1. A recente indicação oficial de que se iria promover um largo inquérito, dentro e fora da Universidade, tendente a conseguir-se uma base em que se apoiaria uma futura reforma do ensino superior, deu origem ao movimento pouco usual a que se assiste actualmente em torno de tão momentosa questão. Tal movimento manifesta-se junto do grande público através, principalmente, de artigos extensos assinados por pessoas experientes e responsáveis, e de entrevistas com professores, alguns deles de craveira notável, que os jornais apresentam. Nesses depoimentos, tecem-se considerações sobre os mais variados aspectos das vicissitudes do ensino universitário, criticam-se reformas já levadas a efeito, propõem-se soluções. Em suma, teoriza-se o ensino em toda a sua extensão a partir de dados experimentais (nossos e de outros países). Nem sempre os pontos de vista concordam, e ainda bem: a probabilidade de optar correctamente também depende do número de pareceres emitidos. Acontece, porém, que a grande maioria dos leitores nem sempre estará em condições de compreender problemas abordados na generalidade ou com pormenores apenas familiares a quem vive esses problemas de perto. É necessário também utilizar uma linguagem directa, apontar exemplos concretos cujo significado esteja ao alcance do cidadão médio. Só assim a campanha poderá ser de todos, como deve, que a todos ela se destina, directa ou indirectamente.
2. Quem contacta com alunos, tendo sobre si a responsabilidade da sua preparação, como é o caso, tem sempre oportunidade de acumular conhecimentos e de verificar certos tipos de anomalias relativas ao ensino. Os dois exemplos que a seguir se apontam ocorreram aquando da realização de uma prova escrita por alunos do primeiro ano de Engenharia. Conhecendo embora a contingência e os condicionalismos dos exames, e partindo do princípio que os conhecimentos ministrados ao longo do ano são acessíveis (sob todos os aspectos) a todos os alunos, é natural pretender obter informações sobre o seu aproveitamento tão significativas quanto possível. A melhor maneira de conseguir este objectivo é através de questionários equilibrados mas pertinentes. Como a estatística das classificações não basta a uma informação completa do professor, foi perguntado a alguns alunos: - Então, que tal achou o ponto? As respostas foram variadas e, de uma maneira geral, interessantes. Todavia, ainda que uma percentagem considerável dos alunos interrogados respondesse com evidente ponderação, duas das respostas ferem a atenção. É que elas traduzem uma forma de pensar e um tipo de comportamento bastante generalizados cujas raízes se torna urgente combater.
3. O hábito de decorar – Um dos alunos respondeu descontraidamente: - O ponto era diabólico, era preciso perceber a matéria! Foram estas as suas palavras. A resposta evidencia uma habituação nefasta aos pontos “de chapa”. O aluno está viciado, desde as primeiras letras, a decorar a matéria e a “despejá-la” pura e simplesmente. Isto verifica-se tanto nas provas escritas como nas orais. Nestas provas, em particular, pode bem avaliar-se até que exageros leva tal atitude. Se se tenta aprofundar um pouco mais os conhecimentos dos alunos, verifica-se na maioria dos casos que a preparação é extremamente superficial: sabe-se enunciar uma lei, mas não se sabe aplicá-la; sabe-se dizer em que consiste um determinado fenómeno, mas não se sabe relacioná-lo com princípios fundamentais que regem a Natureza, e assim por diante. De um modo geral, os alunos estudam as matérias por obrigação e não por gosto, para passar o ano e não para as compreender. É claro que nestas condições um ponto criterioso pode ser diabólico! Cabe perguntar: como pode isto acontecer? Só se vê uma resposta: para dar, é preciso receber, isto é, se os alunos não correspondem às expectativas é porque fundamentalmente os professores não estiveram à altura da sua missão. Se somos nós que encaminhamos os passos dos alunos, a responsabilidade de tal situação não lhes deve ser endossada.
4. A falta de diálogo – E agora a outra resposta. A bem dizer, neste caso não houve resposta propriamente dita. Perante a pergunta, o aluno, entre surpreso (ou desconfiado?) e atónito, titubeou: – Bem..., e por aí se ficaria se eu não insistisse: - Não acha natural a pergunta? – Acho, sim, – respondeu – mas (hesitou) não é habitual. Com estas palavras, o aluno punha a claro outra característica anómala do nosso ensino: a falta de diálogo. O conteúdo da informação prestada pelo aluno denota um sintoma de implicações graves que urge eliminar. O professor monologa, o aluno escuta e “despeja”, o professor classifica, o aluno passa ou reprova, e o ciclo continua. Reconhece-se certamente a utilidade e, em consequência, a necessidade de praticar em larga escala o diálogo entre professores e alunos. Como poderá desenvolver-se o espírito crítico dos jovens, orientar vocações, esclarecer dúvidas, sem diálogo, sem colaboração no trabalho comum? Não se pode falar de ensino sem pressupor uma participação actuante e recíproca dos corpos discente e docente. A não atender a este imperativo, corre-se o risco de cavar um fosso entre gerações dificilmente transponível. Fomente-se, pois, o diálogo sob as formas que parecerem mais adequadas à sua rápida concretização. Não esqueçamos entretanto que, para atingir o fim em vista, deve diminuir a desproporção entre o número de professores e o de alunos, e que a iniciativa do diálogo deve partir de cima ou ser aceite quando vier de baixo.
Prof. José Veiga Simão |
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