sexta-feira, 22 de julho de 2011
terça-feira, 19 de julho de 2011
domingo, 17 de julho de 2011
Homenagem a Diogo Vasconcelos
Diogo Vasconcelos, um dos incentivadores do Plano Tecnológico e um forte impulsionador da proximidade da sociedade às novas tecnologias, morreu em Londres na passada 5.ª feira e o seu funeral realiza-se hoje no Porto.
Apenas agora soube que há dois anos, em Junho de 2009, Diogo Vasconcelos e Teresa Martinho Marques (minha filha) se cruzaram num contacto virtual na rede INTERACTIC 2.0. Diogo Vasconcelos lançara um desafio que terminava assim: Fico a aguardar os vossos comentários. Sky is the limit.
A Teresa respondeu ao desafio, e Diogo Vasconcelos deixou o seguinte comentário:
Cara Teresa Marques
A sua resposta é muito inspiradora. Desde Sebastião da Gama que não lia um texto tão belo sobre a arte de ser professor. Obrigado!
Quis agora a Teresa, no seu blogue, prestar a homenagem que Diogo Vasconcelos merece (http://tempodeteia.blogspot.com/2011/07/diogo-vasconcelos-rede-interactic-e-eu.html):
«(...) pelo que ele simboliza na nossa história recente (oh se o entendo bem... tão bem que não consigo nunca falar dele no passado), pelo vento que ele é e será sempre nas nossas velas de futuro, pelo facto de acreditar que é pelo sonho que vamos.
Cruzámos linhas por um breve instante e ao reler o que disse(mos), não posso deixar de constatar que tenho pelo menos tentado colocar em prática muitos sonhos e não gastar apenas o tempo a falar deles. É a minha melhor homenagem a homens como o Diogo que são exemplo de visão e acção entrelaçadas.»
Foto: Ana Ramalho
Apenas agora soube que há dois anos, em Junho de 2009, Diogo Vasconcelos e Teresa Martinho Marques (minha filha) se cruzaram num contacto virtual na rede INTERACTIC 2.0. Diogo Vasconcelos lançara um desafio que terminava assim: Fico a aguardar os vossos comentários. Sky is the limit.
A Teresa respondeu ao desafio, e Diogo Vasconcelos deixou o seguinte comentário:
Cara Teresa Marques
A sua resposta é muito inspiradora. Desde Sebastião da Gama que não lia um texto tão belo sobre a arte de ser professor. Obrigado!
Quis agora a Teresa, no seu blogue, prestar a homenagem que Diogo Vasconcelos merece (http://tempodeteia.blogspot.com/2011/07/diogo-vasconcelos-rede-interactic-e-eu.html):
«(...) pelo que ele simboliza na nossa história recente (oh se o entendo bem... tão bem que não consigo nunca falar dele no passado), pelo vento que ele é e será sempre nas nossas velas de futuro, pelo facto de acreditar que é pelo sonho que vamos.
Cruzámos linhas por um breve instante e ao reler o que disse(mos), não posso deixar de constatar que tenho pelo menos tentado colocar em prática muitos sonhos e não gastar apenas o tempo a falar deles. É a minha melhor homenagem a homens como o Diogo que são exemplo de visão e acção entrelaçadas.»
Foto: Ana Ramalho
sábado, 16 de julho de 2011
A casa da tia Maria Luísa
Todos, ou quase todos nós, guardamos como recordação das nossas brincadeiras de meninos, um certo lugar. Para mim, foi a casa da tia Maria Luísa. Lá está ainda, no Planalto de S. Bento, em Santarém, construída no ano de 1941, pintada de branco e com janelas debruadas a vermelho. No terreno que a envolvia, ficava o quintal com a capoeira, o cão de guarda e a cerejeira que ao longo de anos foi crescendo e quase tocava a janela de um dos quartos do primeiro andar. Muitas vezes nos debruçámos nela para apanhar as bagas vermelhinhas. Nunca houve árvore mais bonita. Nem frutos mais doces! Havia ainda a horta e o jardim, o tanque grande para as brincadeiras de verão e para as regas.
Pelas traseiras, entrava-se em casa por um alpendre, cujo chão coberto de mosaicos nos permitia ensaiar “vistosos” passos de dança e dar mesmo... alguns trambolhões. No alpendre, havia dois tanques para a lavagem de roupa, uma pequena casa de banho e a sala para o arranjo dos lençóis, toalhas e vestuário em geral. Era uma dependência agradável, cheia de luz, com janelas e portas que davam para o jardim e... com música saindo de uma, caixa estranha sem botões (tratava-se de um altifalante), um luxo naquela época. Cuidar da roupa era uma das tarefas da tia Maria Luísa. Muitas vezes a encontrei ali, com “montanhas” de peças que ela pacientemente borrifava, dobrava ou passava a ferro.
Lembro a porta estreita que nos introduzia no interior da casa, com o seu grande corredor liberto de móveis. De um lado, a cozinha e os seus odores, do outro, a sala de jantar, de mobiliário simples e funcional, com a mesa colocada no centro, mesa que se “desdobrava” a todas as refeições para os da casa (a família era grande) e para os que apareciam de surpresa. Sempre foi assim. Ao fundo do corredor ficava a sala do piano, sombria, talvez porque as paredes estavam revestidas de retratos muito antigos. Ao lado, o escritório do tio Américo, com uma bonita mobília negra chapeada a metal amarelo.
Tínhamos acesso à garagem através de uma portinha ao lado do escritório. Sentados no velho e belíssimo Citröen (eu, meus irmãos e primo), o primo mais velho ao volante, lá partíamos mundo fora...
De referir ainda a casa do lavatório onde todos brincávamos numa improvisada casa de bonecas. No primeiro andar ficavam os quartos e a sala de banho, muito moderna, tal qual as que víamos nas escassas idas ao cinema.
Ao sótão, íamos pouco. As divisões serviam para arrumações. Tínhamos um certo “respeito” pelo piso superior. Lembro-me que olhava com algum receio o lance de escadas que nos conduzia até lá. Preferia não arriscar. Estava-se muito bem cá em baixo!
A família sofreu muitos revezes, que davam para uma longa história. Todos foram desaparecendo, um a um, mais ou menos tragicamente. No casarão habitam agora três mulheres, as mais jovens. A tia Maria Luísa deixou-nos também há alguns anos, após prolongada doença que a manteve indiferente a tudo e a todos, durante anos. Lembro hoje, com saudade, as brincadeiras inventadas por cada um de nós ao longo da casa (postas em prática sem quaisquer proibições!), como atravessar a cozinha em correria para aterrar mais depressa no quintal, as sessões de cantigas e teatros, a casa das bonecas, o velho automóvel...
Os grandes tinham então muito tempo para se ocupar dos mais pequenos e amá-los sem pressas. Quantas tias Luísas ajudaram, assim, a crescer muitos de nós, dando força a coisas que, mesmo singelas, marcaram o nosso modo de estar na vida.
Texto de Maria da Piedade Pinheiro Martinho
publicado no jornal O MIRANTE em Novembro.1989
sexta-feira, 15 de julho de 2011
quarta-feira, 13 de julho de 2011
Quando foi?
Deixaram de me embalar
me aconchegar
com histórias
à noite
para adormecer
E eu não me lembro quando foi
o dia
a exacta hora
em que se foram embora
e se esqueceram de mim
(e a palavra fim, foi mesmo fim).
O que descobriram sem eu saber?
Que chegara às estrelas?
Já sabia ler?
Não acreditava em fadas
ao anoitecer?
Foi duma vez só que cresci?
Ou foi sendo, sem regresso,
e eu nem me apercebi?
Não me lembro quando foi
o dia
o exacto momento
em que olhei de fora para mim
e percebi
que o meu corpo era o meu.
Agora
já não é importante recordar
a exacta hora
Esqueci.
Porque chegou a noite
de emprestar histórias
e de semear
magia e fadas
em ti.
Poema de Teresa Martinho Marques (http://sabordepalavra.blogspot.com)
in Das Palavras, Edições Eterogémeas (http://www.eterogemeas.com)
ilustrado por Paulo Miguel P. Martinho (http://pintapalavras.blogspot.com)
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Ciência no Jardim de Infância
A manhã do dia 9 de Julho (sábado) passei-a de uma maneira diferente. Apologista que sou de levar a Ciência aos jardins de infância (http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.com/2011/01/vamos-levar-ciencia-ao-jardim-de.html), não podia deixar de ir ouvir Helena Martinho (minha filha) e o Prof. Carlos Fiolhais falarem sobre este tema no XII Econtro Nacional da Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI) (http://apei.pt/upload/ficheiros/var/Programa%20XII%20Encontro%20-ultima%20versao.pdf).
A Maria Helena falou da “Viagem ao Mundo da Luz” (http://www.slideshare.net/3zamar/viagem-ao-mundo-da-luz-1-prmio-cincia-na-escola-helena-martinho), um projecto realizado com os seus meninos do Jardim de Infância do Vimeiro, no ano lectivo 2009-2010, com o qual conquistaram o 1.º lugar do Prémio Fundação Ilídio Pinho “Ciência na Escola – Artes da Física”.
Resumo: O Projecto “Viagem ao Mundo da Luz” procurou pesquisar fenómenos da Física em três domínios essenciais: refracção da luz, reflexão, e sombra. O percurso passou pelo levantamento de ideias prévias sobre fenómenos como o “arco-íris” ou outros e também pela exploração plástica dos temas. As sessões experimentais realizadas dentro e fora da sala, com luz natural e artificial, em torno de fenómenos como a decomposição da luz no seu espectro de cores, a exploração de sombras e a fantástica descoberta da reflexão múltipla da imagem com a utilização de dois espelhos de dança, originaram múltiplos registos gráficos e verbais, discussões muito interessantes e muitas descobertas progressivamente mais concretas e científicas. Também a construção e exploração de materiais como: discos de newton, espectroscópio, caleidoscópios e relógios de sol, foram proporcionando aprendizagens novas sobre os domínios pesquisados. Existiu um constante cuidado no permear o Projecto com a imagem artística que fizesse sentido como leitura divergente dos domínios abordados. No domínio da refracção, exploraram-se pinturas de Hilma Af Klint, Hundertwasser e algumas obras do escultor britânico de Land Art Andy Golsworthy; no contexto da reflexão recorreu-se à pintura de Dali, Monet, Caspar David Friedrich e Fernand Khnopff; já quanto às sombras descobrimos as instalações em materiais e desperdícios industriais da dupla britânica: Tim Noble e Sue Webster. Também a Literatura para a Infância enriqueceu o projecto com uma leitura mais lúdica e fantasiosa, dos domínios explorados. Aqui recorreu-se a obras de diferentes origens e línguas (Portugal, Coreia, Inglaterra, América…). Livros tão belos como “Espelho” de Suzy Lee, fantasiosos como “The rainbow goblins” de Ul de Rico ou divertidos como ”Nothing sticks like a shadow” de Ann Tompert perdurarão, seguramente, na memória das crianças. Para terminar o Projecto montou-se uma Exposição (no Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro) que incluiu todo o material construído e explorado, fotografias, registos gráficos, trabalhos de expressão plástica, livros utilizados e filmagens das sessões experimentais.
Carlos Fiolhais, professor catedrático da Universidade de Coimbra e prestigiado divulgador de Ciência, intitulou sugestivamente a sua comunicação de “Ciência no jardim-de-infância: de pequenino se torce o destino”. Do brilhantismo da sua intervenção basta dizer que foi interrompido várias vezes pelos aplausos da numerosa assistência.
Resumo: É hoje consensual que a cidadania nos tempos de hoje envolve uma preparação científica básica. Apesar de ter havido alguns avanços nos últimos anos, ainda existe entre nós um enorme défice do ensino das ciências nos primeiros anos de escolaridade: no jardim de infância e no 1.º ciclo do ensino básico. Se no início do século XX o nosso problema era o analfabetismo, no início do corrente século é, em larga medida, o analfabetismo científico. Esse fenómeno, que se deve mais à pouca familiaridade com a ciência dos educadores e professores desse grau de ensino do que a falta de meios materiais, está na base do nosso défice de ciência escolar que apontei no meu recente livro “A Ciência em Portugal”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que se expressa em avaliações realizadas em anos posteriores de escolaridade. Para o ultrapassar há que promover melhor formação de educadores e professores e propor a realização de experiências no jardim de infância e na escola básica com materiais simples e acessíveis: o êxito da colecção “Ciência a brincar”, publicada pela editora Bizâncio, que já vai em dez volumes, mostra que há uma grande receptividade à “ciência para pequeninos”. As Crianças, claro, mostram-se muito curiosas e interessadas em actividades científicas pelo que não são seguramente o problema.
“Ciência a Brincar”: http://www.editorial-bizancio.pt/coleccoes.php?col=19
É lamentável que este Encontro da APEI, onde participaram centenas de profissionais, tenha passado despercebido nos órgãos de comunicação social. Em particular, as estações de televisão, que se dispõem a gastar tempos infindos com banalidades, não têm um ou dois minutos para pôr em destaque uma questão de importância estratégica para o nosso País, a Educação de Infância.
domingo, 10 de julho de 2011
Vermelho maresia
O meu amiguinho Vicente, que tem apenas 6 anos, é um menino especial, nomeadamente a contar histórias que reinventa ou imagina e que conta com as mãos, os olhos, o corpo todo... Andou no Jardim de Infância do Vimeiro e no próximo ano lectivo frequentará o 1.º ano em Santa Cruz.
A história que se segue foi contada pelo Vicente e recolhida pela educadora Helena Martinho.
Era uma vez um marinheiro que andava sempre sempre no alto mar. Ele tinha uma esposa e tinha um filhote e eles andavam sempre sempre muito tristes. E ele quando voltava do mar trazia sempre um ramo de flores à mulher.
Ele passava dias, semanas, meses e anos sem voltar a casa. Um dia decidiu alterar a prenda que dava à mulher e ofereceu-lhe um «bouquet» de estrelas do mar. Diz-se que as estrelas do mar têm poderes… e estas eram mágicas e fizeram uma magia. O marinheiro deu muitos beijinhos à mulher e ela ficou grávida num abrir e fechar de olhos!
Então a casa dele encheu-se de alegria… havia estrelas pelo tecto… a tristeza saía pelas portas e pelas janelas e pelo telhado…
E por magia nasceu uma bebé que se chamava Maresia… e por magia essa bebé nasceu com o cabelo vermelho! Vermelho maresia é a cor mais rara do mundo…
E dizem… que ela tinha sempre saudades das algas, dos búzios e das estrelas do mar… porque ela era meio filha do mar.
Esta história é única e não volta a repetir-se…
Vicente Soares Carvalho (6 anos)
Ilustração em http://catherinedejupiter.files.wordpress.com
Ele passava dias, semanas, meses e anos sem voltar a casa. Um dia decidiu alterar a prenda que dava à mulher e ofereceu-lhe um «bouquet» de estrelas do mar. Diz-se que as estrelas do mar têm poderes… e estas eram mágicas e fizeram uma magia. O marinheiro deu muitos beijinhos à mulher e ela ficou grávida num abrir e fechar de olhos!
Então a casa dele encheu-se de alegria… havia estrelas pelo tecto… a tristeza saía pelas portas e pelas janelas e pelo telhado…
E por magia nasceu uma bebé que se chamava Maresia… e por magia essa bebé nasceu com o cabelo vermelho! Vermelho maresia é a cor mais rara do mundo…
E dizem… que ela tinha sempre saudades das algas, dos búzios e das estrelas do mar… porque ela era meio filha do mar.
Esta história é única e não volta a repetir-se…
Vicente Soares Carvalho (6 anos)
Ilustração em http://catherinedejupiter.files.wordpress.com
sábado, 9 de julho de 2011
O “Adeus” definitivo de Rómulo de Carvalho
ADEUS – in “Rómulo de Carvalho [Memórias]” (pág. 497)
Edição da Fundação Calouste Gulbenkian
Ǥ 170 - Meus queridos tetranetos.
(...)
Por tudo isto [grande sofrimento físico devido a doença grave] me decidi a terminar [1 de Fevereiro de 1997] a escrita destas memórias. Ficasteis a saber de mim tudo quanto era facilmente comunicável. Morro tranquilo porque nunca fiz mal a ninguém e sempre ajudei o próximo em tudo quanto pude. Nunca me zanguei com ninguém, como já vos disse, e de boa vontade pediria desculpa a quem tivesse tido de mim qualquer impressão de que o ofendera ou magoara. Cumpri sempre os meus deveres para com o próximo e o distante. Trabalhei a vida inteira e, embora mal remunerado, sempre o fiz com todo o esmero possível.
A vida nunca me seduziu. Entre o viver e o morrer sempre preferi o morrer. Se não tivesse nascido, ninguém daria pela minha falta. Reconheço que estou a ser indelicado com todos aqueles que gostam de mim, mas peço-lhes que me desculpem. É preciso ter vocação para viver e é por isso que alguns se suicidam, o que é digno de todo o respeito. Nunca pensei nisso e só em consequência de um sofrimento excessivo o faria.
O mundo é repugnante e a vida não tem sentido. É uma luta permanente e feroz em que cada um busca a satisfação dos seus interesses exactamente como outros quaisquer seres vivos, animais ou plantas, que se espreitam e se atacam. Em nós, humanos, que somos o ponto mais elevado do desenvolvimento das espécies, o modo de proceder é diferente e as manhas são outras. Mas o homem que está comodamente sentado à secretária do seu gabinete, com a esferográfica na mão e o papel defronte, ruminando em qual será a melhor maneira de atacar o próximo, de o explorar, de o dominar e de encher os seus próprios bolsos, em nada difere, nas intenções, de um quadrúpede qualquer, de um insecto, de um peixe, do que for, que está muito quieto no seu reduto, espreitando o outro que anda ali próximo, para dar o salto no momento próprio. Ele vigia, o insecto, o peixe, o quadrúpede, pensa, faz cálculos, analisa, decide e, num relâmpago, atira a sua arma sobre o irmão distraído, pisa-o, esmaga-o, massacra-o e descansa, olhando em redor, não venha outro como ele fazer-lhe o que agora tanto o satisfaz. E nós a julgarmos que somos os únicos e privilegiados animais presentes. Não é sem pensar que o pobre cão perdido a longa distância da sua casa, a dos seus donos, consegue reencontrá-la e de novo repousar no seu habitual aconchego. E assim já tem sucedido. Ou a gaivota que levanta voo do rochedo para ir examinar o mar e regressa para comunicar às companheiras que a aguardam como as coisas decorrem. Ou as formigas que vão e vêm, numa carreirinha, segredando umas às outras o que se vai passando.
As minhas dores no estômago e nos intestinos continuam sem descanso e os médicos não descobrem o que tenho apesar de todo o seu saber, simpatia e generosidade. É preferível morrer. É neste estado que vos escrevo embora a minha letra, que aqui vêdes, não dê sinal de tantos males e de tão profundo abatimento. Fui sempre pessoa de grande coragem e espero conservá-la até o último momento.
A todos os que me estimaram e, no extremo, me amaram, um longo adeus com os olhos tristes. Muito em particular para os meus mais íntimos. Deixo, neste vale, a vossa tetravó Natália, dois filhos (uma filha e um filho) e cinco netos (duas netas do filho, e uma neta e dois netos da filha). Todos me estimaram, e até me amaram muito, cada um com a sua capacidade de expressão.
A tristeza da minha situação actual conseguiu arrancar os fechos das portas dos esconderijos onde a vossa tetravó Natália conservava guardados, desde há longos anos, os seus afagos, os seus carinhos, os seus sentimentos de amor, tão vivos, tão ansiosos de préstimo como se tivessem nascido no momento. Ninguém tem culpa de nada. Tudo quanto fazemos resulta dessa luta interminável entre insignificantes células hereditárias que nos dominam completamente e fazem de nós um complexo inevitável de comportamentos e de sentimentos a que somos alheios. Ela é uma mulher intelectual e tudo nela foi intelectualizado e assim arrumado, em prateleiras, e tudo por ordem. De repente tudo se desmoronou, as prateleiras ruiram e no alvoroço dos escombros apareceram uns olhos ardentes, espreitando o mundo e poisaram-se em mim.
E é tudo.
Chamo-me Rómulo e nasci no dia 24 de Novembro de 1906 com sete meses de gestação. Faleci em 19 de Fevereiro de 1997.»
Cf. http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.com/2010/12/romulo-de-carvalho-memorias.html
Cf. “Escolhas de Livros de Carlos Fiolhais” em link colocado em: http://dererummundi.blogspot.com/2011/07/memorias-de-romulo.html
Edição da Fundação Calouste Gulbenkian
Ǥ 170 - Meus queridos tetranetos.
(...)
Por tudo isto [grande sofrimento físico devido a doença grave] me decidi a terminar [1 de Fevereiro de 1997] a escrita destas memórias. Ficasteis a saber de mim tudo quanto era facilmente comunicável. Morro tranquilo porque nunca fiz mal a ninguém e sempre ajudei o próximo em tudo quanto pude. Nunca me zanguei com ninguém, como já vos disse, e de boa vontade pediria desculpa a quem tivesse tido de mim qualquer impressão de que o ofendera ou magoara. Cumpri sempre os meus deveres para com o próximo e o distante. Trabalhei a vida inteira e, embora mal remunerado, sempre o fiz com todo o esmero possível.
A vida nunca me seduziu. Entre o viver e o morrer sempre preferi o morrer. Se não tivesse nascido, ninguém daria pela minha falta. Reconheço que estou a ser indelicado com todos aqueles que gostam de mim, mas peço-lhes que me desculpem. É preciso ter vocação para viver e é por isso que alguns se suicidam, o que é digno de todo o respeito. Nunca pensei nisso e só em consequência de um sofrimento excessivo o faria.
O mundo é repugnante e a vida não tem sentido. É uma luta permanente e feroz em que cada um busca a satisfação dos seus interesses exactamente como outros quaisquer seres vivos, animais ou plantas, que se espreitam e se atacam. Em nós, humanos, que somos o ponto mais elevado do desenvolvimento das espécies, o modo de proceder é diferente e as manhas são outras. Mas o homem que está comodamente sentado à secretária do seu gabinete, com a esferográfica na mão e o papel defronte, ruminando em qual será a melhor maneira de atacar o próximo, de o explorar, de o dominar e de encher os seus próprios bolsos, em nada difere, nas intenções, de um quadrúpede qualquer, de um insecto, de um peixe, do que for, que está muito quieto no seu reduto, espreitando o outro que anda ali próximo, para dar o salto no momento próprio. Ele vigia, o insecto, o peixe, o quadrúpede, pensa, faz cálculos, analisa, decide e, num relâmpago, atira a sua arma sobre o irmão distraído, pisa-o, esmaga-o, massacra-o e descansa, olhando em redor, não venha outro como ele fazer-lhe o que agora tanto o satisfaz. E nós a julgarmos que somos os únicos e privilegiados animais presentes. Não é sem pensar que o pobre cão perdido a longa distância da sua casa, a dos seus donos, consegue reencontrá-la e de novo repousar no seu habitual aconchego. E assim já tem sucedido. Ou a gaivota que levanta voo do rochedo para ir examinar o mar e regressa para comunicar às companheiras que a aguardam como as coisas decorrem. Ou as formigas que vão e vêm, numa carreirinha, segredando umas às outras o que se vai passando.
As minhas dores no estômago e nos intestinos continuam sem descanso e os médicos não descobrem o que tenho apesar de todo o seu saber, simpatia e generosidade. É preferível morrer. É neste estado que vos escrevo embora a minha letra, que aqui vêdes, não dê sinal de tantos males e de tão profundo abatimento. Fui sempre pessoa de grande coragem e espero conservá-la até o último momento.
A todos os que me estimaram e, no extremo, me amaram, um longo adeus com os olhos tristes. Muito em particular para os meus mais íntimos. Deixo, neste vale, a vossa tetravó Natália, dois filhos (uma filha e um filho) e cinco netos (duas netas do filho, e uma neta e dois netos da filha). Todos me estimaram, e até me amaram muito, cada um com a sua capacidade de expressão.
A tristeza da minha situação actual conseguiu arrancar os fechos das portas dos esconderijos onde a vossa tetravó Natália conservava guardados, desde há longos anos, os seus afagos, os seus carinhos, os seus sentimentos de amor, tão vivos, tão ansiosos de préstimo como se tivessem nascido no momento. Ninguém tem culpa de nada. Tudo quanto fazemos resulta dessa luta interminável entre insignificantes células hereditárias que nos dominam completamente e fazem de nós um complexo inevitável de comportamentos e de sentimentos a que somos alheios. Ela é uma mulher intelectual e tudo nela foi intelectualizado e assim arrumado, em prateleiras, e tudo por ordem. De repente tudo se desmoronou, as prateleiras ruiram e no alvoroço dos escombros apareceram uns olhos ardentes, espreitando o mundo e poisaram-se em mim.
E é tudo.
Chamo-me Rómulo e nasci no dia 24 de Novembro de 1906 com sete meses de gestação. Faleci em 19 de Fevereiro de 1997.»
Cf. http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.com/2010/12/romulo-de-carvalho-memorias.html
Cf. “Escolhas de Livros de Carlos Fiolhais” em link colocado em: http://dererummundi.blogspot.com/2011/07/memorias-de-romulo.html
quinta-feira, 7 de julho de 2011
Selecção de Professores
O editorial de hoje (Público, 03/09/2007) insurge-se contra a «imposição de testes específicos a todos os que acabam esses cursos [de formação de professores] e pretendem ingressar na carreira docente». A meu ver, a enorme importância do assunto justifica alguns comentários.
1. Iniciar o artigo com a afirmação de que «O Ministério da Educação não confia no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior» não ajuda a focar o problema. Nesta matéria, não se trata de saber quem (não) confia em quem. A questão essencial consiste em saber se se deve fazer uma selecção dos futuros professores e, no caso afirmativo, como proceder para identificar correctamente os melhores de entre os candidatos a professor.
2. Quais são os melhores candidatos a professor? Boa pergunta! Há qualquer coisa de indefinível, que “não vem nos livros”, que faz com que os bons professores – aqueles que marcam os alunos e são recordados – se destaquem dos outros. Serão, em geral, as qualidades humanas? o perfil físico? o tom de voz? a experiência? o empenhamento? a imaginação? a disponibilidade? o jeito para dialogar? a capacidade de fomentar e gerir cumplicidades? será uma vocação natural? Não sei. Dos professores, bem se poderia dizer também que “são muitos os chamados, mas poucos os escolhidos”.
3. Sou, pois, a favor de uma selecção, mas não com base (pelo menos, exclusivamente) em critérios de tipo escolar. Concordo com o editorialista quando afirma que cabe à Universidade assegurar que um candidato a professor conhece a matéria específica em que se licenciou, que deve dominar a língua materna, estar familiarizado com as novas tecnologias de informação, etc.; em resumo, que tem as óbvias competências básicas necessárias para leccionar. Neste particular, convém saber se os candidatos a professor provêm apenas de licenciaturas em formação de professores e se provêm apenas das universidades públicas, o que julgo não ser o caso. O sistema educativo não deveria ser um «vazadouro», mas infelizmente o desemprego obriga muita gente a procurar o ensino por necessidade e não por vocação.
4. Em Novembro de 1996, Rómulo de Carvalho («professor, pedagogo, historiador e divulgador da Ciência, tudo em nome do Ensino») deu uma entrevista notável ao JL/Educação. Dizia ele que a aptidão para o ensino «não é coisa que os professores aprendam nas escolas, quando estão a preparar-se para a profissão, é uma coisa natural», mas dizia também «fartei-me de trabalhar, sabe, fartei-me de trabalhar.» Das palavras de Rómulo de Carvalho parece legítimo retirar a conclusão de que na base do êxito de um professor, está a vocação, mas que é imprescindível muita transpiração... Julgo, pois, que, na selecção futura dos candidatos a professor, mais do que (por exemplo) a média da licenciatura, importa a sinceridade da vocação, a honestidade da motivação, a força da determinação e uma razoável cultura geral. A transpiração vem depois, por imperativo destas exigências.
A terminar, uma ressalva: Esta “teoria da vocação” é válida para ministérios da Educação que não estejam contra com os professores, caso contrário não há motivação que resista nem transpiração que dignifique.
Publicado em 15.Setembro.2007 no blogue convidado do PÚBLICO
http://dererummundi.blogspot.com/2007/09/seleco-de-professores.html
1. Iniciar o artigo com a afirmação de que «O Ministério da Educação não confia no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior» não ajuda a focar o problema. Nesta matéria, não se trata de saber quem (não) confia em quem. A questão essencial consiste em saber se se deve fazer uma selecção dos futuros professores e, no caso afirmativo, como proceder para identificar correctamente os melhores de entre os candidatos a professor.
2. Quais são os melhores candidatos a professor? Boa pergunta! Há qualquer coisa de indefinível, que “não vem nos livros”, que faz com que os bons professores – aqueles que marcam os alunos e são recordados – se destaquem dos outros. Serão, em geral, as qualidades humanas? o perfil físico? o tom de voz? a experiência? o empenhamento? a imaginação? a disponibilidade? o jeito para dialogar? a capacidade de fomentar e gerir cumplicidades? será uma vocação natural? Não sei. Dos professores, bem se poderia dizer também que “são muitos os chamados, mas poucos os escolhidos”.
3. Sou, pois, a favor de uma selecção, mas não com base (pelo menos, exclusivamente) em critérios de tipo escolar. Concordo com o editorialista quando afirma que cabe à Universidade assegurar que um candidato a professor conhece a matéria específica em que se licenciou, que deve dominar a língua materna, estar familiarizado com as novas tecnologias de informação, etc.; em resumo, que tem as óbvias competências básicas necessárias para leccionar. Neste particular, convém saber se os candidatos a professor provêm apenas de licenciaturas em formação de professores e se provêm apenas das universidades públicas, o que julgo não ser o caso. O sistema educativo não deveria ser um «vazadouro», mas infelizmente o desemprego obriga muita gente a procurar o ensino por necessidade e não por vocação.
4. Em Novembro de 1996, Rómulo de Carvalho («professor, pedagogo, historiador e divulgador da Ciência, tudo em nome do Ensino») deu uma entrevista notável ao JL/Educação. Dizia ele que a aptidão para o ensino «não é coisa que os professores aprendam nas escolas, quando estão a preparar-se para a profissão, é uma coisa natural», mas dizia também «fartei-me de trabalhar, sabe, fartei-me de trabalhar.» Das palavras de Rómulo de Carvalho parece legítimo retirar a conclusão de que na base do êxito de um professor, está a vocação, mas que é imprescindível muita transpiração... Julgo, pois, que, na selecção futura dos candidatos a professor, mais do que (por exemplo) a média da licenciatura, importa a sinceridade da vocação, a honestidade da motivação, a força da determinação e uma razoável cultura geral. A transpiração vem depois, por imperativo destas exigências.
A terminar, uma ressalva: Esta “teoria da vocação” é válida para ministérios da Educação que não estejam contra com os professores, caso contrário não há motivação que resista nem transpiração que dignifique.
Publicado em 15.Setembro.2007 no blogue convidado do PÚBLICO
http://dererummundi.blogspot.com/2007/09/seleco-de-professores.html
segunda-feira, 4 de julho de 2011
sábado, 2 de julho de 2011
Desejos improváveis que se "concretizam"...
Desta vez fui à praia de Santa Cruz para assistir à celebração do fim de ano lectivo do Jardim de Infância do Vimeiro, que se realizou ontem no Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro (um belíssimo espaço de cultura que vale a pena visitar).
A festinha compreendeu uma exposição, intitulada “Do transparente ao verde”, mostra de trabalhos dos meninos tendo a ecologia como valor central, e uma “photostory” (apresentada pela educadora Helena Martinho) das muitas realizações levadas a efeito durante o ano lectivo. Esta “photostory” finalizava com uma série de fotocomposições em que cada menino era enquadrado no ambiente por si escolhido (nadando num oceanário, escalando uma montanha, voando com uma águia, sobrevoando uma floresta em parapente, etc.). A imaginação de cada um foi o limite… e os desejos mais improváveis surgiram (o Pedro quis viajar sentado na cauda de um crocodilo e com uma piranha na mochila…)!
O grande sucesso desta iniciativa -- que gerou entusiasmo entre os que encheram o anfiteatro -- ficou a dever-se à “designer” Selma (mãe do Noé) que seleccionou os “ambientes” e fotografou os meninos nas posições adequadas. O resto, em que participei, foi quase só copy/paste…
As fotografias ilustram (um pouco) o que se passou na festinha que começou às 18 horas e terminou (no espaço do Jardim de Infância) pelas 21 horas… tendo sido entregue aos Pais um DVD e a fotografia da respectiva criança na situação radical em que se idealizou.
Foi um fim de tarde para recordar!
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