Maria da Piedade Pinheiro Martinho
Conheci a morena Tininha por acaso, saía
ela do Hospital da Estefânia. Vinha com duas crianças, uma
de meses ao colo e um menino que ela “arrastava” pela mão, com sinais de
cansaço e sofrimento no rosto. Pareceu-me ouvi-la dizer qualquer coisa, como
quem fala consigo mesmo. A aparência era de pessoa preocupada. Dirigi-me a ela
e indaguei o motivo. Disse-me que habitava fora de Lisboa, que vinha para uma
consulta com o mais crescido, mas que só à tarde o médico o atenderia. Tenho pouco dinheiro e pouco tempo para ir a
casa e voltar.
Abri a carteira e entreguei-lhe o dinheiro que trazia,
para que pudesse alimentar-se e aos meninos num café perto do Hospital.
Agradeceu a oferta e pediu-me o número do telefone, pois queria dar-me notícias
da consulta quando chegasse a casa.
E assim fez. Telefonou agradecida, referindo que voltaria
ao Hospital para outra consulta. O médico tinha-a tranquilizado. Foi breve. Tenho de desligar, diz. O telemóvel teria
pouco dinheiro, pensei.
No mesmo dia, meti vinte euros num envelope e enviei-o
para a morada que ela me dera a meu pedido. Dias depois, seguiu uma caixa com
brinquedos e alguma roupa, em correio expresso, para que tudo fosse mais
simples. A caixa e o envelope levaram muito tempo a ser entregues. Soube depois
que o local onde morava era uma parte de casa, e toda a correspondência passava
pelas mãos do senhorio, que a entregava ao marido.
Passado algum tempo recebi um telefonema da Tininha,
muito chorosa, comunicando-me que o marido, desconfiado com as ofertas
que recebera, lhe estava a criar problemas... Perguntou-me se eu não me
importaria de ir ao Hospital aquando da nova consulta, para ele me conhecer…
Fiquei estarrecida, mas, perante a aflição dela, disse-lhe que sim.
Lá fui no dia combinado, entre nervosa e irritada com a insólita situação. Avancei pelo Hospital à procura da sala de espera. Logo vi a Tininha,
com o menino ao lado. Pediu desculpa e informou-me que o marido estava lá fora com
o bebé – no carro, disse ela. Ele estava no banco de trás, com o bebé ao colo. Bati
no vidro e perguntei se podia entrar.
Sentei-me no banco da frente. Fui rápida na explicação. A sua mulher estava preocupada. Fui eu quem fez o que sabe, pelo respeito que me merecem as pessoas e
pela ternura que sinto pelos mais pequenos, talvez porque já sou avó. Levava ainda, porque o Natal
se aproximava, uns mimos para as crianças. Aceitou, agradeceu, saiu do carro e…
devolveu-me o envelope com os vinte euros que eu tinha enviado à mulher. Era a
última coisa que eu esperaria.
Precisava de sair rapidamente dali. Entrei quase correndo
na sala onde a Tininha continuava à espera. Disse-lhe que o marido terá
percebido quem eu era, mas que me tinha entregado o dinheiro que eu lhe dera para
carregar o telemóvel. Não é mau homem, sabe,
mas tem um feitio... Beijei-a e ao menino. Precipitei-me para a rua, com
pressa de chegar ao meu porto de abrigo.
A Tininha ainda telefonou pelo Natal. E nada mais soube
dela até hoje.
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