quinta-feira, 12 de abril de 2012

Lapso ou mentira ?


Visto vagarosamente, o lapso do ministro é uma mentira
PÚBLICO, 11.Abril.2012
por Santana Castilho*
Por ironia do destino, a 1 de Abril de 2011, o dia das mentiras, Passos Coelho classificou de “total disparate” a ideia que lhe atribuíam de cortar o subsídio de Natal. Cortou-o, pouco tempo volvido. A 13 de Outubro deste ano, reincidiu e aumentou o esbulho. Consciente da brutalidade da medida, foi pressuroso a afirmar que ela vigoraria “apenas durante a vigência do programa de ajuda económica e financeira”. Nem ele nem Vítor Gaspar, nem tão-pouco o diligente “spin doctor” Miguel Relvas, desmentiram a cascata de referências abundantes, escritas e faladas, que circunscreveram, sempre, os cortes dos subsídios de férias e Natal a 2012 e 2013. Mais: a secretária de Estado do Tesouro, o ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares e o próprio ministro das Finanças afirmaram na televisão, de forma reiterada portanto, que os cortes eram temporários e vigoravam apenas em 2012 e 2013. O descrito é factual. Prolongar agora o confisco por mais tempo não pode ser justificado, ainda que vagarosamente e com a insolência com que Vítor Gaspar tratou a Assembleia da República, com a invocação de um lapso. O vocábulo “lapso” tem uma semântica que não é dúbia: significa erro que se comete por inadvertência ou descuido. Um “lapsus linguae”, em registo psicanalítico, é explicado por uma exposição acidental de pensamentos reprimidos, a qual introduz no discurso um sentido dissonante daquele que o emissor queria transmitir. Um “lapsus memoriae” traduz uma falta de lembrança momentânea, recuperável mais tarde. Nada disto se adapta à mudança de discurso do Governo. Este “lapso” é, outrossim, a última mentira duma sucessão que valida a máxima atribuída a Frederico II, o Grande, rei da Prússia: “ A trapaça, a má-fé e a duplicidade são, infelizmente, o carácter predominante da maioria dos homens que governam as nações”. 
As afirmações e a pergunta que transcrevo, retiradas aleatoriamente de um registo extenso a que qualquer cidadão tem acesso, foram feitas por Passos Coelho antes de ser primeiro-ministro:
- “Ninguém nos verá impor sacrifícios aos que mais precisam”.
- “Se vier a ser necessário algum ajustamento fiscal, será canalizado para o consumo e não para o rendimento das pessoas”.
- “Se formos Governo, posso garantir que não será necessário despedir pessoas nem cortar salários para sanear o sistema português”.
- “A ideia que se foi gerando de que o PSD vai aumentar o IVA não tem fundamento”.
- “Como é possível manter um Governo em que um primeiro-ministro mente”?

O anterior sustenta que Passos Coelho mentiu. O triste episódio do prolongamento dos cortes patenteia que continua a mentir. Aqueles que acompanham com mais cuidado a série longa de sinais, por isso significativa, dada por este Governo, sabem que a doutrina seguida até agora foi esmagar o valor do trabalho sem tocar na imoralidade dos lucros agiotas das parcerias público-privadas e das empresas que operam em regime de monopólio. Para impor essa doutrina, Passos e Gaspar têm agido como religiosos sectários, que impõem aos outros a sua crença. A essa atitude é costume chamar-se fanatismo. Começa a ser tarde para os portugueses admitirem o que é evidente: o Governo está a falhar na resolução da crise, aproveitando-a, entretanto, para impor um programa político com que nunca teria sido eleito. A degradação da economia e das finanças é clara: o défice só baixou em 2011 pelo recurso artificioso ao fundo de pensões dos bancários; do que se conseguiu em ajustamento do orçamento de Estado, 75 por cento deveu-se ao aumento dos impostos e só 25 por cento à redução das despesas, sendo certo que se atingiu o extremo direito da curva de Laffer (impossibilidade de arrecadar mais receitas aumentando a carga fiscal); o desemprego saltou para os 15 por cento; a dívida pública subiu e aproxima-se dos 115 por cento do PIB, que desce 3,3 pontos percentuais; desapareceu o investimento público e o privado tem a especulação financeira por paradigma (o banco do Estado financia especulações bolsistas de um grupo milionário, enquanto empresas viáveis recusam encomendas do estrangeiro por não terem dinheiro para comprar matérias primas). 
Enquanto o “ Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung” diz que Portugal cairá, citando Sean Egan ("quando a economia de um país se retrai de forma tão significativa e, simultaneamente, os juros das obrigações a 10 anos se situam próximo dos 10 por cento, é óbvio que a situação é insustentável"), Vítor Gaspar (“o ano de 2015 é o ano imediatamente consecutivo a 2014”) entretém-se a competir com Américo Tomás (“hoje visitei todos os pavilhões, se não contar com os que não visitei”). Para que a Grécia não nos caia em cima, o caminho não é este.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

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