quinta-feira, 19 de abril de 2012

O barómetro e o aluno contestatário

Esta é uma história relacionada com o ensino da Física que conheço há imenso tempo. Muitas das versões que existem podem ser encontradas na net  pesquisando, por exemplo, “Niels Bohr + barómetro”. Parece haver um problema de paternidade da história (inventada? verdadeira?): o caso é discutido aqui e aqui. A versão que se segue é uma adaptação (muito) livre do texto encontrado aqui.


Há algum tempo recebi um convite de um colega para servir de árbitro na revisão de uma prova. Tratava-se de avaliar uma questão de Física, que recebera nota ‘zero’. O aluno contestava a decisão, alegando que merecia a nota máxima pela resposta, a não ser que houvesse alguma ‘conspiração do sistema’ contra ele. Professor e aluno concordaram em submeter o problema a um juiz imparcial e eu fui o escolhido. Chegado à sala do meu colega, li a questão da prova: “Mostre como se pode determinar a altura de um edifício com o auxílio de um barómetro”. A resposta do estudante foi a seguinte: Leve o barómetro ao topo do edifício e amarre-lhe uma corda suficientemente comprida; desça o barómetro até à calçada; depois ice o conjunto e meça o comprimento da corda: este comprimento é a altura do edifício.

Era uma resposta interessante, sem dúvida, e de alguma forma correcta, pois satisfazia o enunciado. Por instantes vacilei quanto ao veredicto. Recompondo-me rapidamente, disse ao estudante que ele tinha boas razões para ter a nota máxima, já que havia respondido à questão correctamente. Todavia, se ele tivesse a nota máxima, ser-lhe-ia dada a aprovação numa matéria de Física sem que a resposta confirmasse isso. Sugeri então que fizesse uma outra tentativa para responder à questão. Não me surpreendi pelo facto de o meu colega ter concordado com a sugestão, mas sim quando percebi que o estudante encarava a sugestão como um desafio. Segundo o acordo, ele teria seis minutos para responder à questão, isto após ter sido prevenido de que a resposta deveria mostrar, necessariamente, algum conhecimento de Física.

Passados cinco minutos, o aluno ainda não tinha escrito nada, apenas olhava pensativamente para o tecto da sala. Perguntei-lhe então se desejava desistir, pois eu tinha um compromisso a seguir e não tinha tempo a perder. Mais surpreso fiquei quando o estudante anunciou que não havia desistido. Na realidade tinha muitas respostas… e estava justamente escolhendo a melhor…

No momento seguinte ele escreveu esta resposta: Vá ao cimo do edifício munido com um cronómetro; largue o barómetro; meça o tempo de queda (t) desde a largada até "chegar" ao solo. Depois, utilizando a fórmula  h = 0,5 g t2, calcule a altura do edifício.

Perguntei então ao meu colega se ele estava satisfeito com a nova resposta, e se concordava com a minha disposição em conferir praticamente a nota máxima à resposta. Concordou, embora sentisse nele uma expressão de descontentamento, talvez de inconformismo.

Ao sair da sala lembrei-me que o estudante havia dito ter outras respostas para o problema. Embora já sem tempo, não resisti à curiosidade e perguntei-lhe quais eram essas respostas.

Ah! sim – disse ele – há muitas maneiras de achar a altura de um edifício com a ajuda de um barómetro. Perante a minha curiosidade e a perplexidade do meu colega, o estudante desfilou as seguintes explicações.

Por exemplo, num belo dia de sol pode-se medir a altura do barómetro e o comprimento da sua sombra projectada no solo, bem como o comprimento da sombra do edifício. Depois, utilizando uma simples regra de três, determina-se a altura do edifício.

Um outro método, aliás bastante simples e directo, é subir as escadas do edifício fazendo marcas na parede, espaçadas da altura do barómetro. Contando o número de marcas tem-se a altura do edifício em ‘unidades de comprimento do barómetro’.

Um método mais complexo seria amarrar o barómetro na ponta de um fio e balançá-lo como um pêndulo, o que permite determinar a aceleração da gravidade (g) no local onde se estiver. Efectuando a operação ao nível da rua e no topo do edifício, a altura do edifício pode ser calculada com base na diferença dos valores de g.

Finalmente, concluiu, se não for exigida uma solução envolvendo a Física, existem outras respostas. Por exemplo, pode-se bater à porta do porteiro do edifício e dizer-lhe: Caro senhor, tenho aqui um óptimo barómetro; se o senhor me disser a altura deste edifício, eu ofereço-lhe o barómetro como presente.

Nesta altura, perguntei ao estudante se ele não sabia qual era a resposta "esperada" para o problema. Ele admitiu que sabia, mas estava tão farto das tentativas dos professores visando o controlo do seu raciocínio e de quererem à viva força respostas “esperadas” que resolveu contestar aquilo que considerava uma falha do sistema de ensino.


Diz a “lenda” que o estudante era Niels Bohr, Prémio Nobel da Física em 1922.

2 comentários:

  1. Fantástica esta visão de como o ensino pode ser redutor e das limitações que "impõe" à criatividade!

    ResponderEliminar
  2. A história é contada no famoso livro de Gell-Mann, O Quark e o Jaguar, com a respetiva fonte. Bohr é um simples boato da internet :)

    ResponderEliminar