BALEIA A
OESTE!
Experiências de arte urbana
Tintas, pinceis, esponjas, batas, banco
e escadote… foram semanas a caminhar para aquela parede até darmos como
concluída a baleia azul, à qual nem faltava um piercing prateado na cauda (argola metálica existente na parede).
No fim, o comentário de um vizinho, de idade
avançada, cujo passo lento, subindo a rua, permitia apreciar com calma a obra
nascendo: “Tanto trabalho… tanto
trabalho… e valerá a pena?... Isto um dia vem abaixo…será demolido…”
Curiosa conversa sobre o efémero, questão central na “street art”… Troca de
palavras com as crianças e comigo. Por fim pergunto-lhe: E o que acha? Ficou bonito? Gosta de ver a baleia quando aqui passa? Confirmou
que sim, era bonito… era diferente. Então
já valeu a pena! digo-lhe antes de encetar o regresso ao Jardim com os
meninos, batas, mãos e cabelos sarapintados de azul…
Ela tinha estado sempre lá… naquela
parede ocre gigante, de uma casa em desagregação. Quantas vezes passámos
desatentos, sem olhos de ver… até ao dia em que o grupo vislumbrou
aquela enorme baleia… Daí à sua pintura foi ato quase imediato! Muitas sessões
de pintura depois, lá estava ela… a baleia azul, que agora cumprimentam sempre
que por ali passam.
O grupo sabia o que era “street art”, pois já vira projeções
de intervenções de artistas em espaços da natureza ou em zonas urbanas algo
degradadas. Uma das sessões, aberta à família, revelou a TOUR PARIS 13, aquela
que foi considerada a maior exposição de arte urbana de sempre, realizada num
prédio em vias de demolição, em Paris, onde 100 “artistas de rua”, incluindo 10
portugueses, pintaram todas as divisões de 36 apartamentos.
Muitos assuntos eram abordados nestas sessões: os locais, a
ideia que o artista tivera, a intenção revelada, o processo, os materiais
usados, o que pensariam as pessoas sobre as intervenções encontradas
inesperadamente na rua.
Com esta inspiração como pano de fundo, de repente todos
passaram a descobrir formas e desenhos nos muros e paredes por onde passavam,
inspirados por uma fenda, uma falta de reboco, um cano saliente…
Terminada a “baleia azul”, uma parede muito texturada fez
idealizar um “dragão vermelho”… da falta de reboco num muro surgiu um “pássaro
quivi”, tubos de escoamento de águas sugeriram um “elefante espantado” e uma
“cara que chora”, nas heras (que na imaginação do grupo são lianas) apareceu um
macaco pendurado. E que surpresa… quando àquela mancha descolorada num muro um
menino chamou, de imediato, “senhora pálida”!
Em incursão um pouco mais distante do Jardim nasceu ainda um
papagaio tão estilizado que talvez se pudesse chamar “papagaio Miró”…
À exceção da baleia, em todos os restantes trabalhos houve
diversos planos desenhados pelas crianças sobre a imagem fotográfica da parede
ou muro a intervencionar. Após a seleção da melhor solução/ideia, passava-se à
sua pintura.
Muitos desenhos, projetos, conversas e decisões em grupo… muitas
caminhadas com tintas, bancos e escadotes pela rua fora. O olhar, agora
treinado, a descobrir constantemente novas imagens!
Pensar o espaço/ambiente que nos rodeia… ousar intervir
nele, desafiando também os habitantes a entrar no jogo da divergência, foi uma
experiência de liberdade para todos.
Uns tempos mais tarde, inspirados pelo artista de rua SPIDERTAG, estávamos a construir uma
espiral com pregos e lãs numa velha porta de madeira da casa onde “mora” a
nossa baleia, quando uma vizinha nos interpelou: Então, o que estão os meninos a fazer? Muito decidido, responde o
que martelava na altura: Uma spidertag!
Uma quê??? Lá traduzi… explicando que
se tratava de uma espécie de teia de aranha e falando-lhe sobre o artista que
nos inspirara. A vizinha entusiasmou-se e entrou no jogo: ”Olha, vocês querem uma aranha que eu tenho lá em casa para pôr aí
também???” Claro que queriam e a senhora desapareceu por alguns minutos
deixando todos na expectativa, entre divertida e assustada, do seu regresso com
uma aranha a sério! Afinal era uma aranha em borracha cinza e rosa… Prendemo-la
mesmo no meio da espiral. Ficou perfeito…
E lá ficou ela tecendo incessantemente a sua teia...
Como ela, o nosso pequeno Jardim de aldeia vai tecendo a sua
“teia” com as pessoas, com a Arte… teimando em sobreviver e construir cultura
na sua comunidade.
Helena Martinho
(Educadora de Infância)
Nota: O presente Projeto foi desenvolvido no Jardim de Infância do
Vimeiro – Agrupamento de Escolas e Jardins de Infância D. Lourenço Vicente, no
ano letivo 2013/2014. O resultado do trabalho originou uma Exposição que esteve
na Biblioteca Municipal da Lourinhã em Maio e na galeria de Exposições do
Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro entre Junho e Julho. Para a
produção desta mostra o Jardim contou com a colaboração do atelier de
arquitetura ESBOÇO CÚBICO, através da arquiteta Ana Timóteo, mãe de uma criança
do grupo.