terça-feira, 30 de outubro de 2012

Carta ao Manuel


Texto de Teresa Martinho Marques
Correio da Educação (ASA), Out.2012
http://correiodaeducacao.asa.pt/284913.html#cutid1

Querido Manuel, é tão tardia esta carta. Tão irremediavelmente tardia que nem sei em que estrela te pendurarás para a escutar ao meu lado enquanto a canto como a um fado.
Eu que me habituei a ser fada de mim e a usar uma varinha de condão para realizar os sonhos que vou sonhando (tantos deles para a escola), não quero acreditar que um deles vai ficar perdido por aí, deambulando, órfão de ti e da tua voz, sem destino a que chegar.
Sabias que fiz planos para me cruzar contigo e quase consegui? Tantas perguntas eu levava no bolso. Afinal só estivemos quase juntos porque o espaço foi o mesmo (inverno frio na Guarda e uma biblioteca quente), mas os dias foram dois, colados um ao outro sem se sobrepor. Adiamos na vida tanta coisa. E depois o sal e a dor. E inventamos que as pessoas não morrem porque a obra, a memória, essas coisas de circunstância, de limpar lágrimas e seguir em frente. Morremos sim, porque o futuro vai ser para sempre feito de passado. Parece que é a mesma coisa, mas é tão diferente. Eu queria continuar a escutar a tua voz e colá-la ao que já disseste até te dizerem que não podias dizer mais nada. Fim. Não queria somente o que já foi, o que li e reli. Não queria apenas amanhã só regressar a ti.
Ter sonhos que não sei sequer quais são, sentir saudade do que não sei que pode ser que venha a ser um dia e andar por aí a semear flores mesmo na rocha mais dura… tu entendias este desassossego e nas tuas palavras sempre encontrei e encontro a certeza da sanidade e urgência desta espécie de loucura.
Não é professor quem quer. E podemos ser professores sem querer, sem saber.
Tu foste o mestre que escolhi, sem sequer te pedir licença. Zangada com os deuses distraídos que deixaram bruxas e monstros maus calar a tua presença.

Mas talvez este sonho agora sem rumo tenha ficado apenas interrompido. Seja assim um intervalo de ser em que vamos às nossas vidas em paralelos planos, até à interseção final toda semeada de mistério e esperança.
Quem sabe um dia encontro-te, estendo-te a mão e explico: olá, Manuel, chamo-me Teresa e sou professora. Também escrevo um bocadinho, aqui e ali, mesmo quando não escrevo e uso as palavras só para tecer o pensar. 
E nem imaginas o tanto, o imenso que me fizeste crescer e caminhar até voltar a ser criança…

«Uma coisa que me põe triste
é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há, gente que não há,
bichos que já houve e não há,
livros por ler, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer
e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
sítios que não sei, invenções que não invento,
gente de vidro e de vento, países por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar
porque se o imaginasse já existia
embora num sítio onde só eu ia...»

O pássaro da cabeça
in «Coisas que não há que há»
de Manuel António Pina

sábado, 27 de outubro de 2012

Ao mérito disse nada

Meu artigo publicado no jornal
O MIRANTE, 25.Outubro.2012 (aqui)

Imagine o leitor que é dono de uma empresa e que pretende preencher um dado posto de trabalho. Que faz? Certamente recruta alguém que lhe ofereça garantias de competência na execução das tarefas a desempenhar. 
No caso de uma instituição pública, a situação é por natureza diferente. Então é aberto um concurso, o que significa que é posto em prática um conjunto de procedimentos administrativos, segundo regras e critérios bem definidos, de modo a poder seleccionar, de entre os candidatos, o melhor.
Se se tratar de uma Universidade digna desse nome, o objectivo maior, essencial, é o recrutamento do candidato que ofereça maior garantia de ser o melhor professor e investigador. É de acordo com esta lógica que as coisas se passam nas melhores universidades.
Por que razão a Universidade portuguesa não ocupa um lugar cimeiro no ranking internacional das universidades (uma posição, por hipótese, entre os primeiros 100 ou 200 lugares)? Será que não há gente de excelente qualidade? Será a questão do financiamento? Haverá decerto várias razões para explicar a modesta posição das nossas universidades, mas há uma que é condenável e injustificável: é o compadrio entre pares, que leva demasiadas vezes a preterir os melhores, em favor dos mais benquistos.


Embora saiba de outros casos, há um que conheço bem. Passou-se num Departamento de uma Faculdade da Universidade de Lisboa, onde foi aberto concurso para um lugar de professor catedrático na especialidade científica E (caracterizemo-la assim). Refira-se que nenhum dos membros do júri era desta especialidade, o que não deixa de ser bizarro.
Concorreram dois candidatos, X e Y, ambos docentes no referido Departamento. O facto de haver apenas dois candidatos também é bizarro, porque o concurso era a nível nacional e internacional, e um posto de professor catedrático é sempre muito apetecido. Mas, como o aviso de abertura do concurso foi publicado em plenas férias de Verão (Agosto.2011), não parece abusivo supor que a ideia seria mesmo limitar a concorrência…
Dos dois candidatos, X era inquestionavelmente da especialidade em que foi aberto o concurso. Visto à luz de critérios internacionais, o curriculum vitae de X confere-lhe o direito de se considerar o português mais credenciado na especialidade E. A candidatura de X teve o apoio firme de sete renomados cientistas de Universidades estrangeiras de topo, como por exemplo o ETH de Zurique (posição 13 a nível mundial).
Foi nestas circunstâncias que o júri se permitiu reprovar o candidato X em mérito absoluto (!), para deixar o caminho livre à candidata Y (colaboradora do membro do júri que escolheu o júri).
Pobre País este… que tão fraca gente tem em lugares de responsabilidade.

PS – Se o leitor quiser conhecer os detalhes deste lamentável caso, consulte o blogue Tempo de Recordar (“entrada” de 07.Julho.2012) – ver aqui.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A Tininha

Texto de 
Maria da Piedade Pinheiro Martinho

Conheci a morena Tininha por acaso, saía ela do Hospital da Estefânia. Vinha com duas crianças, uma de meses ao colo e um menino que ela “arrastava” pela mão, com sinais de cansaço e sofrimento no rosto. Pareceu-me ouvi-la dizer qualquer coisa, como quem fala consigo mesmo. A aparência era de pessoa preocupada. Dirigi-me a ela e indaguei o motivo. Disse-me que habitava fora de Lisboa, que vinha para uma consulta com o mais crescido, mas que só à tarde o médico o atenderia. Tenho pouco dinheiro e pouco tempo para ir a casa e voltar.

Abri a carteira e entreguei-lhe o dinheiro que trazia, para que pudesse alimentar-se e aos meninos num café perto do Hospital. Agradeceu a oferta e pediu-me o número do telefone, pois queria dar-me notícias da consulta quando chegasse a casa.

E assim fez. Telefonou agradecida, referindo que voltaria ao Hospital para outra consulta. O médico tinha-a tranquilizado. Foi breve. Tenho de desligar, diz. O telemóvel teria pouco dinheiro, pensei.

No mesmo dia, meti vinte euros num envelope e enviei-o para a morada que ela me dera a meu pedido. Dias depois, seguiu uma caixa com brinquedos e alguma roupa, em correio expresso, para que tudo fosse mais simples. A caixa e o envelope levaram muito tempo a ser entregues. Soube depois que o local onde morava era uma parte de casa, e toda a correspondência passava pelas mãos do senhorio, que a entregava ao marido.

Passado algum tempo recebi um telefonema da Tininha, muito chorosa, comunicando-me que o marido, desconfiado com as ofertas que recebera, lhe estava a criar problemas... Perguntou-me se eu não me importaria de ir ao Hospital aquando da nova consulta, para ele me conhecer… Fiquei estarrecida, mas, perante a aflição dela, disse-lhe que sim.

Lá fui no dia combinado, entre nervosa e irritada com a insólita situação. Avancei pelo Hospital à procura da sala de espera. Logo vi a Tininha, com o menino ao lado. Pediu desculpa e informou-me que o marido estava lá fora com o bebé – no carro, disse ela. Ele estava no banco de trás, com o bebé ao colo. Bati no vidro e perguntei se podia entrar.

Sentei-me no banco da frente. Fui rápida na explicação. A sua mulher estava preocupada. Fui eu quem fez o que sabe, pelo respeito que me merecem as pessoas e pela ternura que sinto pelos mais pequenos, talvez porque já sou avó. Levava ainda, porque o Natal se aproximava, uns mimos para as crianças. Aceitou, agradeceu, saiu do carro e… devolveu-me o envelope com os vinte euros que eu tinha enviado à mulher. Era a última coisa que eu esperaria.

Precisava de sair rapidamente dali. Entrei quase correndo na sala onde a Tininha continuava à espera. Disse-lhe que o marido terá percebido quem eu era, mas que me tinha entregado o dinheiro que eu lhe dera para carregar o telemóvel. Não é mau homem, sabe, mas tem um feitio... Beijei-a e ao menino. Precipitei-me para a rua, com pressa de chegar ao meu porto de abrigo.

A Tininha ainda telefonou pelo Natal. E nada mais soube dela até hoje.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Educar, uma Arte ao nosso alcance?

Adaptação de um texto meu publicado
em Chamusca Ilustrada, Fevereiro.1978
Que se entende por “educação”? Por outras palavras, qual o significado de “educar”?
Pegando ao acaso num dicionário, encontrei a seguinte definição: Arte de formar o carácter e de encaminhar integralmente a juventude em ordem ao seu desenvolvimento perfeito, para ser um bom elemento da sociedade.
Consultando, não menos ao acaso, uma enciclopédia, assinalei a seguinte passagem: Edu­car é, sob certos aspectos, uma arte. Não como a de um escultor que modela matéria inerte, pois o educador actua sobre um ser, não somente vivo, mas também inteligente e livre. Por isso, S. Tomás compara a arte de educar à do médico, para frisar que em ambos os casos o influxo que se exerce é destinado não a manipular matéria passiva, mas a estimular, orientar e auxiliar o dinamismo bioló­gico, a fim de que este, no caso do médico, readquira o equilíbrio da saúde e, no caso da educação, atinja o pleno e harmónico desenvolvimento de todas as virtualidades da natureza humana.
De notar que, em ambos os casos, há acordo dos autores ao considerarem a educação como que uma “arte”. Se aceitarmos como boa a afirmação corrente de que “não é artista quem quer”, é caso para perguntar: Estará o papel de educador ao alcance de apenas um núme­ro limitado de pessoas? Certamente que não, mas de facto a interrogação tem razão de ser, e dá bem a medida da dificuldade da missão do educador e do cuidado que deve ser posto na sua preparação. Alguém disse que a educação de uma criança começa quando os pais nascem…
Num outro ponto, há acordo, e este mais geral e fundamentado: a educação tem por finalidade o desenvolvimento pleno do educando com vista à sua integração como futuro membro da sociedade. Esta é uma verdade aceite por todas as correntes activistas da educação. Só que cada sociedade tem os seus objectivos próprios, consequentemente a acção educativa é orientada em cada situação de modo distinto, de maneira a atingir esses objectivos.
É salutar ter presente que a educação de um jovem se processa sempre, inevitavelmente, no âmbito de um quadro social e familiar que condiciona essa educação. É certo que há normas gerais, decorren­tes da experiência humana de vida em sociedade, que são comuns a vários sistemas educacionais. To­davia, muitas das regras de comportamento a que submetemos os nossos jovens têm um valor relativo, são algo de não absoluto nem essencial, e como tal deviam ser entendidas. A não apreensão deste facto gera frequentemente conflitos que dificultam a relação entre educador e educando, agravadas ainda pe­la incompreensão de que a evolução da sociedade obriga o educador a um constante esforço de “actualização”, no sentido de evitar distanciamentos que só tornam mais difícil a acção educativa.
Há que procurar, permanentemente, a cooperação do educando. Sem essa cooperação, a tarefa educacional fica seriamente comprometida. O educando é, por um lado, objecto da educação mas, como ser inteligente e livre, deve participar nesse processo de formação do carácter e do entendimento, de que há-de resultar a sua libertação e realização, em equilíbrio e felicidade, como ser individual e social. O entendimento recíproco subjacente à cooperação de esforços a que deve ser levado imperceptivelmente o educando, pressupõe um trabalho contínuo e vigilante da parte do educador, em que concorrem numerosos factores, nomeadamente o exemplo, a disponibilidade, a firmeza, a compreensão e a serenidade.
A terminar, eu diria que educar é uma arte ao nosso alcance. Para tanto, há que conhecer os objectivos da tarefa, saber destrinçar o essencial do supérfluo, compreender que o educando não é propriedade do educador (enquanto pai ou mãe), ser exemplar e sereno, e admitir que se tem sempre algo a aprender com o educando. Dizia Blaise Pascal (1623-1662), físico, matemático e filósofo francês: «Ninguém é tão ignorante que não tenha algo a ensinar, nem ninguém é tão sábio que não tenha algo a aprender».

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

In Memoriam Manuel António Pina (1943 - 2012)

Manuel António Pina (Prémio Camões 2011) partiu... 
... mas deixou-nos a sua Obra.

«Eu não escrevo para crianças. Acho que, fundamentalmente, se escreve para si próprio. E que se fala sempre de si próprio, dos seus desejos, dos seus medos, das suas dúvidas. (E também eu, quando digo isto, falo, evidentemente, de mim próprio.).

Uma vez, numa escola, perguntaram-me: “Por que gostas de escrever?”. Embora eu tenha respondido: “Não sei” (e que poderia responder?), acho que foi uma pergunta inteligente. Porque quem escreve não tem que escrever por isto ou por aquilo, ou para estes ou para aqueles leitores; o escritor, a maior parte das vezes, não sabe por que escreve, e apenas que gosta, que precisa de escrever: Quando um poema principia, sabe-se lá o que ele vai dizer! Porque o poema é que fala, não é o poeta, as palavras dizem o que querem (elas é que sabem, as palavras!). Às vezes dizem mais, e outras vezes – quase sempre – menos do que o poeta queria que elas dissessem. E depois as palavras são seres volúveis: a uns leitores dizem uma coisa, a outros dizem outra coisa, e, a alguns, sobretudo àqueles que não as amam, as palavras não dizem absolutamente nada.

Por isso, o escritor (mas falamos sempre de nós, não é?), não sabe para quem escreve. Escreve para quem ame as suas palavras, e para aqueles a quem as suas palavras, por qualquer razão misteriosa, disserem alguma coisa.

Eu não escrevo para crianças; penso, sim, que alguns dos meus livros, alguns dos meus poemas (...) podem dizer alguma coisa a algumas crianças. (Embora, naturalmente, não saiba bem o quê. Tenho uma ideia, claro, mas não a certeza absoluta. Aliás, também não tenho a certeza absoluta do que seja uma criança).»

Manuel António Pina
De que são feitos os sonhos

Fotografia experimental, devida ao acaso...

... de ontem ter partido um prato (ao meio!) inadvertidamente. Acontece...


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Deixaria de alimentar os filhos?


A política imoral 
e a redução das escolhas

Crónica de José Vítor Malheiros
Público, 16.Outubro.2012

Mesmo que se aceite que a divida pública é aquela que nos dizem e que toda ela é legal e legítima – o que está longe de estar demonstrado –, o seu pagamento representa apenas uma obrigação entre as muitas obrigações do Estado. A escolha que o actual Governo faz, de sobrepor o pagamento da dívida a todas as suas outras obrigações – garantir mínimos de protecção social a pessoas em situação de extrema fragilidade, conservar para as gerações futuras o património público de que é fiel depositário, respeitar a Constituição que jurou defender – é uma escolha ideológica, que sobrepõe os desejos de uns poucos aos direitos da maioria.

Esta escolha, plasmada no Orçamento ontem apresentado pelo Governo, pode ser criticada em termos económicos, porque está a destruir a estrutura produtiva do país e porque desperdiça competências e talentos em cuja formação a comunidade investiu fortemente na última geração. Pode ser criticada em termos políticos, porque está a destruir a confiança na democracia. Pode ser criticada do ponto de vista da sua legitimidade democrática, pois esta política nunca foi sufragada. Pode ser criticada em termos jurídicos, porque esta política faz tábua rasa de leis fundamentais da República. Mas, para além de todas as outras críticas possíveis, e acima de tudo, ela é moralmente inadmissível.

Ela reflecte uma escolha onde o Governo reconhece os direitos dos mais fortes, mas ignora os direitos dos mais fracos, onde o Governo prefere alimentar os privilégios dos poderosos, em vez de defender os direitos dos desmunidos.

Apresentar esta política como não tendo alternativas é falacioso. Ela não tem alternativas, quando se admite como mandamento divino os lucros dos credores e como valor negligenciável as vidas das pessoas. As alternativas têm aparecido às dezenas e recolhem cada dia mais adeptos. E pretender apresentar, esta política como sendo motivada por um justo desejo de honrar um compromisso é algo que mina a própria ideia de moral. Não é apenas a economia ou a democracia que está a receber um golpe mortal, é a própria ideia do bem que é violada e arrastada pela rua em farrapos.
        
Não há nenhuma filosofia moral onde o pagamento de dívidas se sobreponha a todos os outros deveres. Seria admissível que, em nome da defesa do bom nome da família, um pai deixasse de alimentar os filhos para pagar a dívida de jogo do tio aldrabão?

A história está cheia de massacres cometidos em nome da pureza e do progresso. As atrocidades foram sempre defendidas como indispensáveis para obter o progresso desejado. Não havia alternativa. Era preciso levá-las a cabo custasse o que custasse.  Por muito sofrimento que implicassem. Reconhecem as palavras? Esta filosofia, onde os fins justificam os meios, encheu a história de cadáveres e mutilados. Mas é a  filosofia que o Governo defende. Custe o que custar. E se custar o sofrimento de muita gente? O fim justifica o sofrimento. É uma operação higiénica. Temos de cortar as gorduras, acabar com as pieguices, pôr fim aos parasitas, limpar a sociedade. Reconhecem as palavras? São as palavras que os deputados da maioria vão aprovar. São as palavras que justificam o massacre que se vai seguir. (…)

Foi Você que pediu a retribuição?


Bartoon, PÚBLICO - 17.Out.2012

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Fotografias de Bruno Martinho

O meu neto mais velho (21 anos, finalista da Universidade da Beira Interior) surpreendeu-me recentemente com a existência de um site onde fotógrafos de qualquer género podem publicar o seu trabalho - AQUI . Vale a pena a visita.

 I see you!

 Infernal skies

Surprised cats!

Sobre a reforma do ensino: Reforma e mentalização

Meu artigo publicado no Diário de Lisboa/Ciência em 26 de Novembro de 1968 (era ministro da Educação o Prof. José Hermano Saraiva; em 1970 iniciou-se a chamada «Reforma Veiga Simão»).

1. A recente indicação oficial de que se iria promover um largo inquérito, dentro e fora da Universi­dade, tendente a conseguir-se uma base em que se apoiaria uma futura reforma do ensino superior, deu origem ao movimento pouco usual a que se assiste actualmente em torno de tão momentosa questão. Tal movimento manifesta-se junto do grande público através, principalmente, de artigos extensos assinados por pessoas experientes e responsáveis, e de entrevistas com professores, alguns deles de craveira notá­vel, que os jornais apresentam. Nesses depoimentos, tecem-se considerações sobre os mais variados aspectos das vicissitudes do ensino universitário, criticam-se reformas já levadas a efeito, propõem-se soluções. Em suma, teoriza-se o ensino em toda a sua extensão a partir de dados experimentais (nossos e de outros países). Nem sempre os pontos de vista concordam, e ainda bem: a probabilidade de optar correctamente também depende do número de pareceres emitidos. Acontece, porém, que a grande maio­ria dos leitores nem sempre estará em condições de compreender problemas abordados na generalidade ou com pormenores apenas familiares a quem vive esses problemas de perto. É necessário também uti­lizar uma linguagem directa, apontar exemplos concretos cujo significado esteja ao alcance do cidadão médio. Só assim a campanha poderá ser de todos, como deve, que a todos ela se destina, directa ou indirectamente.
2. Quem contacta com alunos, tendo sobre si a responsabilidade da sua preparação, como é o caso, tem sempre oportunidade de acumular conhecimentos e de verificar certos tipos de anomalias relativas ao ensino. Os dois exemplos que a seguir se apontam ocorreram aquando da realização de uma prova es­crita por alunos do primeiro ano de Engenharia. Conhecendo embora a contingência e os condiciona­lis­mos dos exames, e partindo do princípio que os conhecimentos ministrados ao longo do ano são acessí­veis (sob todos os aspectos) a todos os alunos, é natural pretender obter informações sobre o seu apro­veitamento tão significativas quanto possível. A melhor maneira de conseguir este objectivo é através de questionários equilibrados mas pertinentes. Como a estatística das classificações não basta a uma infor­mação completa do professor, foi perguntado a alguns alunos: - Então, que tal achou o ponto? As res­postas foram variadas e, de uma maneira geral, interessantes. Todavia, ainda que uma percentagem considerável dos alunos interrogados respondesse com evidente ponderação, duas das respostas ferem a atenção. É que elas traduzem uma forma de pensar e um tipo de comportamento bastante generalizados cujas raízes se torna urgente combater.
3. O hábito de decorar Um dos alunos respondeu descontraidamente: - O ponto era diabólico, era preciso perceber a matéria! Foram estas as suas palavras. A resposta evidencia uma habituação nefasta aos pontos “de chapa”. O aluno está viciado, desde as primeiras letras, a decorar a matéria e a “despejá-la” pura e simplesmente. Isto verifica-se tanto nas provas escritas como nas orais. Nestas provas, em particular, pode bem avaliar-se até que exageros leva tal atitude. Se se tenta aprofundar um pouco mais os conhe­cimentos dos alunos, verifica-se na maioria dos casos que a preparação é extremamente superficial: sabe-se enunciar uma lei, mas não se sabe aplicá-la; sabe-se dizer em que consiste um determinado fenó­meno, mas não se sabe relacioná-lo com princípios fundamentais que regem a Natureza, e assim por diante. De um modo geral, os alunos estudam as matérias por obrigação e não por gosto, para passar o ano e não para as compreender. É claro que nestas condições um ponto criterioso pode ser diabólico! Cabe perguntar: como pode isto acontecer? Só se vê uma resposta: para dar, é preciso receber, isto é, se os alunos não correspondem às expectativas é porque fundamentalmente os professores não estiveram à altura da sua missão. Se somos nós que encaminhamos os passos dos alunos, a responsabilidade de tal situação não lhes deve ser endossada.
4. A falta de diálogoE agora a outra resposta. A bem dizer, neste caso não houve resposta propriamente dita. Perante a pergunta, o aluno, entre surpreso (ou desconfiado?) e atónito, titubeou: – Bem..., e por aí se ficaria se eu não insistisse: - Não acha natural a pergunta? – Acho, sim, – respondeu – mas (hesitou) não é habitual. Com estas palavras, o aluno punha a claro outra característica anómala do nosso ensino: a falta de diálogo. O conteúdo da informação prestada pelo aluno denota um sintoma de implicações gra­ves que urge eliminar. O professor monologa, o aluno escuta e “despeja”, o professor classifica, o aluno passa ou reprova, e o ciclo continua. Reconhece-se certamente a utilidade e, em consequência, a neces­sidade de praticar em larga escala o diálogo entre professores e alunos. Como poderá desenvolver-se o espírito crítico dos jovens, orientar vocações, esclarecer dúvidas, sem diálogo, sem colaboração no tra­balho comum? Não se pode falar de ensino sem pressupor uma participação actuante e recíproca dos corpos discente e docente. A não atender a este imperativo, corre-se o risco de cavar um fosso entre gerações dificilmente transponível. Fomente-se, pois, o diálogo sob as formas que parecerem mais ade­quadas à sua rápida concretização. Não esqueçamos entretanto que, para atingir o fim em vista, deve diminuir a desproporção entre o número de professores e o de alunos, e que a iniciativa do diálogo deve partir de cima ou ser aceite quando vier de baixo.
Prof. José Veiga Simão
5. Em Portugal existem homens capazes de elaborar a reforma do ensino em moldes perfeitamente satis­fatórios. Uma coisa, porém, é a reforma legal, com a organização dos cursos, a programação e a planificação das disciplinas, e outra, muito mais importante e urgente, é a reforma do nosso modo actual de sentir os problemas e de agir sobre eles, não obtenível apenas através de textos legais. Com a reforma da mentalidade, “tudo o mais virá por acréscimo”. Assim como uma boa semente não frutifica num mau terreno, assim também um texto legal, por melhor que seja, nada consegue de verdadeiramente positivo se o espírito da sociedade a que se destina não estiver apto à sua recepção em atitude construtiva.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Hoje quero falar de ácaros

Meu artigo publicado ontem no jornal O MIRANTE

As sociedades modernas produzem lixos e resíduos diversos que deveriam ser tratados e depositados em condições seguras, para não perturbar o equilíbrio ecológico. Esta é, certamente, uma das preocupações de aterros sanitários comunitários como o que está localizado no concelho da Chamusca. Mas não é disto que quero falar.

Para alguns dos resíduos originados pela actividade humana, ainda não foi encontrada uma solução conveniente. Por exemplo, os sais tóxicos de mercúrio e de outros metais pesados não se decompõem e montes de automóveis enferrujam nos parques de sucata, quando não nas próprias cidades e vilas. Mas também não é disto que quero falar.

Nas grandes urbes vivemos numa atmosfera carregada de substâncias nocivas, como é o caso de produtos de escape de veículos a motor. As recentes obras na Praça Marquês de Pombal, em Lisboa, foram realizadas porque a “Europa” quer, e bem, que o ar que se respira na Avenida da Liberdade seja mais saudável. Parece que esse objectivo está a ser alcançado: «Marquês de Pombal já respira melhor ao fim de 15 dias», dizia com graça um título de jornal. Mas não é sobre isto que quero falar.

Hoje quero falar de ácaros… Ou, mais precisamente, de uma recente descoberta muito interessante, ainda que por motivos diferentes dos invocados no artigo publicado numa revista científica americana. Uma equipa alemã da Universidade de Göttingen descobriu nos Alpes italianos que duas espécies de ácaros ficaram aprisionadas durante 230 milhões de anos em âmbar (resina fossilizada). Esta descoberta é relevante porque os fósseis mais antigos que se conheciam datavam de há 130 milhões de anos.

Por outras palavras, a dita descoberta dilatou em 100 milhões de anos o nosso conhecimento sobre o fenómeno de imobilização de microorganismos, em bom estado de conservação, o que poderá ser útil na gestão a muito longo prazo dos resíduos radioactivos de alta actividade – as “cinzas” (digamos assim, para simplificar) resultantes da “queima” do urânio em centrais nucleares.


Uma sequência típica de operações de gestão destes resíduos radioactivos passa pela sua imobilização numa matriz sólida adequada, num processo de certo modo equivalente ao aprisionamento de seres vivos fósseis durante milhões de anos. Ora o destino final dos resíduos em condições de segurança para as gerações futuras é uma condição essencial à utilização aceitável da energia nuclear para fins pacíficos, nomeadamente para efeito de produção de energia eléctrica de que a humanidade carece.

A história mostra que, em geral, o Homem sabe tirar partido da Natureza quando ela se constitui em fonte de conhecimento científico. É o que agora poderá acontecer com os ensinamentos decorrentes da descoberta de seres vivos fósseis imobilizados numa matriz sólida com 230 milhões de anos de existência.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

domingo, 7 de outubro de 2012

O Senhor Rivotti

Texto de 
Maria da Piedade Pinheiro Martinho

O meu pai, funcionário da CP, estava destacado na estação dos Riachos (Torres Novas) nos anos 50. A empresa destinava uma casa modesta e pequena para cada família. Éramos cinco: os meus pais e os três filhos (eu, a Rosa Maria e o Adalberto, por ordem decrescente de idades).
Mais tarde chegou a santa tia Aurora, vinda de Lisboa, sem outra família senão a dos sobrinhos do marido, já falecido. Só o nosso pai, com tantas dificuldades, a recebeu…
Pais Irene e David Pinheiro filhos Rosa Maria, Adalberto e Piedade

Embora frequentasse o Liceu de Santarém vivendo em casa da “avó” Jú, irmã do meu pai, eu vinha aos Riachos sempre que possível.
Há dias lembrei-me da casa grande situada do outro lado da estrada, junto à linha do combóio. Naquele grande espaço havia uma fábrica de destilação de álcool. Um dos responsáveis administrativos da empresa vivia com a esposa numa casa localizada dentro do próprio recinto da fábrica. O senhor Rivotti era escriturário. Trabalhava numa ampla sala com mais empregados, junto a uma secretária alta, escrevendo sempre de pé. Era grande e seco de carnes, o senhor Rivotti, homem de poucos sorrisos.
Quando a sua gentil esposa D. Irene pedia à nossa mãe (curiosamente também chamada Irene) que deixasse ir lá a casa as meninas, eu e minha irmã, algo receosas, entrávamos no “santuário” dos vizinhos. O senhor Rivotti ensaiava um gesto de simpatia para connosco e estendia-nos a sua enorme mão, que ele não era dado a beijinhos. Logo de seguida, tirava do bolso um pequeno frasco e limpava as mãos com um pedaço de algodão embebido num líquido. Soubemos depois que era álcool… Só podia ser! Perante a nossa surpresa, a D. Irene explicou-nos depois o hábito do marido. O pequeno frasco “viajava” sempre com ele, pronto para entrar em acção fosse quem fosse que o cumprimentasse.

Sociedade Lusitana de Destilação, Riachos, Torres Novas 
(Fotografia: Estúdio Mário Novais, pós 1944) 

E mais histórias nos contou a D. Irene. O marido saía todas as noites após o jantar, para percorrer alguns quilómetros nas redondezas entre pinhais. E isto acontecia mesmo nas noites invernosas, embrulhado numa capa e munido de chapéu-de-chuva e um revólver, não fosse o diabo tecê-las…
Num dos dias em que a visitámos, a paciente D. Irene lavava freneticamente um frango com sabão azul e branco sob uma torneira deitando água em grande quantidade. Nova explicação: o senhor Rivotti dizia que a pele dos galináceos estava cheia de impurezas. Esta não foi uma história de assustar, mas sim divertida.
Sempre que a D. Irene nos convidava, eu e minha irmã lá íamos curiosas, na expectativa de ouvirmos mais episódios tendo por protagonista o senhor Rivotti. O último de que me lembro, passados cerca de 60 anos, dizia respeito ao quarto onde dormiam os senhores, o qual era desprovido de cortinados ou tapetes. A janela nunca era fechada, fosse verão ou inverno, mesmo em situações de tempestade. A cama da D. Irene ficava junto à janela, e isso obrigava-a a tapar a cabeça com a roupa quando a tempestade surgia acompanhada de trovoada e relâmpagos. Para resolver o problema da chuva sobre a cama da esposa, o senhor Rivotti tapava-a com um oleado, “mais na zona dos pés” – dizia ela.
Terminado o destacamento, o meu pai voltou à estação de origem, em Santarém, onde aliás trabalhou quase sempre. Da família da “fábrica do álcool” nunca mais soube nada. Recordei-a há dias junto do meu companheiro, a quem contei as histórias do senhor Rivotti que tanto me divertiram quando era jovem.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

“Pipe Dream” ou um Sonho de Palácio

Esta é a história do nascimento de um palácio no Jardim de Infância do Vimeiro, em resultado da conjugação de duas ocorrências:  
(1) o facto de o Jardim integrar este ano o projecto europeu Comenius (ver informação aqui), tendo em vista a criação de “O fascinante mundo dos contos de fadas na Europa”, e
(2) a "descoberta" da obra de arte pública “Pipe Dream – Fanfare for the Common Man” do artista plástico Tim Bavington (ver vídeo aqui).
Tim Bavington e a sua obra de arte pública instalada em Las Vegas
Um grupo de pais e a Educadora, durante as férias do Verão, prepararam uma surpresa para as crianças a chegar em Setembro. Além da pintura da parede, foram utilizados tubos de cartão, provenientes de ateliers de arquitectos e lojas de tecidos.
A arquitecta Ana Timóteo, mãe de uma das crianças, orientou toda a construção da parede do palácio segundo a ideia e o estudo de cores da obra do referido artista.
Uma intervenção fantástica teve também o seu pai Miguel Timóteo que imaginou, construiu e montou, com o apoio do seu genro, uma estrutura metálica para colocar os tubos na vertical, com porta, pérgula e tudo!
Para a pintura dos tubos foram desafiadas algumas mães, um pai e ainda a Auxiliar do Jardim que puseram a praia de lado para passar uma manhã entre tintas multicores!...
O palácio já montado no Jardim de Infância
Enquanto as transformações iam decorrendo, a Educadora foi confeccionando um guarda-roupa palaciano e, agora, até um cadeirão do restaurante O Braga foi transformado em trono.
A obra ficou exactamente como imaginada e está já a fazer as delícias do grupo… sobretudo das princesas que não querem sair de lá… Lá mais para o fim do ano lectivo havemos de ter mais histórias interessantes para contar.

Helena Martinho
Educadora do J.I.Vimeiro

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Caso do "escândalo num concurso universitário"

No passado dia 7 de Julho foi aqui colocado um último post sobre o caso do "escândalo num concurso universitário" em que Fernando Ornelas Marques foi vítima de uma decisão injusta e indigna num concurso para Professor Catedrático no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (ver aqui).

No último parágrafo desse post, dizia-se: «O processo está agora nas mãos do Prof. Dr. Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência, sob a forma de recurso hierárquico. Aguardemos.»

Até ao momento a hierarquia ainda não se pronunciou sobre o caso em apreço.

Entre as muitas interrogações que este escândalo suscita, a questão que se põe nesta altura é esta: Estará o senhor ministro à espera que expire o prazo de 90 dias para que, na ausência de decisão, o recurso seja tacitamente indeferido? (Código do Procedimento Administrativo – Artigo 175.º)