A água é um bem essencial à
vida das sociedades humanas. Toda a gente sabe isso, dir-se-á. Não tenho a
certeza de que seja assim. Duvido que tenhamos plena consciência do privilégio
que constitui abrir uma torneira e ver correr a água de que necessitamos.
Duvido que sintamos verdadeiramente o imperativo de que tudo deve ser feito,
aos diversos níveis de responsabilidade, para preservar e gerir da melhor
maneira os recursos hídricos disponíveis, que são escassos. Só assim se
compreende, por exemplo, que haja quem desperdice água insensatamente; quem
polua irresponsavelmente os rios; quem não se preocupe com a armazenagem
controlada dos resíduos perigosos e, com isso, ponha em causa reservatórios de
água; quem ponha os campos de golfe acima dos campos de cultivo; quem ponha o
betão acima das pessoas.
É preciso ter a noção de
que, no mundo, milhões de seres vivos morrem à míngua de água, que há povos que
lutam pela sua posse. E mais: que este cenário tende a agravar-se no futuro
próximo, em ritmo acelerado. A água será «o petróleo do século XXI», como
alguém já lhe chamou, um factor estratégico de riqueza e bem-estar. E não vale
a pena invocar as supostamente tranquilizadoras relações de boa vizinhança,
seja entre pessoas ou países. Nem vale a pena, se não mudarmos de mentalidade e
de filosofia de vida, falar de solidariedade. Este conceito é bom para
tranquilizar a má consciência. É fácil falar de solidariedade, quando não
sentimos na carne necessidades vitais. Na hora do aperto, será o salve-se quem
puder. E isto não se passa apenas com os “outros”. Aqui bem perto, no
ressequido Alentejo, um recente gesto de solidariedade suscitou logo reacções
primárias de sentido contrário. Parafraseando a fala cínica de um personagem do
filme “O regresso a Howards End”, estamos a caminho de sentenciar o seguinte: «Os
carenciados de água existem não para que os ajudemos, mas para que possamos ter
pena deles»!
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