A
política imoral
e a redução das escolhas
e a redução das escolhas
Crónica de José Vítor Malheiros
Público, 16.Outubro.2012
Mesmo que se aceite que a
divida pública é aquela que nos dizem e que toda ela é legal e legítima – o que
está longe de estar demonstrado –, o seu pagamento representa apenas uma
obrigação entre as muitas obrigações do Estado. A escolha que o actual Governo
faz, de sobrepor o pagamento da dívida a todas as suas outras obrigações –
garantir mínimos de protecção social a pessoas em situação de extrema
fragilidade, conservar para as gerações futuras o património público de que é
fiel depositário, respeitar a Constituição que jurou defender – é uma escolha
ideológica, que sobrepõe os desejos de uns poucos aos direitos da maioria.
Esta escolha, plasmada no
Orçamento ontem apresentado pelo Governo, pode ser criticada em termos económicos,
porque está a destruir a estrutura produtiva do país e porque desperdiça
competências e talentos em cuja formação a comunidade investiu fortemente na última
geração. Pode ser criticada em termos políticos, porque está a destruir
a confiança na democracia. Pode ser criticada do ponto de vista da sua legitimidade
democrática, pois esta política nunca foi sufragada. Pode ser criticada em
termos jurídicos, porque esta política faz tábua rasa de leis
fundamentais da República. Mas, para além de todas as outras críticas
possíveis, e acima de tudo, ela é moralmente inadmissível.
Ela reflecte uma escolha onde o
Governo reconhece os direitos dos mais fortes, mas ignora os direitos dos mais
fracos, onde o Governo prefere alimentar os privilégios dos poderosos, em vez
de defender os direitos dos desmunidos.
Apresentar esta política como
não tendo alternativas é falacioso. Ela não tem alternativas, quando se admite
como mandamento divino os lucros dos credores e como valor negligenciável as
vidas das pessoas. As alternativas têm aparecido às dezenas e recolhem cada dia
mais adeptos. E pretender apresentar, esta política como sendo motivada por um
justo desejo de honrar um compromisso é algo que mina a própria ideia de moral.
Não é apenas a economia ou a democracia que está a receber um golpe mortal, é a
própria ideia do bem que é violada e arrastada pela rua em
farrapos.
Não há nenhuma filosofia moral onde o pagamento de
dívidas se sobreponha a todos os outros deveres. Seria admissível que, em nome
da defesa do bom nome da família, um pai deixasse de alimentar os filhos para
pagar a dívida de jogo do tio aldrabão?
A história está cheia de
massacres cometidos em nome da pureza e do progresso. As atrocidades foram
sempre defendidas como indispensáveis para obter o progresso desejado. Não
havia alternativa. Era preciso levá-las a cabo custasse o que
custasse. Por muito sofrimento que implicassem. Reconhecem as
palavras? Esta filosofia, onde os fins justificam os meios, encheu a história
de cadáveres e mutilados. Mas é a filosofia que o Governo defende.
Custe o que custar. E se custar o sofrimento de muita gente? O fim justifica o
sofrimento. É uma operação higiénica. Temos de cortar as gorduras, acabar com
as pieguices, pôr fim aos parasitas, limpar a sociedade. Reconhecem as
palavras? São as palavras que os deputados da maioria vão aprovar. São as
palavras que justificam o massacre que se vai seguir. (…)
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