Hoje, já depois da
meia-noite, tive a ideia de te escrever uma carta no Dia do Pai. E até comecei
a escrevê-la na minha cabeça, rememorando factos da minha infância. Esta é,
pois, a carta que nunca te escrevi.
Tinhas
uma bicicleta que era a inveja dos que a viam reluzir e conheciam o teu cuidado
obsessivo com ela. Porque me veio isto à memória? Porque passei muitas manhãs
de domingo a ver-te desmontá-la debaixo da grande oliveira que havia no nosso
quintal, ao lado do poço. Fiquei a saber como o petróleo era importante na
limpeza da corrente e das esferas dos rolamentos das rodas. Antes da remontagem
era preciso olear tudo muito bem, para que a bicicleta rolasse com o mínimo de
esforço possível.
Foi
sentado no quadro dessa bicicleta que me levavas ao Pinheiro Grande visitar os avós
e a bisavó, que sempre me dava uma mão-cheia de pinhões já descascados que tão bem
me sabiam. No regresso já me doía o rabo da trepidação da bicicleta na estrada
de então, mas nunca dei por mal empregue a aventura dessas viagens.
A
certa altura, já eu era espigadote, alugaste o bar da filial do Benfica na Chamusca para
melhorar os rendimentos familiares. Na época do tomate, como ficavas até mais tarde
na fábrica onde trabalhavas (SPALIL), era eu que
ficava encarregado de abrir o bar e atender os clientes. Em dias de baile,
havia muita gente de fora com quem aprendi coisas que desconhecia. “Quero
um carioca”, disse-me uma vez um forasteiro. Fiquei atrapalhado, olhei para a
garrafeira e disse: “Não temos!”. Ele riu-se e explicou-me que se tinha café e
água também tinha carioca... Noutra ocasião, pediram-me um "chá frio" e passou-se uma cena análoga. Fiquei então a saber que era um copo de vinho branco...
Quando
vieste para a Chamusca, trabalhaste na padaria do senhor Fonseca. Vi-te a trabalhar
a massa com esforço, a aquecer o forno com as estevas aromáticas que vinham da
charneca e a tirar os pães com a pá achatada. Era um trabalho duro que fazias com
gosto e orgulho pela qualidade do pão que produzias e que era vendido ao balcão. E sabes
Pai? Foi ao teu lado a amassar o pão que li a minha primeira palavra (num jornal), com
os ensinamentos do jardim escola onde aprendi as primeiras letras.
Tinhas
um lado de que eu não gostava, Pai. Uma vez por outra, depois de teres estado com
uns amigos em alegre patuscada, chegavas ao fim do quintal e perguntavas à
distância: “Oh Maria Emília, já deste água ao borrego?”. Para nós era um sinal
de que vinhas com um "grão na asa" e que porventura haveria desconversa. Eu não
gostava nada que desconversasses com a Mãe.
Quando chegaste ao fim do caminho, em 1991, eu chorei como nunca no teu funeral. Eu tinha 55 anos e não
sabia que gostava tanto de ti.
Repousa
em Paz, Pai!
Eduardo
...e conseguiste emocionar-me com a tua bela carta...a esta hora o avô Martinho junto com o avô Pinheiro, decerto deitarão também uma lagrimita...Avô Martinho onde quer que esteja um abraço....
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