vivo (…)».

Dei por mim a pensar em como esta imagem de liderança se aplicava tão claramente ao papel do Educador que pretende fazer da “Escola” um espaço construtor de cultura. Agrada-me a ideia do Educador como um maestro que potencia e rentabiliza os diversos saberes e culturas (de crianças, equipa do Jardim, familiares, comunidade, entidades…) em prol de uma visão de Educação e da construção de um Projecto de qualidade distinta e inconfundível.

Esta reflexão faz-me regressar a um belíssimo pensamento – ou, seria melhor dizer, “declaração de intenções” – do grande mentor da Experiência de Pré-Escolar de Reggio Emilia, Loris Malaguzzi: “A transparência interactiva é um sonho nosso”.

No documento “Uma carta para três direitos”, este pedagogo refere claramente o direito das crianças a serem «construtoras da sua própria cultura e, portanto, participantes activas na organização da sua identidade, autonomia e competência, através do relacionamento e interacção com os pares, os adultos, as ideias, as coisas, os sucessos reais e imaginários do mundo comunicante». Para os pais defende o direito de participação e pesquisa e para a escola uma cultura de colaboração que ruma no sentido inverso de uma pedagogia de “receitas” geradora de vivências despidas de sentido. Só assim se torna possível concretizar um dos princípios pedagógicos que a experiência de Reggio Emilia adoptou, mas que deveria ser universal: «a ampliação do acto educativo para um plano cultural mais vasto, imerso na cultura do nosso tempo

Cada Jardim de Infância – eu diria mesmo cada grupo de Jardim – tem que ter uma visão única, um perfil estético, poético, científico e cultural específico. Procurando uma imagem plástica, diria que tem que ter uma cor… ou antes, uma paleta de cores única. Ninguém discordará deste princípio…mas, se a prática assim o comprovasse, como seria possível encontrar as vivências estereotipadas que, apesar de tudo, ainda hoje persistem em muitas instituições?

Outras perguntas fariam sentido… Como manter uma cultura de grupo numa época em que, erradamente, no domínio da educação, se tende para o formato “industrial”? Será possível que uma cultura de grupo possa sobreviver em mega-instituições onde coexistem tantas visões de Educação quantos os Educadores? Será viável criar uma cultura de Escola/Instituição sem massificar as visões de futuro e o que faz sentido para cada Educador? Teremos a capacidade reflexiva suficiente e a coragem necessária para equacionar tudo isto?

Ficam as questões. De uma coisa estou certa: o ambiente desejável será, por si só, uma autêntica escola de desenvolvimento pessoal e social para as crianças envolvidas. Crescerão com a noção clara da riqueza da diversidade, do diálogo reflexivo e da partilha. Ficarão preparadas para perceber a importância de uma liderança criativa assim como para estranhar formas de autoritarismo. Entenderão, por dentro, a forma de transformar o real a partir do cruzamento de culturas.
Rumarão à transparência interactiva recordando, aqui e além, uma batuta invisível e silenciosa que fazia a diferença na sua infância.


Helena Martinho

Artigo publicado na revista 
Cadernos de Educação de Infância
da APEI, N.º 93, Maio-Agosto.2011

Ilustração (fotos pela ordem apresentada):


sábado, 29 de outubro de 2011

Um poema de W.B. Yeats


Ele (Aedh) Deseja os Tecidos do Céu

Tivesse eu os tecidos bordados dos céus,
Lavrados com a prata e o ouro da luz,
Os tecidos azuis e foscos e de breu
Que têm a noite, a luz e a meia-luz,
Estenderia esses tecidos a teus pés:
Mas eu, porque sou pobre, apenas tenho sonhos;
São os meus sonhos que eu estendi a teus pés;
Sê suave no pisar, que pisas os meus sonhos.

William Butler Yeats


Tradução de Joaquim Manuel Magalhães em http://asfolhasardem.wordpress.com/2009/02/26/w-b-yeats-um-poema

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Os cem existem..., de Loris Malaguzzi


A criança
é feita de cem.
A criança tem
cem linguagens
cem mãos
cem pensamentos
cem maneiras de pensar
de brincar e de falar
cem sempre cem
maneiras de ouvir
de se maravilhar
de amar
cem alegrias
para cantar e perceber
cem mundos
para descobrir
cem mundos
para inventar
cem mundos
para sonhar.
A criança tem
cem linguagens
(e centenas mais)
mas roubaram-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura
separam-lhe a cabeça do corpo.
Dizem-lhe:
que pense sem mãos
que trabalhe sem cabeça
que ouça e não fale
que compreenda sem alegria
que ame e se surpreenda
apenas na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe:
que descubra um mundo que já existe
e de cem
roubaram-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe:
que o jogo e o trabalho
a realidade e a fantasia
a ciência e a imaginação
o céu e a terra
a razão e o sonho
são coisas
que não andam juntas.

Dizem-lhe em suma
que os cem não existem.
A criança diz:
ao contrário, os cem existem.


Loris Malaguzzi
(1920-1994)
Pedagogo, fundador da famosa Escola de educação pré-escolar de Reggio Emilia (Itália)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Criatividade e inovação, agentes de transformação

 «O erro de muitos políticos é acreditarem que, na educação, a melhor maneira de enfrentar o futuro é melhorando o que se fez no passado. (…) O facto é que, tendo em conta os desafios que enfrentamos, a educação não precisa de ser reformada: precisa de ser transformada
In O Elemento, de Ken Robinson (Porto Editora, 2011)

Citação de Alvin Toffler (autor dos livros Choque do Futuro e Terceira Vaga):
Enquanto o mundo está a mudar mais rapidamente do que nunca, as nossas organizações, as nossas escolas, e, demasiadas vezes, as nossas mentes, estão presas aos hábitos do passado. O resultado é um desperdício massivo de talento humano. [O livro] O Elemento é um apelo apaixonado e persuasor para pensarmos de uma forma diferente sobre nós próprios e como encararmos o futuro.

Se não as conhece ainda, não deixe de apreciar estas conversas de Ken Robinson
(vídeos munidos de legendagem em várias línguas):

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

SCRATCH: Computação Criativa – Um Guia em Português

O Scratch é uma linguagem gráfica de programação concebida no Massachusetts Institute of Technology (MIT).  O Scratch foi divulgado ao grande público e disponibilizado através da Internet em Maio de 2007. Ainda nesse ano “entrou” em Portugal através de quem primeiro intuiu as potencialidades desta ferramenta; em 2009 era defendida uma tese de mestrado na Universidade de Lisboa [ver aqui], e ultimamente tem havido um amplo conjunto de iniciativas EduScratch no campo da formação de professores com o patrocínio do MEC [cf. aqui], porque se acredita que o Scratch pode levar os jovens (inclusive do ensino pré-escolar) a desenvolver a motivação para a criação de projectos com as TIC antes da motivação para o consumo.

No passado dia 23 de Setembro foi dada a notícia, em cima do acontecimento, de que o MIT acabara de lançar um Guia Curricular para utilização do Scratch (74 págs.) [ver aqui].


Hoje, passado apenas um mês(!), existe uma versão em Português... [ver aqui] graças ao esforço e entusiasmo desta equipa:

Teresa Martinho Marques, Fernando Frederico e Isabel Campeão

ADENDA: Troca de e-mails ocorrida ainda hoje
Teresa para Prof. Mitchel Resnick e Karen Brennan
Hi Friends,
Here are some fresh news from Portugal (EduScratch Team - CCTIC - ESE/IPS  ERTE/DGIDC)!
After (precisely :)) one month of hard team work, we have finally translated to Portuguese your Scratch Curriculum Guide Draft – Creative computing.
Now you have a portuguese tool that can be spread not only in Portugal, but also on Brazil and all portuguese speaking communities. It is an amazing document and it was a great challenge and pleasure to make this version. Of course it is open to suggestions that make the translation even more perfect and accurate.
I will share it on SCRATCHED today. We are sharing it now on our sites, facebook and twitter...
All the best to you all and rest of the team
and thanks for sharing with us all this useful tools and knowledge!

Prof. Mitchel Resnick para Teresa
Hi Teresa,
Thank you for your continuing contributions to the Scratch community!

Karen Brennan para Teresa
Hi Teresa,
Wow -- what a huge amount of work, and in such a short period of time!
Thank you so much for the translation and congratulations...

ADENDA 2 (27.Out.2011): Notícia de prémio
Prof. Mitchel Resnick venceu o 2011 McGraw Prize in Education, pelo pioneirismo na educação digital com o Scratch.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Uma geração traída

O motivo por que reproduzo aqui o artigo do Dr. Pedro Lomba é porque me revejo em quase tudo o que ele diz sobre a geração de seu Pai.
[A diferença essencial decorreu de um acaso: por razões circunstanciais, 
fui isentado do serviço militar.]

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Urânio, tráfico e bombas

1. Os órgãos de comunicação social fazem-se eco, de vez em quando, de notícias dando conta de movimentos clandestinos de materiais nucleares para fins duvidosos. Desta feita, e reportando-me a notícias do princípio de Julho [1996], tratar-se-ia do tráfico de 25 quilogramas de urânio-235, de origem desconhecida e com destino incerto.
 E talvez porque havia, supostamente, dois portugueses metidos no “negócio”, o eco foi mais intenso e persistente do que é habitual. Como sempre acontece nestas alturas -- e aparte outras interrogações ameaçadoras que ficam no ar, à espera de resposta --, uma questão importante que se punha era a de saber se, com 25 quilogramas de urânio-235, seria possível construir uma bomba nuclear.
Acontece que os elementos informativos em que se baseiam tais notícias não são muitas vezes credíveis do ponto de vista técnico, o que dificulta, ou impossibilita mesmo, uma apreciação objectiva do problema.
Uma razão possível para a falta de consistência dos dados disponíveis reside, precisamente, no facto de o rigor da linguagem técnico-científica não ser compatível com a pressa com que se pretende encontrar explicações para situações que não se dominam. Nestas circunstâncias, se não houver o devido cuidado no tratamento da informação, poder-se-á estar a contribuir para semear a confusão e gerar mal-entendidos.
Embora não seja especialista em aplicações militares da energia nuclear, e correndo o risco de estar a meter a foice em seara alheia, atrevo-me a alinhavar algumas considerações sobre certos aspectos básicos que são comuns às aplicações energéticas para fins pacíficos, na expectativa de poder ajudar o leitor a formar a sua própria opinião.  

2. No caso da notícia referida acima, falou-se de “urânio-235, de “urânio enriquecido em urânio-235 e de “urânio altamente enriquecido em urânio-235. Ora, estas expressões não são equivalentes.
O urânio que se encontra na Natureza é basicamente uma mistura de urânio-238 (99,28%) e urânio-235 (0,72%). Por “urânio enriquecido” entende-se o urânio em que a percentagem de urânio-235 é superior a 0,72%. O enriquecimento do urânio, que faz apelo a processos tecnológicos muito complexos, pode ir desde cerca de 2-5% (caso do urânio utilizado em certas centrais nucleares) até valores superiores a 90% (caso do urânio utilizado nalguns reactores nucleares de investigação ou susceptível de ser utilizado no fabrico de bombas nucleares).
Em consequência, quando se fala de “urânio enriquecido (ou altamente enriquecido) em urânio-235, há que saber exactamente qual o valor do enriquecimento, porque não é indiferente que o enriquecimento seja 10% ou 95%, por exemplo.
E mais: há que saber, também, sob que forma se apresenta o urânio, porque não é indiferente que se encontre sob a forma de óxido, sob a forma de liga (com outro metal, como o alumínio) ou sob a forma de metal puro.
Ainda no caso da mesma notícia, também foi referido que o material em causa poderia ser “urânio enriquecido em plutónio”, o que é algo que não faz sentido -- como ressalta do que ficou dito antes. É possível que a utilização desta expressão resulte de informação mal assimilada, talvez por haver reactores nucleares que utilizam  misturas de óxidos de urânio e plutónio ou pelo facto de o urânio-238, uma vez irradiado com neutrões, dar lugar à formação de plutónio (elemento químico que não existe na Natureza).
Trata-se, porém, de coisas diferentes, que envolvem conceitos distintos.

3. Admitamos, então, por hipótese, que o material focado na notícia em questão era “urânio altamente enriquecido em urânio-235, com um enriquecimento compreendido entre 90 e 95 por cento, e que se apresentava sob a forma de metal puro. No que se refere à quantidade, falou-se insistentemente em “25 quilogramas”, mas também em “7,5 quilogramas”, como foi dito num telejornal. Houve quem dissesse que 7,5 quilogramas eram “suficientes” para construir uma bomba nuclear, mas houve quem dissesse que 25 quilogramas eram “insuficientes”. Houve mesmo um jornalista a quem uma “fonte segura” afirmou que 1 quilograma de urânio-235 bastava para fazer uma bomba! Ora, esta afirmação deve resultar também de informação mal assimilada, talvez pelo facto de a quantidade de urânio-235 consumida no decurso da explosão de uma bomba nuclear equivalente a 20 quilotoneladas de TNT ser da ordem de 1 quilograma. «Afinal, em que ficamos?», interrogar-se-á o cidadão comum.
Para se poder utilizar o urânio-235, concretamente sob a forma de uma esfera metálica colocada no ar, de modo a satisfazer os requisitos mínimos inerentes à chamada reacção de cisão nuclear em cadeia auto-sustentada -- condição sine qua non do funcionamento dos reactores nucleares (libertação lenta e continuada de energia) ou dos engenhos nucleares (libertação rápida de energia, com carácter explosivo) --, é necessário dispor de uma quantidade daquele material da ordem de 50 quilogramas (“massa crítica”). Todavia, a propósito deste valor, importa esclarecer o seguinte: (a) se o enriquecimento do urânio for inferior a 100%, a massa crítica é superior; (b) se a configuração não for esférica, a massa crítica é superior; (c) se a matriz em que o urânio-235 se encontrar for heterogénea, a massa crítica pode ser inferior; (d) se a esfera for envolvida em aço inox, a massa crítica é inferior; etc. Como se vê, não se pode falar, em termos definitivos, de massa crítica de urânio-235, porque o seu valor depende de múltiplos factores.
Finalmente, afigura-se conveniente sublinhar uma evidência: uma coisa é dispor de uma porção de uma certa matéria-prima, e outra coisa, muito diferente, é ser-se capaz de fabricar, a partir dela, um produto final. Por exemplo, uma coisa é dispor de umas toneladas de minério de ferro ou de alumínio e outra coisa é construir um automóvel.

Artigo publicado no semanário Expresso, N.º 1238, 20.Julho.1996

sábado, 15 de outubro de 2011

A Máquina do Mundo


O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.

Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.

António Gedeão

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Blogue, Ano I

Acontece hoje o 1.º aniversário deste blogue.


É tempo de balanço (números reportados a 09.Out.2011, 09h21):
Número de posts: 265
Número de visitas: 7 839
Número de páginas vistas: 13 467.
Os posts com mais de 100 visualizações foram os seguintes
(indica-se o autor do post quando esta referência for devida):

Fukushima, por Peter Heller (509 visualizações)
que beneficiou da citação feita por Carlos Fiolhais no blogue “De Rerum Natura”: http://dererummundi.blogspot.com/2011/04/fukushima-pelo-fisico-alemao-peter.html

Uma bruxa muito especial... (463) por Helena Martinho

De mãos dadas (409) por Maria da Piedade Pinheiro Martinho

Urânio empobrecido: O que é e como é produzido (186)

Acidente nuclear no Japão – A escala INES (184)

O Professor é um segredo... (178) por Teresa Martinho Marques

Reactor Português de Investigação - 50.º aniversário do início do seu funcionamento (110)

A saga do urânio (104)


Deixando de lado considerações que envolveriam outros membros da minha família que também colaboraram neste espaço, julgo que valeu a pena a aventura de criar o blogue Tempo de Recordardiversos escritos e registos fotográficos num blogue a várias mãos.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O Professor é um segredo...

O professor compra uma agenda nova, um caderno bonito, uma caneta verde. Prepara-se com expectativa (com esperança?) para o que o novo ano lhe trará.
O Professor é um aluno que não quis deixar a escola.

O professor zanga-se, "congelado", longe da família, horário mau, vida difícil. Faz promes­sas e juras: não gasta nem mais um minuto no fim de semana, nada de projectos loucos, nem mais um tostão do bolso, nem mais um tinteiro, uma folha de papel, gota de tinta, gota de sangue, gota de suor. Espreitem uns dias depois. O professor está, outra vez, a fazer a festa com os alunos. A festa é, quase sempre, muito maior.
O Professor tem forma de coração com memória fraca.

O professor não tem endereço electrónico. Não escreve textos no computador. Não quer. Diz que não, que não gosta, que não percebe. O professor insiste que prefere lápis e papel. Nunca, nunca conseguirá. Diz que não vale a pena. E depois... O professor pede ajuda ao filho. O professor faz formação. Aceita a mão de outro professor. O professor dá mais um passo.
O Professor é um caderno já muito cheio, onde encontramos sempre muitas folhas brancas.

O professor fala de saúde, futuro, matemática, inglês, poesia, estudo, música, informáti­ca, livros. Sabe fazer projectos, jornais, cartazes, desenhos, receitas, teatro. Cura feridas, ampara tristezas, acalma medos. Escuta segredos, dá conselhos, conta anedotas, prepara passeios, monta exposições. Dirige a escola, dirige um grupo, escreve regulamentos, prepara oficinas, constrói materiais. O Professor não sabe o que quer ser quando crescer. O professor faz muitas perguntas, por dentro e por fora dele. O professor gosta que lhe façam perguntas. O professor ensina que as perguntas são a melhor maneira de aprender. O professor acha mais difícil fazer uma boa pergunta do que dar uma má resposta. O professor ensina a perguntar. O professor não sabe todas as respostas.
O Professor é um ponto de interrogação com muitas respostas possíveis.

O professor tem medo. De não conseguir, de não ser capaz, de errar, de acertar, de se perder, de perder alguém. Tem medo de ter medo. Medo de não ter medo. Medo de avançar depressa, de avançar devagar. Medo de ficar parado. O professor tem medo que não aconteça nada.
O Professor usa o medo como meio de transporte.

O professor chora, ri. O professor sofre, mastiga desgostos, partilha-os se forem maiores do que ele próprio. Tem sonhos, tem desejos. Às vezes pinta, às vezes canta, outras escreve. Planta flores, cria borboletas, namora, ama, tem filhos, não tem filhos, representa, dança, vai ao cinema. O professor é feliz, é menos feliz, é feliz outra vez. O professor fica parado a pensar no que sente. O professor é de todas as cores por dentro e por fora. Mais do que o arco-íris. Mais do que a maior caixa de lápis de cor do mundo. Mais do que todas as cores que se podem imaginar.
O Professor do avesso é tão colorido como do direito.

O professor recomeça tantas tantas vezes, que desiste do prefixo "re". O professor caminha numa estrada que dá voltas e voltas e voltas... Não se lembra de ontem. Não sabe o amanhã. Oferece o tempo que tem.
O Professor não tem princípio nem fim.

O professor tem uma magia só dele. Um feitiço que lhe foi lançado, não se sabe quando nem por que fada. Ele é Bela ou Monstro, Princesa Adormecida, Gata Borralheira, Capuchinho Vermelho, Branca de Neve. As madrastas, os lobos, as bruxas, as trevas vão andar sempre por aí. Ele luta, história a história, contra todos eles.
O Professor tem de ser o final feliz de todas as histórias, para que o mundo se salve.

Por entre o som das palavras, o professor é cheio de silêncios que poucos conhecem. Silêncios que falam, muitas vezes, uma língua que quase ninguém se lembra de ter ouvido.
O Professor é um segredo que se deve contar em voz alta, para toda a gente ouvir.


Teresa Martinho Marques


Bom Dia Teresinha, Parabéns pelo teu Aniversário!