João Miguel
Tavares (PÚBLICO, 21.Nov.2017)
Eu sou um produto, para o bem e para o mal, da escola e
da universidade públicas. Nunca andei em instituições privadas. Três dos meus
quatro filhos frequentam a escola pública, e a mais nova só não frequenta
porque ainda tem cinco anos. Há razões financeiras para esta escolha, pois os
filhos são muitos, mas há sobretudo razões de princípio: acredito na
importância do ensino público; frequentei-o numa época em que era menos
exigente do que hoje e não me dei mal; prefiro que os meus filhos cresçam longe
das bolhas elitistas (sem desprimor) que são os melhores colégios privados;
acho até que certas limitações próprias da escola pública têm vantagens em
termos de autonomia e de resiliência (se os pais desempenharem bem o seu
papel); e prefiro investir o dinheiro que poupo na mensalidade dos colégios em
actividades extracurriculares, ou a viajar com os miúdos para fora do país nas
férias do Verão ou da Páscoa, para ganharem mundo.
Este primeiro parágrafo serve dois objectivos: demonstrar
que sei do que falo quando falo da escola pública, e tentar afastar o
preconceito de que quando critico Mário Nogueira, os sindicatos ou certos
privilégios da classe estou a atacar cada professor em particular. Deixem-me
ser claro quanto a isto, correndo o risco de parecer foleiro: não há mais belo,
nem mais nobre trabalho do que o de professor. De nenhuma outra profissão tanta
gente algum dia disse “graças a ele, a minha vida mudou” ou “nas suas aulas,
descobri a minha vocação”. Tive professores extraordinários, tal como os meus
filhos tiveram professores extraordinários. Mas, como é óbvio, também existe o
outro lado: tive péssimos professores, tal como os meus filhos já tiveram
péssimos professores.
Há décadas que se reconhece a importância de tentar
distinguir uns dos outros, para que os extraordinários possam ser devidamente
premiados, e os péssimos necessariamente penalizados. Há décadas que esse
exercício é um fracasso. Continuamos a alimentar este paradoxo: os professores
são a corporação mais poderosa do país, embora poucas profissões estejam tão
radicalmente dependentes do carisma individual de quem a exerce. Ser professor
é estar sozinho, durante infindáveis minutos, à frente de uma plateia
heterogénea e resmungona, que necessita de ser diariamente conquistada. Não
existe, nem nunca existiu, essa entidade abstracta chamada “os professores” –
existem dezenas de milhares de indivíduos a desempenhar uma função singular e
complexa, que de forma alguma podem ser confundidos com um grupo profissional
homogéneo, como se fossem mineiros, estivadores ou trabalhadores numa linha de
montagem.
A grande vitória da Fenprof e dos Mários Nogueiras desta
vida foi terem conseguido transformar um grupo de indivíduos heterogéneos num
conjunto compacto de funcionários públicos, onde excelência e mediocridade são
amalgamadas em nome dos “direitos da classe”. Sendo o papel do mérito mínimo em
termos de progressão na carreira, o professor de treta tem boas probabilidades
de estar a ganhar o mesmo do professor extraordinário ao fim de 30 anos de
ensino. E sabem o que é mais ridículo? É que toda a comunidade escolar – pais,
alunos, professores, funcionários – sabe perfeitamente distinguir um do outro.
Podiam até apontá-los a dedo. Só que apontar a dedo é feio, e os sindicatos,
lamentavelmente, preferem desde sempre a protecção dos professores medíocres à
valorização daqueles que ainda hoje marcam a vida dos seus alunos.
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