O Nelo entrou no meu gabinete e, após umas primeiras palavras de circunstância, perguntou-me: «Como dás as aulas?». Percebi que o assunto era sério, porque vi comoção no olhar do meu colega.
Ambos tínhamos em comum uma turma do curso de Física (1978-1983) na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). Eram alunos que tinham uma craveira intelectual acima da média. De entre eles, vieram a destacar-se, por exemplo, os actuais professores da FCUL João Lin Yun (Astrofísica), Luís Matias (Geofísica) e Margarida Cruz (Física da Matéria Condensada), e o investigador do Laboratório Nuclear de Sacavém Nuno Pinhão (Física Atómica e Molecular). Como eu não tinha razões de queixa da turma e os mesmos alunos consternavam o Nelo pelo seu alheamento nas aulas, percebe-se a pergunta: «Como dás as aulas?».
Que podia eu responder ao Nelo que ele não soubesse?
Foram momentos de grande constrangimento. Julgo que o que lhe disse não deve
ter servido para muito, porque o problema não tinha a ver com a competência
científica dele, nem com a preparação das aulas ou a falta de empenhamento. A
questão era outra… e eu nada podia fazer para o ajudar a desatar aquele nó
cego.
Rómulo de Carvalho disse um dia, numa entrevista ao
Jornal de Letras, que a aptidão para o ensino «não é coisa que os
professores aprendam nas escolas, quando estão a preparar-se para a profissão,
é uma coisa natural», ao que acrescentou um “mas”: «fartei-me de
trabalhar, sabe, fartei-me de trabalhar.» É claro que um candidato a
professor pode apreender ensinamentos no sentido de tornar mais eficaz a sua
aptidão para comunicar, mas tais ensinamentos são apenas condições necessárias,
que não suficientes.
Há qualquer coisa de indefinível
que faz com que os bons professores – aqueles que marcam os alunos e são
recordados com carinho – se destaquem dos outros. Serão, em geral, as
qualidades humanas? Será, em particular, o perfil físico? O tom de voz? A
experiência? O empenhamento? A honestidade? A humildade? A imaginação? A
disponibilidade? O jeito para dialogar? A capacidade de fomentar e gerir
cumplicidades? Não sei. Sei apenas que dos professores bem se pode dizer que “são
muitos os chamados... mas poucos os escolhidos”.
PS – Há dias enviei um email a um
dos alunos mencionados acima para lhe pedir uma informação. Já não contactávamos
há uns trinta anos… E eis que, na volta do correio, ele me surpreendeu: «É com enorme gosto que recebo e leio uma
mensagem sua. Gostaria que soubesse que foi dos melhores professores que tive
na FCUL, alguém de quem guardo uma recordação muito positiva e construtiva.»
O leitor não acha natural que este testemunho me tenha dado uma grande alegria?
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