Miguel Esteves Cardoso
A minha mãe está sempre a voltar. Aparece-me mais vezes
do que quando estava viva. Sinto-a a rir-se dentro de mim, a desafiar-me a
lembrar-me dela: "Diz lá então o que é que diz esta mãe tão chata que não
te deixa em paz?"
Antes de morrer ela confidenciou-me "as mães, por
muito boas que sejam, acabam sempre por deixar mal os filhos". Em inglês: they
always let you down. Senti-me imediatamente culpado: não estaria ela a
falar nos filhos? Não somos nós que as desiludimos, num instantinho?
As mães não nos deixam ficar mal: não nos deixam. Por
muito bem que estejamos elas voltam. Até voltam mais quando estamos bem e
esquecemos as saudades que temos delas. Voltam para nos fazer rir, voltam para
nos mostrar como, voltam para ver as coisas com os olhos delas.
Há um grande amor que se solta quando a presença física
desaparece. Há um grande amor que espera por esse vazio para se mostrar. É como
a voz dela dentro de mim: só comecei a ouvi-la no silêncio que caiu à minha
volta quando ela se foi embora. Durante uns tempos — que nunca mais acabavam —
doía-me que eu não pudesse falar com ela. Mas doía-me ainda mais ela não poder
falar comigo.
Sim, não posso telefonar-lhe. Mas já não preciso. Ela
fala comigo várias vezes por dia. Eu conto à Maria João, tal e qual tivesse
acabado de falar com ela. Ela ajuda-me a rir, a perceber, a entregar-me.
As mães só fingem que nos deixam ficar mal. A verdade —
que também é triste — é que não nos largam. Porque nós não as deixamos. Nem podemos.
Sem comentários:
Enviar um comentário