sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Hoje quero falar de ácaros

Meu artigo publicado ontem no jornal O MIRANTE

As sociedades modernas produzem lixos e resíduos diversos que deveriam ser tratados e depositados em condições seguras, para não perturbar o equilíbrio ecológico. Esta é, certamente, uma das preocupações de aterros sanitários comunitários como o que está localizado no concelho da Chamusca. Mas não é disto que quero falar.

Para alguns dos resíduos originados pela actividade humana, ainda não foi encontrada uma solução conveniente. Por exemplo, os sais tóxicos de mercúrio e de outros metais pesados não se decompõem e montes de automóveis enferrujam nos parques de sucata, quando não nas próprias cidades e vilas. Mas também não é disto que quero falar.

Nas grandes urbes vivemos numa atmosfera carregada de substâncias nocivas, como é o caso de produtos de escape de veículos a motor. As recentes obras na Praça Marquês de Pombal, em Lisboa, foram realizadas porque a “Europa” quer, e bem, que o ar que se respira na Avenida da Liberdade seja mais saudável. Parece que esse objectivo está a ser alcançado: «Marquês de Pombal já respira melhor ao fim de 15 dias», dizia com graça um título de jornal. Mas não é sobre isto que quero falar.

Hoje quero falar de ácaros… Ou, mais precisamente, de uma recente descoberta muito interessante, ainda que por motivos diferentes dos invocados no artigo publicado numa revista científica americana. Uma equipa alemã da Universidade de Göttingen descobriu nos Alpes italianos que duas espécies de ácaros ficaram aprisionadas durante 230 milhões de anos em âmbar (resina fossilizada). Esta descoberta é relevante porque os fósseis mais antigos que se conheciam datavam de há 130 milhões de anos.

Por outras palavras, a dita descoberta dilatou em 100 milhões de anos o nosso conhecimento sobre o fenómeno de imobilização de microorganismos, em bom estado de conservação, o que poderá ser útil na gestão a muito longo prazo dos resíduos radioactivos de alta actividade – as “cinzas” (digamos assim, para simplificar) resultantes da “queima” do urânio em centrais nucleares.


Uma sequência típica de operações de gestão destes resíduos radioactivos passa pela sua imobilização numa matriz sólida adequada, num processo de certo modo equivalente ao aprisionamento de seres vivos fósseis durante milhões de anos. Ora o destino final dos resíduos em condições de segurança para as gerações futuras é uma condição essencial à utilização aceitável da energia nuclear para fins pacíficos, nomeadamente para efeito de produção de energia eléctrica de que a humanidade carece.

A história mostra que, em geral, o Homem sabe tirar partido da Natureza quando ela se constitui em fonte de conhecimento científico. É o que agora poderá acontecer com os ensinamentos decorrentes da descoberta de seres vivos fósseis imobilizados numa matriz sólida com 230 milhões de anos de existência.

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