domingo, 15 de abril de 2018

Evolução, de muito grande a muito pequeno

O que é um computador?

 Karla Pequenino (PÚBLICO, 15 de Abril de 2018)

A resposta não é assim tão fácil — em menos de dois séculos, os computadores passaram de uma palavra que define humanos, a pequenas máquinas que se podem levar no bolso. Parece ficção científica, mas é história. E a Apple lembra as pessoas que está longe de acabar.
“Mas o que é um computador?”, remata a jovem protagonista de um anúncio da marca ao deslizar os dedos por um tablet quando uma vizinha pergunta o que está a fazer com o aparelho no jardim. Nas redes sociais, o debate sobre a pergunta dura desde que o anúncio surgiu, no final de 2017. Antes, a rapariga já tinha trepado árvores com o tablet, teclado o trabalho de casa e enviado fotografias à mãe. A ideia que a marca tenta passar é que nunca o abandonou durante o dia inteiro. Para os mais críticos, a Apple está a ser “pomposa” ao insinuar que as crianças não vêem um tablet como um computador, mas a história mostra que o significado de “computador” está a mudar desde que surgiu.
Desde o final do século XIX que os humanos dependem de computadores para fazer cálculos e resolver os mistérios do universo. Na altura, porém, a palavra “computador” não vinha com um monitor, processador e teclado anexado. Era o título dado às mulheres — pouco lembradas — que processavam dados manualmente e mapeavam estrelas para a NASA criar novas cartografias do universo.
Com o passar dos anos, foram-se desenvolvendo máquinas enormes cada vez mais complexas que as substituíram na função, mas o termo só ganhou fama na década de 1970, quando empresas como a Apple, a IBM e a Microsoft desenvolveram a ideia de um “computador pessoal” para ter na secretária. Foi a última, com a missão de pôr um “em cada casa”, que ganhou a batalha e tornou o Windows o sistema operativo dominante, cimentando a ideia daquilo que as pessoas vêem como um computador. Mas, décadas mais tarde, a definição volta a mudar.


Hoje, o aparelho de computação mais popular é o smartphone, que muitos levam no bolso. Serve para quase tudo: de passar as barreiras no aeroporto com um bilhete electrónico a acordar a horas. Já é (desde 2016) o aparelho mais utilizado para navegar na Internet e dados de 2017 da Delloite mostram que 78% dos consumidores em países desenvolvidos olham para o smartphone menos de uma hora depois de acordar. Para alguns, é menos. Em Dormir com o amigo e inimigo, um estudo publicado este ano na revista científica Computers in Human Behavior, os autores argumentam que a “prevalência de smartphones a baixo custo” torna impossível deixar o aparelho na hora de dormir.
No extremo, a situação cria aquilo a que os investigadores chamam “tecnostress”: agitação induzida pelo excesso de informação dada pelos computadores modernos, permanentemente ligados. Instabilidade emocional e pouca qualidade de sono estão entre as consequências comuns, mas deixar a tecnologia não faz sempre parte da solução. Há empresas, como a holandesa Somnox, a desenvolver almofadas especiais, programadas via smartphone, que copiam o respirar humano para embalar adultos. 
Com os aparelhos cada vez mais próximos, há quem os veja a fazer, novamente, parte da definição de humano. Uma equipa do MIT, liderada por Canan Dagdeviren, está a testar a possibilidade de transmitir energia gerada pelo corpo para pequenos computadores. É algo que vê a ocorrer nos próximos dez anos. A prioridade é gerar energia para pacemakers, mas estes aparelhos também devem enviar informação sobre o corpo, via wifi, aos pequenos computadores que temos no bolso.
Independentemente da definição de “computador”, é cada vez mais difícil viver sem os avistar: caso contrário, o anúncio da Apple não teria causado tanta indignação.

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