Bruno tinha quatro anos quando começou, decididamente, a escolher livros técnicos e enciclopédias na hora de ir dormir. Aos cinco, em vez de brinquedos, pedia aos familiares e conhecidos que lhe dessem “máquinas para desmontar”. Sobre coloridas mantas, desmontava pequenos electrodomésticos e criava novas ligações entre os componentes inventando máquinas voadoras, naves, submarinos… brincando assim horas a fio. Hoje, com 19 anos, aluno de Tecnologias e Sistemas de Informação, para ter a possibilidade de produzir um anti-vírus que lhe tinha sido “encomendado” por um professor, resolveu levar por diante um projecto de construção de um computador pessoal com características que não se encontram vulgarmente no mercado. Uma vez definidos os parâmetros do computador, foi necessário identificar os respectivos componentes electrónicos, seleccionar a empresa fornecedora (inglesa) e fazer a encomenda (através da internet). Recepcionados os componentes, seguiu-se a montagem do conjunto, a realização de testes e, finalmente, pôr a máquina a funcionar, o que conseguiu com sucesso.
Serve esta breve história para situar o conceito de “Elemento” descrito no recente livro de Ken Robinson, conceituado especialista em Educação Artística. Define ele o dito conceito como a circunstância “onde se reúnem as coisas que adoramos fazer e as coisas em que somos bons”. Paixão e aptidão reunidas potenciam a realização e satisfação pessoal, condição para a boa evolução das comunidades e instituições. Refere que todos nascemos com capacidades extraordinárias e que é essencial alimentar o talento individual e “criar ambientes – nas nossas escolas, nos nossos locais de trabalho… – onde cada um se sinta inspirado a crescer criativamente”.
As ideias veiculadas por Robinson encontram uma fundamentação clara na teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner, psicólogo cognitivo e educacional norte-americano, ligado à Universidade de Harvard. Este identificou há já mais de 25 anos, as inteligências linguística, lógico-matemática, espacial, musical, cinestésica, interpessoal e intrapessoal (associando-se estas últimas no conceito de inteligência emocional) e, mais recentemente, as inteligências naturalista e existencialista.
Obviamente o conceito de criatividade, que tantas vezes erradamente associamos apenas aos domínios artísticos, está na realidade ligada a qualquer das inteligências acima referidas.
Gardner postula que essas competências intelectuais são relativamente independentes, têm a sua origem e limites genéticos próprios e dispõem de processos cognitivos específicos. Segundo ele, os seres humanos dispõem de graus variados de cada uma das inteligências e maneiras diferentes de as combinar e organizar para resolver problemas e criar produtos. Gardner ressalta que, embora estas inteligências sejam, até certo ponto, independentes uma das outras, elas raramente funcionam isoladamente. Embora algumas ocupações ponham em relevo uma inteligência, na maioria dos casos ilustram a necessidade de uma combinação de inteligências. Gardner concluia que a educação deveria contemplar de forma equilibrada as diversas inteligências para que todas as crianças pudessem desenvolver as suas capacidades individuais.
A sua teoria sustenta que as inteligências não são objectos que possam ser quantificados, mas sim potenciais que poderão ser ou não activados, dependendo dos valores de uma cultura específica, das oportunidades disponíveis nessa cultura e das decisões pessoais tomadas por indivíduos e/ou suas famílias, seus professores e outros.
É fácil concluir que um bom sistema de ensino deve oferecer diversidade (com qualidade) e que cabe aos educadores/professores identificar precocemente as inteligências específicas de cada aluno, de forma a trabalhar a sua educação de acordo com as suas necessidades e capacidades.
Ken Robinson refere a importância da qualidade do professor e o papel que este deveria ter como “mentor” da criatividade pessoal (reconhecendo, encorajando, facilitando e exigindo dos seus educandos o máximo naquilo em que são bons). Ironicamente Ken Robinson aponta a Escola como uma das principais causas da perda e estrangulamento da criatividade individual.
Tece duras críticas aos sistemas de ensino público de quase todos os países por serem redutores ao centralizarem os currículos nos domínios formais da matemática, línguas e ciências, colocando na hierarquia, em segundo plano, os estudos humanísticos e em terceiro as artes, sendo que neste domínio se dá maior relevo às artes visuais e à música e sendo característica geral a desvalorização do teatro e da dança.
Referindo-se ao insucesso, ao desinteresse, à falta de inspiração e imaginação dos jovens, refere sem hesitação: “O nosso actual sistema educativo seca-lhes sistematicamente a criatividade”. E acusa ainda: “Existe uma falha básica no modo como alguns governantes interpretam a ideia de regresso ao essencial, que visa melhorar a qualidade da educação (…), parecem considerar que ao alimentarem as nossas crianças com um menu nacional composto de leitura, escrita e aritmética, as tornarão mais competitivas e mais preparadas para o futuro.” Segundo ele, esta opção exclui à partida e destrói a vontade de aprender de uma grande percentagem de jovens.
No livro “O Elemento” nomeia, entre outros, como bom exemplo de prática educativa, a Experiência de Pré-Escolar de Reggio Emilia e é uma boa surpresa encontrar nesta obra a poesia do pedagogo Loris Malaguzzi sobre as 100 linguagens da criança.
Ken Robinson defende ainda que a Educação de que precisamos no séc. XXI não passa por uniformizar mas por personalizar; não passa por promover o pensamento de grupo mas por “cultivar a verdadeira profundidade de qualquer tipo de capacidade humana”.
Para concluir estas reflexões, não resisto a utilizar ainda uma passagem do livro “O Elemento”, que Ken Robinson refere ser da autoria de Miguel Ângelo: «O maior risco não é que as nossas aspirações sejam demasiado altas e não as consigamos concretizar, mas que sejam demasiado baixas e as alcancemos.»
Helena Martinho
Texto publicado nos Cadernos de Educação de Infância – N.º 94, Setembro-Dezembro.2011
Referência bibliográfica:
Ken Robinson e Lou Aronica, O Elemento, Porto Editora, 2011