António Bagão Félix (Público, 04.Maio.2017)
Hoje “Tudo menos economia” é mesmo isso. “Artes do futuro”: título que dá nome ao último CD de Pedro Barroso (PB). Não o conheço pessoalmente, mas acompanho com redobrado gosto as suas criações musicais e poéticas. Na senda dos anteriores álbuns, este CD oferece-nos uma obra de inegável qualidade e sensibilidade.
PB não é autor
de concessões ao fácil, ao “light”, à fama fútil e efémera. Soube criar,
com mestria, a sua forma ímpar de estar no mundo da interpretação e da criação
musical e literária. A sua música tem um especial sabor épico, que a sua forma
de a transmitir acentua sublimemente. Os seus temas cruzam tempos numa simbiose
natural de vivências e memórias, anseios e esperança, sonhos e utopias, de “passado
contido no futuro” e de futuro prenhe de pretérito. Nele, a portugalidade é
enaltecida e jamais olvidada (“a nação ternura”), sem, porém, esquecer o
que não nos enobreceu ao longo da (nossa) descoberta.
As suas letras
e músicas são genuinamente simples. Todavia, não simplificadas. Simples, no que
isso implica de complexidade de se atingir a naturalidade perfumada da síntese.
Gosta de se debruçar sobre o tempo da vida e sobre a vida no tempo. Entre a
tradição respeitada e a invenção sonhada. PB fala-nos da sátira (realista) do “engenheiro
comendador”, para logo a seguir nos convidar a sentar “à mesa com o
futuro” e dizer-nos, cantando:
Os mais justos, os mais simples e
discretos
Genuínos, imperfeitos e inseguros,
Serão eles – os sonhadores irrequietos
Que vão sentar-se à mesa…
Com o futuro!
E em jeito de “post
scriptum” termina esta sua nova obra com energia:
Um homem sem sonhar não faz futuro
Um homem que não sabe dizer não
Nem busca iluminar tudo que é escuro
Um homem sem sonhar perde a … razão…
“Artes
do futuro” é uma bela homenagem à liberdade de se ser e de sonhar, um
preito sublime à justeza e justiça da quase sinestésica expressão ética dos
sentidos e das sabedorias (“um mundo onde os poetas não sejam estudados como
anormais, e os homens justos, e as gentes de estudo sejam distinguidos. E a
sabedoria seja infinda e livre e nunca demais e então se publique, por decreto
urgente – a lei dos sentidos!”). E é também um preito à esperança. À que
exige a certeza da incerteza, a que radica na interrogação, na excelência da dúvida,
no esforço da busca, na têmpera. A que não se conforma com a auto-suficiência,
a resignação bloqueadora e a negatividade sistemática. Afinal o espanto do
esperanto dito na canção dedicada à sua neta Constança, em nome do futuro:
Vem-me aos braços, que eu não me
envergonho
Planta o mundo todo qu’inda houver
Traz a alma, que eu trago o meu sonho
E o espanto pode acontecer
Uma obra como
acto de discernimento com coragem. Pela diferença. “Música bonita com
palavras inteligentes”. Num terreno adverso, discriminatório, solipsista,
onde é lastimável o monopólio da “pimbice” com palco permanente e onde se
tratam, em regime de rodapé, artistas e obras que nos orgulham e nos encantam.
Para este “Manual de sobrevivência para sonhadores” – assim
intitula PB esta obra – o meu muito obrigado!
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