sábado, 29 de junho de 2013

Palavras de ordem no Brasil

«Engana-se quem pensa que as pessoas estão nas ruas de São Paulo protestando por causa de 20 centavos. As pessoas estão hoje nas ruas dizendo algo muito parecido com o que a população de Istambul está clamando na Praça Taksim: estão falando do direito à cidade, do direito de se manifestar sobre as decisões relacionadas ao lugar onde vivem. E parece que está mais do que na hora de São Paulo – e muitas outras cidades brasileiras – enfrentar com coragem essa questão, sem violência.» Cf. aqui.


A aula hoje é na rua.

Da Copa eu abro mão! Quero dinheiro p’ra saúde e educação!!!

Quantas escolas cabem no [estádio] Mané Garrincha?

Brasil 3 – Japão 0. E daí? O Japão ganha em saúde, transporte, educação…

Quando seu filho ficar doente, leve ele ao estádio.

País desenvolvido não é onde pobre tem carro, é onde rico usa transporte público.

Eu sei que é difícil de acreditar, mas o Brasil vai mudar!

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Homenagem a Michelle Larcher de Brito





A composição acima foi realizada ontem 
enquanto assistia à histórica vitória de 
Michelle Larcher de Brito 
sobre Maria Sharapova 
em Wimbledon 

terça-feira, 25 de junho de 2013

"Não te amo mais", poema de Clarisse Lispector

Não te amo mais
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis
Tenho certeza que
Nada foi em vão
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada
Não poderia dizer mais que
Alimento um grande amor
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...







Nota - A leitura deste poema 
feita de cima para baixo ou 
de baixo para cima conduz 
duas interpretações distintas.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Estou quase a deixar de ouvi-lo...

TVI, Jornal das 8, 23.Junho.2013
Comentários de Marcelo Rebelo de Sousa


Pergunta: 
Quem ganhou e quem perdeu a “guerra” na greve dos professores?

Resposta: 
Ganharam os estudantes, ganharam os pais, ganharam as famílias… são os grandes vencedores. Para o governo foi lisonjeiro porque correu melhor do que esperava. Para os líderes sindicais dos professores foi uma derrota porque correu pior do que esperavam.

Em resumo: 
Estou quase sem comentador a quem me apeteça ouvir. Porque... 

Não me interessa o comentário de José Sócrates na RTP1 (cf. aqui).

Deixou de me interessar o comentário de Luís Marques Mendes na SIC, desde que ele colocou lado a lado dois gráficos que não eram comparáveis para tirar o efeito que pretendia (cf. aqui).

Agora, vejo com desagrado que o professor Marcelo optou por martelar a realidade para quase concluir que a greve foi um sucesso para o governo. 
Os grandes vencedores da "guerra" foram os estudantes?! Os pais e as famílias?! Homessa!

Professores, proletários, missionários

António Guerreiro
Público/Ípsilon, 21.Junho.2013

«Em 1971, Roland Barthes escreveu, para a revista Tel Quel, um texto a que deu o titulo: Escritores, Intelectuais, Professores. Por si só, tal título mostra como os professores foram entretanto deslocados e já não pertencem a esse mundo de outrora. Eles surgiam então ao lado de outras duas respeitáveis classes (que, aliás, também já não têm o mesmo estatuto), enquanto detentores de uma autoridade adquirida automaticamente pela parole proƒessorale. Essa modalidade de discurso, herdeira da Retórica e dotada de uma autoridade moral conferida pelo saber, não podia sobreviver às novas condições que retiraram o saber da esfera exclusiva do cânone escolar e em que o professor, obrigado a responder a novos objectivos da escola que já nada têm que ver com a sua missão original (objectivos cada vez mais políticos: retardar a entrada dos jovens na vida activa, corrigir as desigualdades sociais, substituir a educação parental, policiar os costumes, etc.), teve que começar a enfrentar tarefas policiais, psico-sociais e de animação. A fortuna de um actual ministro que chegou ao seu posto à custa da denúncia do “eduquês” deve-se ao facto de, com esse chavão, ele apontar para um desvio da escola em relação a essa missão original que, presume-se, ele achava que podia e devia ser restaurada. Entretanto, em sentido contrário a uma tal missão, os professores têm sido submetidos - sem tréguas e desde há muitos anos - ao tratamento mais ignóbil a que uma classe profissional pode estar sujeita. Se quisermos utilizar um termo genérico para designar o que lhes foi infligido (para além das “sevícias” - da parte dos alunos, da parte dos pais - a que ficaram expostos a partir do momento em que lhes foi retirado todo o domínio) temos de falar de uma progressiva, sistemática e programada proletarização. Em que é que ela consiste? Numa total perda de autonomia, até ao ponto em que a actividade do professor deixou de ser uma actividade intelectual. A partir desse momento, a autoridade do professor - que, aliás, para existir é necessário que esteja integrada num sistema que a detenha – ficou completamente arruinada. O sinal mais óbvio dessa proletarização - aquele onde ela é exibida pela máquina governamental com uma clara intenção de humilhação - é o horário de trabalho. Dantes, o trabalho do professor compreendia o tempo controlado (o tempo lectivo) e o tempo autónomo, que ninguém conseguia avaliar exactamente a quanto correspondia - dependia do treino, dos escrúpulos, da responsabilidade e do sentido de missão do próprio professor. Dai, a ideia tão repetida de que os professores gozam (gozavam) de um horário privilegiado. Agora, não só o tempo de trabalho controlado aumentou bastante, como aquilo que deveria ser tido por conta de trabalho autónomo perdeu esse estatuto porque o Ministério o passou a contabilizar no horário oficial: trinta e cinco horas de trabalho na escola, mais cinco horas de trabalho em casa. Quem alguma vez foi professor sabe bem que essas cinco horas semanais estão longe de ser suficientes. Mas pior do que fazer horas extraordinárias que não são pagas é sentir que até o pouco que resta aos professores de tempo autónomo entra na contagem diabólica do tempo controlado. O horário dos professores pode até não ter efectivamente aumentado. Mas, em termos simbólicos, chegou-se à estação terminal que diz: proletarização.»

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Bem prega frei Tomás…


Em entrevista dada esta manhã à jornalista da Antena-1 Maria Flor Pedroso, o reitor da Universidade de Lisboa António Sampaio da Nóvoa, afirmou a certa altura: «Eu julgo que hoje se começa a perceber na Europa que nós estamos num beco sem saída. Todos hoje reconhecem o falhanço de uma política de austeridade que não está a melhorar nada e não há uma mudança de caminho

Em contraposição, acrescentou: «Nós na Universidade estamos habituados a fazer o contrário: [estamos habituados] a olhar, a avaliar, a corrigir, e não uma espécie de cegueira, seja tecnológica, seja tecnocrática, seja ideológica, em que parece que há uma receita e essa receita se aplica, independentemente dos resultados que ela está a ter

O doutor Sampaio da Nóvoa, que deixará o cargo de reitor num futuro próximo (após tê-lo exercido durante dois mandatos), sabe decerto que há situações lamentáveis na sua Universidade que vão ficar exactamente na mesma como quando entrou em funções.

Salvo melhor opinião, isto é incompatível com a ideia proclamada de que na Universidade estão habituados a olhar, a avaliar, a corrigir… O que acontece precisamente é que as mesmas receitas continuam a ser aplicadas na Universidade de Lisboa, independentemente dos (maus) resultados que estão a ter.

E há perguntas que ocorrem neste âmbito:

1. Por que será que a Universidade de Lisboa continua a não figurar entre as universidades de topo a nível mundial ou europeu, contrariamente até ao que acontece com universidades portuguesas mais novas? Cf. aqui 

2. Por que é que os processos de avaliação do desempenho previstos no Decreto-Lei n.º 205/2009 teimam em não avançar na Universidade de Lisboa, contrariamente ao que se passou noutras universidades portuguesas?

3. Por que não foram alterados procedimentos que têm conduzido a situações em que a Universidade de Lisboa sai desprestigiada, nomeadamente em matéria de concursos para professores catedráticos? Cf. aqui

Bem prega frei Tomás...


Renascimento


quinta-feira, 20 de junho de 2013

Ainda a greve dos Professores V (Final)

Após tantos desencontros, nada como boa música para nos retemperar a alma. Por mim, fiquei confortado com o Concerto de Aranjuez, de Joaquín Rodrigo, numa gravação da BBC: 

Joaquín Rodrigo Vidre, Marquês dos Jardins de Aranjuez, (22 de novembro de 1901 – 6 de julho de 1999) foi um compositor e um pianista virtuoso espanhol. Apesar de ser cego desde a mais tenra idade, ele atingiu grande sucesso. Rodrigo é considerado como um dos compositores que mais popularizou a guitarra na música clássica do século XX, e seu Concerto de Aranjuez é um dos expoentes máximos da música espanhola. Cf. aqui

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Ainda a greve dos Professores IV

Julgo ser consensual que o ministro da Educação poderia ter evitado a greve dos professores. Bastaria ter tido o bom-senso político de aceitar a recomendação da Comissão Arbitral. Por outras palavras, bastaria ir ao encontro de 


Mas o ministro Nuno Crato, por razões que só os objectivos políticos deste governo poderão explicar, resolveu levar o confronto com os professores até ao fim. Por outras palavras, resolveu ir de encontro a


O resultado foi o que se viu… 

terça-feira, 18 de junho de 2013

Ainda a greve dos Professores III

As infracções denunciadas
Público (p.5), 18.Junho.2013


Telemóveis – Os telemóveis tocaram em várias salas de exame. Alguns estariam na posse de professores vigilantes. As regras de exame determinam que a posse de telemóvel implica a anulação da prova.
Ocupações - Houve alunos que invadiram salas onde estavam a decorrer exames e que viram o enunciado, voltando a sair de seguida.
Portas fechadas - Pelo menos numa escola os exames foram realizados à porta fechada, o que vai contra as normas.
Horário desrespeitado – Em várias escolas houve salas em que o exame começou depois das 9h30, hora para a qual estava marcado, situação normalmente interdita nestas provas.
Exames em ginásios e refeitórios - Há relatos de alunos concentrados em ginásios ou refeitórios, quando o máximo por sala de exame não pode exceder os 15 e apenas um por carteira.
Protestos - Em escolas invadidas por alunos que não realizaram exame, os que estavam a fazer a prova foram obrigados a prosseguir apesar das canções e dos protestos entoados nos corredores.
Vigilância - Estiveram em vigilância de provas pessoas que não eram professores.
Professores coadjuvantes - Houve provas em escolas onde não estiveram ao serviço professores coadjuvantes, a quem compete nas escolas o contacto com o Gabinete de Avaliação Educacional e o Júri Nacional e Exames com vista ao esclarecimento de dúvidas ou problemas que surjam.

Ainda a greve dos Professores II

Os professores fizeram greve e o Governo lançou o caos
José Vítor Malheiros
Publico (p.45), 18.Junho.2013
Cf. aqui

«O Ministério da Educação tinha a possibilidade de resolver a situação causada pela greve de professores com o mínimo de perturbação para os alunos, com o mínimo de confusão nas escolas, respeitando os professores que querem e os que não querem fazer greve, sem pôr em causa o direito à greve, sem atropelar o regulamento dos exames, tratando os alunos com a equidade que a lei exige e dando de si e do Governo uma imagem de sensatez. Bastaria que seguisse a recomendação do colégio arbitral e que adiasse para dia 20 a realização dos exames marcados para ontem. Ninguém poderia dizer que se tratava de uma cedência perante os professores ou de um recuo perante os sindicatos, já que a proposta vem de um colégio arbitral e já que a mudança de data permitiria que os exames se realizassem, e - segundo o ministério - o objectivo dos sindicatos de professores é impedir a sua realização. Seria até fácil apresentar este desvio táctico como uma vitória do ministério nas declarações de propaganda que se tornaram habituais nos últimos dias ("Conseguimos minimizar o incómodo causado pela greve, conseguimos realizar os exames que os sindicatos queriam impedir, não respondemos a esta provocação, mostrámos que estamos organizados, a nossa prioridade são os alunos, blá, blá blá..."
Porém, em vez disso, o ministro Nuno Crato preferiu levar o braço-de-ferro com os professores até ao fim e forçar a realização de exames sem que estivessem reunidas as condições mínimas de serenidade para que os estudantes pudessem realizar as suas provas, criar um problema de iniquidade no tratamento dos alunos que não tem nenhuma solução aceitável, praticar uma clara violação do direito à greve ao convocar para o serviço de exames todos os professores possíveis e imaginários (incluindo directores, professores do ensino especial, educadores de infância, professores sem formação específica para acompanhar exames) e lançar uma suspeita insidiosa sobre os sindicatos de que estes se preparariam para fazer greve na nova data se houvesse adiamento do exame – o que, como se sabe, não seria legalmente possível e os sindicatos garantiram que não faziam.
Por que não adoptar aquela que era considerada uma boa solução e preferir a posição oposta, que suscita problemas de todo o tipo e prejudica de forma máxima os alunos? A resposta: para inventar um novo inimigo interno. (…)».


NOTA – A tese sobre a “necessidade” de inventar um inimigo interno não é de hoje. Vem do tempo de José Sócrates e da ex-ministra Maria de Lourdes Rodrigues, que muito humilharam os professores. Esta obsessão trouxe-me à memória um estudo de há 2 ou 3 anos – cujos números não devem ter sofrido grande alteração até hoje – que revelava que os portugueses confiavam pouco nos políticos (17%), advogados, banqueiros e gestores de grandes empresas, e depositavam mais credibilidade nos bombeiros, professores (92%), carteiros e médicos. Afinal, quem são os inimigos de quem?

Ainda a greve dos Professores I

"Greve aos exames"
Joaquim Jorge
Publico (p.47), 18.Junho.2013
Cf. aqui

Esta greve aos exames era escusada se o Sr. Ministro tivesse percebido o pulsar do sentimento geral na classe docente – desagrado e intransigência com mais medidas de austeridade.
Os professores, na era Sócrates, foram espezinhados, desclassificados, humilhados e desacreditados , como nunca tinha acontecido. Lembro-me muito bem de José Sócrates procurar intoxicar a opinião pública, colocando em páginas dos jornais, como publicidade, paga por todos nós, incluindo os professores. Tabelas salariais dos professores, em que o valor remuneratório, era,o ilíquido sem descontos, procurando desta forma, fazer ver, que os professores eram muito bem pagos e remunerados. O que é falso e mentira!
Este Big Brother de vencimentos foi atroz e inqualificável. Tentou também  alegar que os sindicatos tinham imensas benesses e privilégios... Numa democracia plena é importante quem represente os professores.
Quando percebeu que a sua estratégia com Maria de Lurdes Rodrigues estava num beco sem saída , colocou Isabel Alçada que limitou-se a apanhar os cacos. A partir de tudo isto ,a Escola deixou de ser um local aprazível e de bom relacionamento. A introdução da avaliação como meritocracia esquecendo-se da especificidade da profissão gerou tensões e divergências insanáveis.
Este Governo teve como lema  de campanha eleitoral o respeito pelos professores, mas foi água de pouca dura, pois na prática a economia e o Ministro Gaspar mandam mais que o Ministro Crato.
Esta greve de hoje aos exames tem o reverso da medalha do que se passou na greve às avaliações . Nas avaliações a falta de um professor inviabilizava a realização da reunião de avaliação. Porém hoje com um número reduzido de professores, apesar da maioria faltar consegue-se realizar os exames.
O cerne da questão não é se houve ou não grande adesão à greve. A questão fundamental é o respeito pelos professores, pela sua profissão, dignidade e especificidade.
Não se põe em causa mandar professores embora, porém com regras e devidamente indemnizados. Depois podem trabalhar mais horas, porém já o fazem há muito tempo. Podem ir para longe da sua antiga escola mas devidamente apoiados com ajudas de custo, etc.
Posso enganar-me, mas no futuro não vai haver quem queira ser professor. Ter-se-á que os recrutar nos países lusófonos.
Se eu fosse governo, não permitiria num prazo alargado que muitos jovens seguissem a carreira docente, enquanto houver professores desempregados. Formar gente para o desemprego é crime de lesa-pátria.
 Governar é projectar e servir de almofada a quem está no sistema. Não é despedir e tratar mal só vendo números. O Ensino tem a disciplina de Matemática, mas tem outras disciplinas como Psicologia que é algo que o Governo não tem...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

"Le verbe aimer", de J. Cocteau, no dia da greve


«Le verbe aimer est difficile à conjuguer:
son passé n'est pas simple,
son présent n'est qu'indicatif,
et son futur est toujours conditionnel




Jean Cocteau (1889–1963)
Poeta, romancista, cineasta, 
designer, dramaturgo, actor 
e encenador de teatro francês. 
Cf. aqui


domingo, 16 de junho de 2013

sábado, 15 de junho de 2013

“O que está em causa na greve dos professores”


«O que está em causa para o governo na greve dos professores é mostrar ao conjunto dos funcionários públicos, e por extensão a todos os portugueses que ainda têm trabalho, que não vale a pena resistir às medidas de corte de salários, aumentos de horários e despedimentos colectivos sem direitos nem justificações, a aplicar ao sector. É um conflito de poder, que nada tem a ver com a preocupação pelos alunos ou as suas famílias.
Há mesmo em curso uma tentação de cópia do thatcherismo, à portuguesa.
(Mais tarde desenvolverei estas palavras.)»
in blogue Abrupto (13.06.2013) 
de José Pacheco Pereira: aqui

Desenvolvimento aqui
Artigo “A greve”, no jornal Público de hoje (p.44).

quarta-feira, 12 de junho de 2013

terça-feira, 11 de junho de 2013

“O novo índex e as sapatilhas fixes“ – Carta de um Pai a seus Filhos

Meus lhos:
Os bairros sociais são urbanizações construídas, na sua maior parte, pelo Estado, com custos de construção inferiores as demais urbanizações e são construídos, Constança, porque há pessoas que, por circunstâncias várias, entre as quais a sorte e o azar no jogo da vida, não conseguiram ter dinheiro para viverem em “sítios” diferentes.
Nestas situações, o Estado – uma organização mais difícil de explicar do que a criação do mundo – ajuda-as, dando-lhes um tecto. E as pessoas conseguem, assim, ter condições mínimas de vida para educarem os seus lhos e levarem a vida avante na esperança de um dia, através do trabalho ou de um golpe de sorte, poderem escolher a sua casa.
Há pessoas que gostariam de poder viver noutras casas e, às vezes, não gostam de dizer onde vivem – nem têm de o fazer –, desde logo, porque, no mundo em que estamos, também há pessoas más, pessoas que não vêem para além do que o dinheiro pode comprar e, assim, discriminam aqueles que o não têm. E fazem troça deles e brincam com a sua situação e afastam-nos da sua roda de amigos. São maus, esses senhores.
Ê, mais ou menos, como no colégio, quando aparece um menino que não tem sapatilhas xes e os outros meninos o tratam mal e apontam com o dedo a rirem-se. E eu quero que saibam, meus filhos, que se os meninos têm sapatilhas xes e andam num colégio particular é porque os avós ajudam o pai e a mãe. E que, sem essa ajuda, os meninos também não teriam essas sapatilhas e andariam numa outra escola.
E agora eu pergunto: isso fá-los-ia pessoas diferentes? Melhores ou piores? Boa, Manel! Claro que não! E os meninos gostavam que o director do colégio escrevesse num papel o nome daqueles meninos que não têm sapatilhas xes e o colasse na parede para toda a gente ver? Ou que a escola ajudasse esses meninos a terem umas sapatilhas mesmo giras e, depois, escrevesse e colasse os nomes deles na parede?
Sim, Diogo, isso era mesmo feio. E não gostavam porque já era suficientemente má a sensação de angústia da véspera à noite, de todas as vésperas à noite, quando se deitassem, pressentirem que no dia seguinte iriam ser gozadas pelos meninos das sapatilhas xes que a escola não precisou de ajudar, para, ainda por cima, verem os seus nomes e, quem sabe, as suas fotografias afixadas na parede.
O ministro das Finanças – um senhor importante – quer, agora, que as pessoas que vivem nos bairros sociais sejam colocadas num índex – uma lista má – para toda a gente saber que vivem em bairros sociais.
Diz que é para todos podermos ver onde são gastos os dinheiros públicos (o dinheiro de todos nós, inclusive o das pessoas que vivem nesses bairros).
Claro que não é preciso, meus filhos! Não tem qualquer utilidade, porque há instrumentos de fiscalização da correcta aplicação desses dinheiros.
A lição que o ministro nos dá é a de que o tecto caracteriza a pessoa e a define. Como em tempos um senhor mau que existiu na Europa e quase ia derrotando os seus princípios fundadores e que defendia que a pessoa, na sua essência e dignidade, era definida pela cor da pele e pela origem da raça.
O pai diz-lhes sempre para não abrirem a porta a estranhos, nem falarem com desconhecidos. Mas hoje quer-lhes pedir outra coisa: que não distingam, nunca, as pessoas pela aparência, pela religião, pela ideologia, pela cor da pele ou pela casa onde vivem. Combinado? Apreciem-nas a todas e a cada uma delas, pelos valores que defendem, pelo carácter que possuem, pela probidade que demonstram no seu dia-a-dia e pela nobreza de sentimentos que transportam.
É aí que se encontra o que, verdadeiramente, interessa. É através desses valores que nos enriquecemos uns aos outros, é através da sua prática quotidiana que tomamos todas as nossas decisões: das mais importantes, às mais pequeninas. É na diferença que, todos nós, nos completamos.
Não sei, Manel, não sei se o pai do Senhor Ministro lhe ensinou esta lição, se o Senhor Ministro a não aprendeu ou se não conhece a mãe de todas as leis, que se chama Constituição. Mas esta lição eu quero que aprendam depressa e que saibam que é a causa de uma vida, pela qual não podemos desistir nunca.
 E, sim, meus filhos, podem colar papéis com o nome do Senhor Ministro, em todas as paredes cá de casa.



Manuel Sampaio Pimentel
Jurista, ex-dirigente nacional do CDS-PP

PÚBLICO (pág.54), 09.Junho.2013

domingo, 9 de junho de 2013

Apelo da APRe!: Ponham um pano preto à janela


1. No passado dia 15 de Maio enviei a seguinte missiva à Dra. Maria do Rosário Gouveia, presidente da Direcção da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (APRe!):
Exma. Senhora
Antes de mais, calorosas felicitações e os meus/nossos agradecimentos pela acção que a APRe! tem desenvolvido.
Também eu sou aposentado, com mais de 40 anos de descontos para a CGA enquanto investigador do Laboratório Nuclear de Sacavém, a que se adicionaram 15 anos de descontos enquanto docente da Faculdade de Ciências de Lisboa em regime de acumulação (com os dois horários de trabalho completos) sem que destes 15 anos tenha retirado qualquer benefício.
No meu blogue pessoal tenho denunciado a situação presente dos reformados, mas não só, por vezes fazendo eco de opiniões de outrem (Pacheco Pereira, José Vítor Malheiros, São José de Almeida, etc.).
O meu post de 13 de Maio “Ponham um pano preto à janela!” sugere uma acção pacífica, silenciosa e simples, formulada por alguém na Antena-1, que poderia ter algum significado, dependendo da adesão que pudesse suscitar: ver aqui.
Admito que esta sugestão possa merecer alguma atenção por parte da APRe!
Cordiais saudações,
Eduardo Martinho

2. No dia 2 de Junho tive conhecimento do seguinte apelo da APRe!:
«A partir de 10 de Junho vamos colocar panos pretos nas janelas como forma de protesto pela humilhação a que temos estado sujeit@s.
Os cortes das pensões não vão parar, que ninguém se iluda!
Divulguem esta campanha por todos os vossos contactos de forma a fazermos uma grande rede de protesto em todo o país.»

sábado, 8 de junho de 2013

Soem todos os sinais de alarme!

Extractos de um artigo de
José Pacheco Pereira
PÚBLICO, 08.Junho.2013
Texto completo aqui

«Um dos aspectos mais inaceitáveis deste processo é o grau de dolo e fraude em que ele é feito. Repito-me, mas este é um dos aspectos mais repulsivos da actual governação. Todos os governantes juraram várias vezes, há dois anos, e há dois meses, que nunca haveria despedimentos na função pública, nunca haveria “mobilidade especial” para os professores, e que apenas quem quiser sair teria abertas as portas a “rescisões amigáveis”. O que ofende mais a consciência comum é que as mesmas pessoas que usaram o “nunca”, várias vezes e em contextos que não permitiam a ambiguidade, estão hoje na vanguarda de piruetas verbais mais obscenas para se desdizerem, parecendo aliás muito pouco preocupados com o valor da sua palavra.»
«Uma das razões por que prefiro mesmo o desconhecido e o arriscado à situação presente, como sejam eleições antecipadas sem grandes expectativas, é que prefiro um tumulto que abra o espaço político a uma situação nova, à continuidade de uma governação que é uma forma muito pior de tumulto, é a destruição de um país em que a condição de se ser português não significa nada, porque já não existem laços comunitários em que nos reconheçamos.»
«Não é irrelevante o que se está a passar, para quem seja “justo”, para quem não seja indiferente ao tónus moral e cívico de uma sociedade, com todos os piores instintos a ser despertados e alimentados, para garantir um terreno favorável a um projecto de engenharia política que hoje está em decadência, mas que envenena a terra em que está a apodrecer. Se há um princípio cívico de moralidade – e é um cínico e um relutante defensor de argumentos morais em política que escreve isto – o que está a acontecer aos funcionários públicos deveria fazer soar todos os sinais de alarme.»

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Quem são os responsáveis pela actual crise?

Clicar para ampliar

Vasco Pulido Valente pergunta o que muitos portugueses se perguntam:
Quem foram os responsáveis pela dívida que nos sufoca?
Uma resposta abrangente possível para esta questão é a seguinte:
Considerando o período de 25 anos compreendido entre 1986 (adesão à “Europa”) e 2011 (crise e troika), durante o qual o Estado português recebeu 9 milhões de euros por dia (!), os principais responsáveis foram todos os que detiveram poder decisório e executivo, em particular primeiros-ministros, ministros, autarcas, gestores públicos e, num outro plano, banqueiros. Ninguém se pode pôr de lado, como se não fôsse nada com eles. E as razões do sufoco são (pelo menos) as que Vasco Pulido Valente enuncia interrogativamente: corrupção, oportunismo eleitoral, incompetência e desleixo.

Entre as raras excepções à regra geral, é de destacar Luís Campos e Cunha, ministro das Finanças do primeiro governo de José Sócrates (2005-2009), que se demitiu ao fim de quatro meses de “experiência”...

quinta-feira, 6 de junho de 2013

"A questão essencial da falta de confiança"

Extracto de um post do doutor Paulo Guinote
no seu blogue “A Educação do meu Umbigo"
05.Jun.13 / Texto completo aqui.
«Nuno Crato parece não ter ainda entendido que a atitude dos professores (e não só) em relação a este governo e a qualquer dos seus elementos é a de completa falta de confiança, pois sabe-se que nada parece ser um “valor absoluto” e tudo parece ser transitório, ao mesmo tempo que nenhum compromisso do Estado para com os cidadãos comuns (desde a aposentação aos apoios sociais, passando pelas relações laborais na máquina administrativa do estado) tem qualquer valor contratual para ser verdadeiramente respeitado.
Resumindo, não existe qualquer base sólida sobre a qual seja possível estabelecer uma relação de confiança com qualquer governante em exercício, crescendo, muito pelo contrário, a plena consciência de que não há qualquer pudor em justificar o desrespeito pela garantia de ontem com qualquer argumento oportunista e com uma estratégia, no essencial, parecida à que antes se criticava aos governos de José Sócrates

quarta-feira, 5 de junho de 2013

“As melhores coisas são de ar”

Penso no “Brincar” e imediatamente recordo um menino de há muito tempo e sobre o qual em tempos escrevi: o Armelim. Vinha sempre para o Jardim no seu cavalo branco, invisível aos olhos dos outros. Atrelava-o cuidadosamente a uma árvore para que não fugisse, sempre perto da erva onde pudesse pastar. Cruzou o ano todo de capa e coroa e era príncipe a tempo inteiro. Nos dias mais difíceis chorava porque o cavalo estava muito doente e podia não resistir. Foi com o Armelim que aprendi que o Brincar podia ser uma questão de sobrevivência e de resistência moral a uma vida demasiado pesada para quem conta apenas 5 anos.
Penso no Brincar e recordo as palavras do Alberto, um jovem de 23 anos, que me dizia recentemente: ”Tempos inesquecíveis os da Ludoteca, ainda hoje os meus melhores amigos são aqueles com quem lá brincava.” Com ele relembrei como o Brincar e a construção de afectos andam de mãos dadas.
Penso no Brincar e assaltam-me as sábias palavras do artista e curador italiano António Catalano que, na inesquecível exposição “Universos sensíveis” (onde dei por mim fechada dentro de um armário a falar com um espelho), expunha aquela que considero a mais brilhante definição de infância:
Pensamos na Infância não como uma idade mas como um olhar, uma maneira de ver as coisas, de pensar o mundo.
A Infância é surpreender-se com os pirilampos, com o jacarandá, com o botão que abre. A Infância é pentear cometas, mimar microssegundos, amestrar preguiças.
É Infância irritar-se com as coisas, mudar frequentemente de sítio, inventar ideias.
Não nos interessam as respostas, as certezas imutáveis.
Estamos fascinados pelas interrogações. Caminhadores de perguntas.

Como Educadora fascinada por esta capacidade mágica do Brincar e do Jogo simbólico, reconheço o jogo espontâneo ― individual e de grupo ― segundo interesses pessoais da vida das crianças. Mas verifico também como os novos interesses, temáticas em pesquisa e projectos desenvolvidos em contexto escolar ou lúdico podem influenciar e colorir esse Brincar de outros tons. Acredito que o Brincar pode e deve ser enriquecido com a criação de objectos e adereços, e através da adaptação e recriação de espaços e materiais. A descoberta de outras regiões geográficas e de outros povos, a investigação de épocas históricas, as pesquisas científicas, as personagens de livros… nada está a salvo deste acto ― magicamente invasivo ― que é o Brincar.
Pensamos na Infância e não paramos de nos surpreender com uma capacidade inesperada de realizar feitos só aparentemente impossíveis.
As melhores coisas são de ar”… palavras inspiradas de Manuel António Pina. Só um poeta poderia levar-nos a entender a possibilidade de “fazer um castelo no are ir lá para dentro morar…”.
Proponho agora algumas imagens para que se fique “a saber que isto tudo pode acontecer”: Transpor o tempo e as fronteiras geográficas… rumar à montanha mais alta, viajar em aventurosas caravelas, mergulhar com crocodilos, viver num iglu no topo do mundo, defender a Terra de uma chuva de asteroides…

Sabemos que estamos no caminho certo quando, levados pelo entusiasmo, ultrapassamos aquilo que os nossos pequenos parceiros de jogo consideram “normal” para um adulto, e, ligeiramente assustados, nos tocam como que para nos despertar do sonho, dizendo: “Olha… mas isto era só a brincar!...”



Helena Martinho
Educadora do Jardim de Infância do Vimeiro
Artigo publicado nos Cadernos de Educação de Infância,
CEI n.º 98, Janeiro/Abril 2013