quinta-feira, 10 de maio de 2012

Que fica de nós quando partimos?


Há dias a Joana Salgado Emídio contactou-me no sentido de vir a ser membro honorário do Clube de Leitores de O Mirante. Nada lhe respondi então, mas fiquei a pensar no assunto, procurando encontrar uma explicação para o convite.
Porquê tal distinção? Bem ou mal, cheguei à conclusão de que o mérito não era intrinsecamente meu, antes dever-se-ia à minha respeitável idade... Não me parece que exista outra explicação. Nada fiz de especial pelo Jornal a não ser acreditar no projecto do Joaquim António Emídio em 1987 e nele ter colaborado desde o primeiro número até 2001.
Quando nos chamam “mestre” sem o sermos ou “professor” sem termos o título ou, neste caso, nos convidam para “membro honorário” de uma confraria, é caso para conferir o bilhete de identidade! Cara Joana, eis o que tenho a propor: vamos esperar mais algum tempo, porventura até que eu complete os 80… Passarei a ter mais um suplemento de ânimo para perseverar na vida. É assim como uma espécie de certeza de não morrer enquanto tiver um testemunho para dar.
Por associação de ideias, o convite da Joana fez-me lembrar uma muito recente e inesperada afirmação da minha neta Inês: «Avô, tu estás velhinho, mas o mais importante é que eu gosto muito de ti.» A seguir, sentou-se a meu lado no sofá e aninhou-se. Fiquei sem fala. Aonde é que uma criança com menos de cinco anos vai buscar uma tão comovente “declaração de amor”?
O efeito da inexorável passagem do tempo, que é disso que se trata, leva a uma interpelação verbalizada por Teresa Martinho Marques numa das entradas do seu blogue Tempo de Teia: «O que fica de nós quando partimos?» Ela mesmo ensaiou uma (poética) resposta à sua própria pergunta: «A memória do que deixámos espalhado pela casa. As pegadas no coração dos outros. Impressões digitais que não desaparecem, nem se conseguem limpar. Vivemos sem luvas pela vida. Deixamos marcas em todos os lugares. A cor e forma das marcas dependem dos caminhos escolhidos. Dos caminhos percorridos
Passando em revista o que escrevi para O Mirante, pergunto-me: O que ficou dessa colaboração?
Para a generalidade dos leitores, provavelmente nada ou pouca coisa. Em regra, um artigo de jornal é para ter impacte num dado momento, passado o qual o seu destino é o “papelão”. Para ressuscitar o que se pretender arrancar ao esquecimento da “espuma dos dias”, só mesmo uma busca numa hemeroteca.
Para o autor, é diferente: Ele poderá ter visto alguns escritos seus reproduzidos num outro jornal ou em livro; poderá ter ouvido apreciações estimulantes em relação à abordagem de certos assuntos; poderá ter ajudado a esclarecer certas questões técnicas; poderá ter antecipado cenários políticos que se vieram a confirmar; etc. E estes factos também contribuem, directa ou indirectamente, para o prestígio do jornal.
Por múltiplas razões, O Mirante é hoje um semanário de referência com inúmeros leitores um pouco por todo o lado, para o que também concorre a versão on-line. Os caminhos escolhidos e os caminhos percorridos por Joaquim António Emídio e a sua equipa ditaram um êxito que “ficará” e que merece o nosso aplauso. Parabéns!

Texto publicado no jornal O MIRANTE
(Edição 22.º Aniversário), 16.Novembro.2009

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