quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A Tininha

Texto de 
Maria da Piedade Pinheiro Martinho

Conheci a morena Tininha por acaso, saía ela do Hospital da Estefânia. Vinha com duas crianças, uma de meses ao colo e um menino que ela “arrastava” pela mão, com sinais de cansaço e sofrimento no rosto. Pareceu-me ouvi-la dizer qualquer coisa, como quem fala consigo mesmo. A aparência era de pessoa preocupada. Dirigi-me a ela e indaguei o motivo. Disse-me que habitava fora de Lisboa, que vinha para uma consulta com o mais crescido, mas que só à tarde o médico o atenderia. Tenho pouco dinheiro e pouco tempo para ir a casa e voltar.

Abri a carteira e entreguei-lhe o dinheiro que trazia, para que pudesse alimentar-se e aos meninos num café perto do Hospital. Agradeceu a oferta e pediu-me o número do telefone, pois queria dar-me notícias da consulta quando chegasse a casa.

E assim fez. Telefonou agradecida, referindo que voltaria ao Hospital para outra consulta. O médico tinha-a tranquilizado. Foi breve. Tenho de desligar, diz. O telemóvel teria pouco dinheiro, pensei.

No mesmo dia, meti vinte euros num envelope e enviei-o para a morada que ela me dera a meu pedido. Dias depois, seguiu uma caixa com brinquedos e alguma roupa, em correio expresso, para que tudo fosse mais simples. A caixa e o envelope levaram muito tempo a ser entregues. Soube depois que o local onde morava era uma parte de casa, e toda a correspondência passava pelas mãos do senhorio, que a entregava ao marido.

Passado algum tempo recebi um telefonema da Tininha, muito chorosa, comunicando-me que o marido, desconfiado com as ofertas que recebera, lhe estava a criar problemas... Perguntou-me se eu não me importaria de ir ao Hospital aquando da nova consulta, para ele me conhecer… Fiquei estarrecida, mas, perante a aflição dela, disse-lhe que sim.

Lá fui no dia combinado, entre nervosa e irritada com a insólita situação. Avancei pelo Hospital à procura da sala de espera. Logo vi a Tininha, com o menino ao lado. Pediu desculpa e informou-me que o marido estava lá fora com o bebé – no carro, disse ela. Ele estava no banco de trás, com o bebé ao colo. Bati no vidro e perguntei se podia entrar.

Sentei-me no banco da frente. Fui rápida na explicação. A sua mulher estava preocupada. Fui eu quem fez o que sabe, pelo respeito que me merecem as pessoas e pela ternura que sinto pelos mais pequenos, talvez porque já sou avó. Levava ainda, porque o Natal se aproximava, uns mimos para as crianças. Aceitou, agradeceu, saiu do carro e… devolveu-me o envelope com os vinte euros que eu tinha enviado à mulher. Era a última coisa que eu esperaria.

Precisava de sair rapidamente dali. Entrei quase correndo na sala onde a Tininha continuava à espera. Disse-lhe que o marido terá percebido quem eu era, mas que me tinha entregado o dinheiro que eu lhe dera para carregar o telemóvel. Não é mau homem, sabe, mas tem um feitio... Beijei-a e ao menino. Precipitei-me para a rua, com pressa de chegar ao meu porto de abrigo.

A Tininha ainda telefonou pelo Natal. E nada mais soube dela até hoje.

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