Com a devida vénia, transcrevo com satisfação o artigo seguinte de Francisco Teixeira da Mota, porque
sou amigo do jornal O MIRANTE e do seu director-geral Joaquim António Emídio desde a primeira hora.
Francisco Teixeira da Mota (PÚBLICO, 29.Set.2017)
Joana Emídio, Alberto Bastos, António Palmeiro, João
Calhaz, Joaquim António Emídio
As palavras indignadas que transcrevo foram escritas no
jornal O Mirante, no âmbito de uma acção movida por um advogado de uma câmara
municipal do norte do país contra aquele jornal e os seus jornalistas, pedindo
não só a retirada dos artigos e da fotografia que falavam sobre si na edição
online no jornal como um elevado pedido de indemnização:
“Se o ridículo
matasse, o advogado da câmara municipal já seria um cadáver há muito tempo. A
acção que resolveu interpor em tribunal contra O Mirante e os seus jornalistas
é um atentado à liberdade de informar [...]. Trago aqui o assunto porque este caso trouxe pela primeira vez dois
inspectores da Polícia Judiciária aos nossos computadores da redacção. O
advogado queixoso conseguiu que a justiça se mexesse de forma a que não
fizéssemos desaparecer dos computadores os textos em que ele se sentia
ofendido. O nosso pecado foi termos escrito que o dito advogado, prestador de
serviços à câmara municipal, tinha exigido quase meio milhão de euros.
[...] O que me espanta nesta história é
saber que ainda há gente do lado desta gente, habituada a ganhar a vida graças
aos políticos amigos, e que vem clamar por justiça por publicarmos uma
fotografia sem a devida autorização. Como é que é possível um tipo ter a
profissão de advogado, trabalhar para uma autarquia em processos que são
públicos e notórios, e depois pedir em tribunal a condenação de um jornal e dos
seus jornalistas por publicarmos a sua foto sem lhe pedirmos autorização? O
ridículo ainda maior é vivermos num país que tem uma justiça que permite este
tipo de oportunismo.”
No tribunal de 1.ª instância, o advogado conseguiu a
condenação do jornal e dos jornalistas a retirarem a fotografia e os artigos da
Internet e a pagar-lhe uma indemnização no valor de 105 euros por cada hora em
que permanecessem artigos e fotografia na Internet a partir da data em que o
jornal tinha tomado conhecimento da acção. Para o tribunal de 1.ª instância, o
bom nome e a honra do advogado tinham sido ofendidos gravemente, não havia
necessidade de o fazer e a fotografia publicada do advogado numa sessão pública
da câmara não podia ter sido publicada sem a sua autorização.
Pode-se — inequivocamente — dizer que, nesta comarca, o
tribunal tinha um entendimento muito pouco democrático da liberdade de
expressão e de informação. Um jornal local, segundo este tribunal, não tem o
direito de, em artigo de opinião, criticar de forma violenta e sarcástica a
actuação de um advogado avençado da câmara nem de publicar a sua fotografia
captada num lugar e evento público. A vingar este entendimento, muito pobre
seria a nossa realidade informativa: no limite, só comunicados oficiais e
diplomas legais poderiam ser publicados ou textos respeitosos e deferentes, do
tipo “Peço desculpa mas vejo-me obrigado a discordar de V. Exa.”.
Recorreram os jornalistas e o jornal para o tribunal da
Relação, que considerou que o que era decisivo era saber se os artigos em causa
ultrapassavam os limites da liberdade de expressão ofendendo os direitos de
personalidade (bom nome, honra, imagem) do advogado. E o tribunal da Relação
concluiu que fora lícita a actuação de O Mirante, já que o advogado, ao
estabelecer um contrato com a câmara, tinha de esperar e de aceitar a exigência
de um escrutínio público mais rigoroso da sua conduta, em particular quanto à
gestão de recursos públicos, sendo que a “crítica não exclui a ironia, o humor,
mesmo corrosivo e o tom sarcástico”. E absolveu jornalistas e jornal.
Recorreu, indignado, o advogado para o Supremo Tribunal
de Justiça (STJ), tendo-se debruçado sobre o seu caso, no passado dia 13 de
Julho, os juízes conselheiros Lopes do Rego, Távora Victor e António Piçarra.
Apesar da ofensa à sua dignidade e dos sofrimentos e prejuízos que o advogado
alegava, o STJ manteve a absolvição de O Mirante e dos seus jornalistas até
porque, em termos das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos,
seguramente que a condenação de O Mirante e dos jornalistas em Portugal viria a
determinar a condenação do nosso país em Estrasburgo e a termos de pagar —
todos nós, contribuintes — uma indemnização ao jornal e aos jornalistas. Para o
STJ, a dignidade humana de que fala a nossa Constituição não abrange apenas a
honra de cada um mas inclui, também, o que me parece estar inequivocamente
correcto, “a ausência de mordaças”.